domingo, 18 de outubro de 2009

Comunicações

17/10/2009

Virgílio Freire : "É preciso reestatizar a Telefônica "

consultor em telecomunicações

por Hugo Cilo (IstoÉ Dinheiro)

Edu Lopes

Ele não é petista, socialista, chavista ou adepto de qualquer outro "ismo" ligado à esquerda. Ao contrário, foi um dos principais executivos do Brasil em telecomunicações, no período pós-privatização.

Esse é Virgílio Freire, um consultor de 64 anos, que já presidiu companhias como a Lucent, subsidiária da AT&T, e a Vésper, a empresa-espelho na região de São Paulo. Hoje, ele prega algo que soa quase como uma heresia: a reestatização do setor, em especial da Telefônica.

E explica: "As empresas estão mais preocupadas com o lucro do que com a qualidade dos serviços." Ele ainda questiona o investimento de R$ 2 bilhões anunciado pela empresa na reformulação do Speedy. "Não estão comprando nenhum equipamento", afirma.

DINHEIRO - Por que o sr. passou a defender a reestatização das telecomunicações?
VIRGíLIO FREIRE
- A questão vai além de ser estatal ou privado. Não sou petista ou qualquer outro rótulo que queiram me dar. O problema da telefonia no Brasil está na concentração de mercado. Hoje, um pequeno grupo de empresários detém a maior fatia da telefonia fixa. Isso é ruim para o País e péssimo para o consumidor. Eles estão mais preocupados com o lucro do que com a qualidade dos serviços. As decisões são sempre tomadas de acordo com os interesses dos sócios. A volta do Estado funcionaria como um regulador, assim como ocorre no setor bancário, com o Banco do Brasil e a Caixa

DINHEIRO - Seu alvo é a Telefônica, em São Paulo?
FREIRE
- É a maior empresa e a que presta o pior serviço. Há muitos anos é a líder de reclamações no Procon. Dentro do contrato de concessão, assinado quando a Telesp foi privatizada, há cláusulas que preveem a retomada da empresa pelo Estado. Então, o governo pode pedir a empresa de volta. A telefonia, sem dúvida, precisa voltar para as mãos do Estado.

DINHEIRO - Estatizar ao estilo do venezuelano Hugo Chávez?
FREIRE
- Não. Sei que a proposta de reestatizar uma empresa soa agressiva, radical. Ninguém vai rasgar contrato ou expulsar um grupo privado, como acontece na Venezuela. É exatamente o contrário. Trata-se de fazer cumprir o contrato, defender o consumidor e adotar medidas legais cabíveis em caso de descumprimento das regras. E a reestatização não é a apropriação indevida. É só pagar à Telefônica o valor que a empresa vale.

DINHEIRO - A regulação não é papel da Agência Nacional de Telecomunicações?
FREIRE
- Seria, mas a Anatel não cumpre seu dever. Caberia a ela zelar pelos interesses dos consumidores, mas ela se preocupa mais em atender aos interesses políticos do governo e agradar a grupos de empresários. É um órgão absolutamente ausente, passivo e negligente na defesa dos consumidores. Alguém duvida disso? É inoperante, ineficiente e incapaz...

DINHEIRO - Mas recentemente a Telefônica foi multada em quase R$ 2 bilhões e o Speedy teve sua venda proibida. Não foi uma resposta do governo?
FREIRE
- No caso da suspensão do Speedy, foi uma decisão defasada. A Telefônica vendia um serviço que não funcionava, instável e de péssima qualidade. No caso da multa, é uma piada, no mínimo. A Anatel divulga multas milionárias, mas os valores nunca são cobrados. Ou seja, é só para enganar a opinião pública. Até hoje a Telefônica não pagou um real sequer em multas para a Anatel. É por isso que as operadoras não estão nem aí para a Anatel. As empresas devem rir da Anatel quando essas punições são divulgadas. Por mais que o presidente da agência tenha boas intenções, o órgão que ele dirige não funciona.


