A Verdade e o Palácio
Adaptação de Said Barbosa Dib
Allahur Akbar! Allahur Akbar! (Deus é grande! Deus é Grande!)
Quando Deus criou a mulher criou também a Fantasia... Quando o Homem criou o poder criou também a Fábula.
Um dia a Verdade, preocupada com os lamentos e as desesperanças do povo de Allah e seduzida pelos encantos do Poder, resolveu visitar o grande palácio que a ninguém do povo era permitido adentrar. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, homem de grande cultura, orgulhoso, viajado, soberbo e que se dignava somente com as grandes questões.
O sultão, diziam os ordeiros súditos, pela sua grandeza augusta, não tinha tempo para se preocupar com questões de somenos, não podia se ater apenas aos seus, pois era figura ímpar que havia nascido não para a sua Bagdá, mas para resolver as questões maiores das gentes de todo o mundo. Porém, era muito estimado pelo povo, pelos títulos e honrarias que recebera por aí afora, muito embora fossem poucos os que o haviam conhecido em pessoa. Muitos, aliás, desconfiavam da sua existência, tamanhas eram suas virtudes e ausências.
Envoltas as suas lindas formas num véu claro e transparente, foi a Verdade bater à porta do rico palácio em que vivia o glorioso senhor das terras muçulmanas. Ao ver aquela formosa mulher, quase nua, o chefe da guarda, o fiel Quintão Globeid Midiadin Charif, perguntou-lhe:
- “Quem és? Quem bate à porta do senhor dos muçulmanos?”
- “Sou a Verdade!” – respondeu ela, com voz firme. E insistiu com doçura, mas convicta: - “Quero falar ao vosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, o Cheique do Islã!”.
O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, apressou-se em levar a nova ao grão-vizir, o douto Malan Suleimam, “o Estrangeiro”:
- “Senhor,” - disse, inclinando-se humilde, - “uma mulher desconhecida e bela, quase nua, quer falar ao nosso soberano, o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, Príncipe dos Crentes.”
- “Como se chama?”, indagou o grão-vizir.
- “Chama-se a Verdade!”, respondeu o chefe da guarda.
- “A Verdade?!” – exclamou o grão-vizir, subitamente assaltado de grande espanto e, com as mãos nervosas esfregando a espessa barba, completou - “A Verdade quer penetrar neste palácio! Não! Nunca! Que seria de mim, que seria de todos nós, se a Verdade aqui entrasse? A perdição, a nossa desgraça! Dize-lhe que uma mulher nua, despudorada, não entra nesta nobre morada! Que isso seria o caos, a ruína total”.
Voltou determinado o chefe da quarda com o recado do grão-vizir e disse à Verdade:
- “Não podes entrar, minha filha. A tua nudez iria ofender o nosso Califa. Com esses ares impudicos e vulgares não poderás ir à presença do Príncipe dos Crentes, o nosso glorioso sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid. Volta, pois, pelos caminhos de Allah!”.
Vendo que não conseguiria realizar o seu intento, ficou muito triste e desolada a Verdade, e afastou-se lentamente do grande palácio do magnânimo sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, cujas portas se lhe fecharam à diáfana formosura!
Mas...
Quando Deus criou a mulher criou também a Fantasia... Quando o Homem criou o poder criou também a Fábula.
Um dia a Verdade, preocupada com os lamentos e as desesperanças do povo de Allah e seduzida pelos encantos do Poder, resolveu visitar o grande palácio que a ninguém do povo era permitido adentrar. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, homem de grande cultura, orgulhoso, viajado, soberbo e que se dignava somente com as grandes questões.
O sultão, diziam os ordeiros súditos, pela sua grandeza augusta, não tinha tempo para se preocupar com questões de somenos, não podia se ater apenas aos seus, pois era figura ímpar que havia nascido não para a sua Bagdá, mas para resolver as questões maiores das gentes de todo o mundo. Porém, era muito estimado pelo povo, pelos títulos e honrarias que recebera por aí afora, muito embora fossem poucos os que o haviam conhecido em pessoa. Muitos, aliás, desconfiavam da sua existência, tamanhas eram suas virtudes e ausências.
