17/10/2009 | |||
Um ministro volúvel O vaivém da restituição de IR é o mais recente exemplo da tática de Mantega: soltar balões de ensaio para ver se a ideia pega. Se colar, colou José Fucs Ninguém pode acusar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, de ser um economista lento na tomada de decisões. Seus defensores atribuem a essa capacidade de agir rapidamente o sucesso das medidas para minorar os efeitos da crise global no país, como a redução de tributos dos carros novos e dos eletrodomésticos da linha branca, tomadas no final do ano passado. Seus detratores concordam com o diagnóstico da rapidez – só que a chamam de afobamento. E esse afobamento, dizem, provoca uma série de vaivéns e distúrbios na economia. Na semana passada, Mantega deu mais argumentos a seus críticos que a seus defensores. Primeiro, ele anunciou que adiaria a restituição do Imposto de Renda das pessoas físicas para 2010. Tratava-se de uma saída fácil e rápida para um problemão do governo: com a arrecadação em queda há dez meses, Mantega pretendia usar o dinheiro das restituições ainda não pagas para que o governo cumprisse a meta de superávit primário (o saldo usado para pagar juros da dívida pública) de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), que foi aprovada no final de setembro pelo Congresso Nacional. Só não considerou o potencial corrosivo de uma medida tão impopular. A oposição não tardou a chamar o adiamento de confisco. O ministro tentou se justificar dizendo que não haveria perda porque o dinheiro retido pela Receita Federal seria corrigido com base na variação da taxa básica de juros (Selic, hoje fixada em 8,75% ao ano) até a data do pagamento. “É uma boa aplicação”, afirmou. Não considerou que milhares de pessoas contam com a restituição e, sem ela, teriam de recorrer ao crédito, pagando juros no mínimo cinco vezes maiores que a Selic. O presidente Lula, que costuma ter mais sensibilidade para medidas impopulares, desautorizou seu ministro, e na quarta- -feira Mantega voltou atrás publicamente. “Determinei à Receita Federal que todas as restituições sejam pagas em 2009”, afirmou. Foi seu segundo retrocesso em cinco dias. Na sexta-feira anterior, Mantega havia dito que o Tesouro Nacional iria comprar dólares, para conter sua oferta no mercado e impedir que o real ficasse valorizado demais (a cotação alta do real é uma das principais queixas dos exportadores). No sábado, o Palácio do Planalto afirmou que não tomaria “medidas artificiais” em sua política cambial. Em favor de Mantega, pode-se dizer que sua temerária ideia de segurar a restituição do IR não era inédita. Em 2003, ainda na gestão do ex-ministro Antônio Palocci, o governo chegou a anunciar que pagaria apenas em janeiro de 2004 as restituições previstas para dezembro, para não afetar os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A medida vazou antes de ser implementada e foi tão criticada que o governo recuou. O dinheiro foi devolvido em três lotes ao longo do mês. Se todo ministro de vez em quando é obrigado a voltar atrás, Mantega tem se revelado um campeão de flexibilidade. Parte desse vaivém é causado pela natureza da política, terreno em que cada passo está sujeito a pressões, contrapressões e à habilidade de negociar. Mas boa parte deriva de um estilo peculiar de gestão: soltar balões de ensaio. Mantega costuma dar declarações ousadas, que servem para testar a reação do mercado às medidas que deseja implementar. É uma tática que pode ser resumida assim: “Se colar, colou”. Ele já tentou impor limites aos financiamentos de bens duráveis, evitar a correção da tabela de isenção do Imposto de Renda, tributar o rendimento das cadernetas de poupança (leia o quadro na próxima página). É claro que Mantega não toma decisões polêmicas por esporte. Há um motivo para que ele volta e meia solte balões de ensaio. E o motivo é que o governo precisa de dinheiro. Muito dinheiro. Nos primeiros oito meses do ano, os gastos federais subiram 12% em termos reais (descontada a inflação). Só as despesas com pessoal tiveram alta de quase 20% em relação ao mesmo período de 2008, para R$ 97,9 bilhões. Entre 2003 e 2009, foram acrescentados 57.100 servidores à folha de pagamentos do governo federal e mais 14.400 novas vagas poderão ser abertas até o final do ano que vem. O pacote de benefícios acertado pelo governo com as centrais sindicais deverá elevar as despesas da Previdência Social de 7,5% do PIB em 2011 para 9,4% do PIB em 2023, já considerando o crescimento econômico do período. O peso da dívida pública no PIB também está aumentando. A carga tributária, hoje de quase 40% do PIB, já está no limite máximo. As empresas e os cidadãos já não aceitam mais a elevação dos impostos. Ao mesmo tempo, o governo fez desonerações fiscais que somam R$ 25 bilhões e ainda repassou recursos a prefeituras para compensar perdas na receita. Até agosto a arrecadação federal caiu 7,5% em relação ao mesmo mês do ano passado. O nível dos investimentos também está abaixo do esperado. Desde o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no início de 2007, foram desembolsados R$ 338 bilhões, o equivalente a 53% do total previsto para ser gasto até 2010. Parte do desequilíbrio registrado nos últimos tempos se deve aos efeitos da crise global e às medidas de estímulo fiscal adotadas pelo governo para incentivar a atividade econômica. Mas muitos dos gastos que levaram ao déficit nas contas públicas do país têm pouco a ver com as medidas anticrise. Na hora de administrar seu orçamento, qualquer brasileiro sabe que, se gastar mais do que ganha, vai precisar se endividar e, no fim das contas, será obrigado a cortar despesas. Como o governo se recusa a fazer isso, e boa parte dele rejeita a elevação das taxas de juros, o ministro da Fazenda acaba sendo pressionado a tentar as mais diversas soluções alternativas. A maior parte delas tem uma única lógica: tirar mais um pouquinho de dinheiro dos cidadãos para sustentar a máquina do governo. Se colar, colou.
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