Envoltas as suas lindas formas num véu claro e transparente, foi a Verdade bater à porta do rico palácio em que vivia o glorioso senhor das terras muçulmanas. Ao ver aquela formosa mulher, quase nua, o chefe da guarda, o fiel Quintão Globeid Midiadin Charif, perguntou-lhe:
- “Quem és? Quem bate à porta do senhor dos muçulmanos?”
- “Sou a Verdade!” – respondeu ela, com voz firme. E insistiu com doçura, mas convicta: - “Quero falar ao vosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, o Cheique do Islã!”.
O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, apressou-se em levar a nova ao grão-vizir, o douto Malan Suleimam, “o Estrangeiro”:
- “Senhor,” - disse, inclinando-se humilde, - “uma mulher desconhecida e bela, quase nua, quer falar ao nosso soberano, o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, Príncipe dos Crentes.”
- “Como se chama?”, indagou o grão-vizir.
- “Chama-se a Verdade!”, respondeu o chefe da guarda.
- “A Verdade?!” – exclamou o grão-vizir, subitamente assaltado de grande espanto e, com as mãos nervosas esfregando a espessa barba, completou - “A Verdade quer penetrar neste palácio! Não! Nunca! Que seria de mim, que seria de todos nós, se a Verdade aqui entrasse? A perdição, a nossa desgraça! Dize-lhe que uma mulher nua, despudorada, não entra nesta nobre morada! Que isso seria o caos, a ruína total”.
Voltou determinado o chefe da quarda com o recado do grão-vizir e disse à Verdade:
- “Não podes entrar, minha filha. A tua nudez iria ofender o nosso Califa. Com esses ares impudicos e vulgares não poderás ir à presença do Príncipe dos Crentes, o nosso glorioso sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid. Volta, pois, pelos caminhos de Allah!”.
Vendo que não conseguiria realizar o seu intento, ficou muito triste e desolada a Verdade, e afastou-se lentamente do grande palácio do magnânimo sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, cujas portas se lhe fecharam à diáfana formosura!
Mas...
Allahur Akbar!! Allahur Akbar!!
Quando Deus criou a mulher, criou também a Obstinação.
E a Verdade continuou a alimentar o propósito de visitar um grande palácio. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harum Al-Tucanlain Fernachid...
Cobriu então a Verdade as suas belas e claras formas com um couro grosseiro como os que usam os pastores e foi novamente bater à porta do suntuoso palácio em que vivia o glorioso senhor das terras muçulmanas.
Ao ver aquela formosa mulher grosseiramente vestida com peles sujas e vulgares, o chefe dos guardas perguntou-lhe:
- “Quem és?”
- “Sou a Acusação!” – respondeu ela, em tom severo. – “Quero falar ao vosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, Comendador dos Crentes”.
O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, ciente de suas prerrogativas, correu a entender-se com o grão-vizir Malan Suleimam, “o Mestre de Terras Longínquas”.
- “Senhor” – disse, inclinando-se humilde, - “uma mulher desconhecida, com o corpo envolto em grosseiras peles, deseja falar ao nosso soberano, o sultão Harum Al-Tucanlain Fernachid.”
- “Como se chama a impertinente?”, quis saber o sábio e misterioso grão-vizir.
- “Disse chamar-se Acusação!”
- “A Acusação?” – bradou o grão-vizir, já aterrorizado. E continuou em tom desesperado: - “A Acusação quer entrar neste palácio? Não! Nunca! Que seria de mim, que seria de todos nós, se a Acusação aqui entrasse??!! A perdição, a desgraça nossa! A ruína de Bagdá! Dize-lhe que não, não pode entrar! Dize-lhe que uma mulher, sob as vestes grosseiras de um zagal, não pode falar ao Califa, nosso amo e senhor! Seria um desrespeito muito grande a sua nobreza e inteligência!”
Voltou novamente o chefe dos guardas com a proibição do grão-vizir e disse à Verdade:
- “Não podes entrar, minha filha. Com essas vestes grosseiras, próprias de um beduíno rude e pobre, não poderás falar ao nosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid. Volta, pois, em paz, pelos caminhos de Allah!.”
Vendo que não conseguiria realizar o seu intento, ficou ainda mais triste e decepcionada a Verdade e afastou-se vagarosamente do grande palácio do poderoso Harun Al-Tucanlain Fernachid, cuja cúpula cintilava aos últimos clarões do sol poente.
Mas...
Allahur Akbar!! Allahur Akbar!!
Quando Deus criou a mulher, criou também o Capricho.
E a Verdade entregou-se com afinco ao vivo desejo de visitar um grande palácio. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid. Com idéia fixa e ansiosa, esqueceu-se do porquê tinha se concentrado naquela missão. Vestiu-se, desta feita, com riquíssimos trajos, cobriu-se com jóias e adornos, envolveu o rosto em um manto diáfano de seda e foi bater à porta do palácio em que vivia o glorioso senhor dos árabes.
Ao ver aquela encantadora mulher, linda como a Quarta Lua do mês de Ramadã, falando manso e macio como a brisa da tarde no deserto, o chefe dos guardas perguntou-lhe:
- “Quem és?”
- “Sou a Fábula” – respondeu ela, em tom meigo e mavioso.
E completou: - “Quero falar ao vosso amo e senhor, o generoso Harun Al-Tucanlain Fernachid, Emir dos Árabes!”
O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, correu a falar com o grão-vizir Malan Suleiman, “o Astucioso”:
- “Senhor,” – disse, inclinando-se, humilde – “uma linda e encantadora mulher, vestida como uma princesa, solicita audiência de nosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, Emir dos Fiéis.”
- “Como se chama?”, perguntou, nervoso, o eminente e desconfiado grão-vizir.
- “Chama-se a Fábula!”, respondeu o fiel chefe da guarda.
- “A Fábula!” – exclamou o grão-vizir, cheio de alegria. – “A Fábula quer entrar neste palácio?! Allah seja louvado! Que entre! Bem-vinda seja a encantadora Fábula. Cem formosas escravas irão recebê-la com flores e perfumes. Músicos encantarão seus ouvidos. Quero que a Fábula tenha, neste palácio, o acolhimento digno de uma verdadeira rainha! Afinal, aqui é também a sua casa! Somos seus admiradores! Chamem nossos amigos de todos os cantos da terra! Allah nos é misericordioso!!!”
E abertas de par em par as portas do grande palácio de Bagdá, a formosa peregrina finalmente entrou.
E foi assim, sob o aspecto de Fábula, inofensiva, suave e ordeira, que a Verdade conseguiu aparecer ao poderoso califa de Bagdá, o sultão Harun Al-Tucanlain Fernachid, Vigário de Allah e senhor do grande império muçulmano!
Até hoje, saudosos e tristes, os súditos de Bagdá se perguntam se ela ainda vive, pois nunca mais a viram depois deste dia, como jamais tinham visto o magnânimo sultão de Bagdá.
Mas, Allah é misericordioso!, pois uma velha e carismática senhora, fraternal e compreensiva, sempre presente em momentos difíceis, anda rondando as cercanias de Bagdá, contando histórias, falando ao povo e amenizando a alma dos que sofrem. Chama-se Dona Esperança...
Allahur Akbar! Allahur Akbar!
· Conto antropológico-político baseado na lenda árabe “Uma fábula sobre uma fábula”, narrada pelo inesquecível e insuperável Malba Tahan. Dedicado aos "governos" FHC e Lula e aos que acreditaram na Verdade.
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