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    DINHEIRO - Logo depois da multa, a Telefônica entregou à Anatel um plano emergencial de melhoria dos serviços e lançou um programa de modernização de mais de R$ 2 bilhões. Isso não basta?

    FREIRE - Esse plano de investimentos é, no mínimo, propaganda institucional. Não existe de fato. Desafio qualquer um a apresentar um pedido de compra de equipamentos feito pela Telefônica. A Associação de Engenharia de Telecomunicação entrou em contato com todos os fornecedores no País, todos mesmo, de componentes para telecomunicações para saber para onde estavam indo os investimentos de R$ 2 bilhões anunciados pela Telefônica. Consultaram Alcatel-Lucent, Motorola, Siemens, Nokia, Huawei e todas as outras. Para nossa surpresa, até hoje não existe nenhum pedido ou compra de equipamento. Então, podemos concluir que isso é uma falácia.

    DINHEIRO - A Telefônica tem capital aberto e é fiscalizada aqui e na Espanha. Como é possível?

    FREIRE - Bom, vamos fazer uma análise do balanço divulgado pela Telefônica no ano passado. Daí, cada um tira a conclusão que quiser. A empresa informou que investiu R$ 2,3 bilhões em 2008. Desse total, R$ 459 milhões foram para desenvolvimento de sistemas, que nada mais é do que atualização de softwares, um valor dez vezes maior do que um grande contrato de TI. Totalmente desproporcional. Também divulgaram investimento de R$ 471,8 milhões em aquisição de equipamentos de assinante. Ou seja, modem para internet e aparelhos telefônicos. O preço mais alto desses aparelhos é R$ 100. Se a gente dividir R$ 471,8 por R$ 100, chegamos à seguinte conclusão: a Telefônica comprou 4,7 milhões de aparelhos em 12 meses. Muito estranho, não? A empresa possui hoje 13 milhões de linhas.

    DINHEIRO - O balanço foi auditado por uma consultoria independente.
    FREIRE
    - Prefiro não comentar sobre a reputação da Ernst&Young.

    DINHEIRO - Como o sr. avalia a telefonia celular? É melhor do que a fixa?
    FREIRE -
    Não é monopolista, mas é muito ruim por falta de pulso firme da Anatel. As empresas estão mais preocupadas em remunerar os acionistas do que em investir de forma a prestar um serviço de qualidade à população.

    DINHEIRO - A própria competição entre as empresas não equaciona esse problema?
    FREIRE
    - Um aspecto interessante sobre esta excessiva competição na área de celulares é que, por incrível que pareça, as operadoras não estão bem de lucros. A razão é simples. Elas acham que market share é quanto do número de assinantes ou clientes cada uma tem. Na verdade, 80% de todos as linhas celulares no Brasil são pré-pagas, que geram por mês uma receita que não chega nem à metade do que gera um pós-pago. Elas se concentram em vender, vender, e os pré-pagos quase não fazem ligações. São usados para receber, e consequentemente, não geram receita.

    DINHEIRO - A estratégia está errada?
    FREIRE
    - É uma estratégia suicida. Se eu fosse presidente de uma operadora de celular, iria concentrar esforços em vender a quem gera receita, os pós-pagos. Iria criar novos serviços. Iria paparicar meu cliente

    DINHEIRO - Isso custa caro.
    FREIRE
    - Já notou como a publicidade de todas as operadoras de celular é igual? E, sem sentido, do tipo "vocês sem limites". Um slogan vazio. Se eu dirigisse uma operadora de celular, criaria um excelente atendimento ao cliente, sem terceirizar.

    DINHEIRO - A terceirização é um problema?
    FREIRE -
    Terceirizar qualquer função de contato com o cliente é suicídio. Você já notou que nenhuma empresa aérea terceiriza aeromoças?

    DINHEIRO - A Telesp, onde o sr. já foi diretor, e a Vésper não tinham atendimento bom.
    FREIRE
    - Muito melhor do que o atendimento de hoje. Foi com essa filosofia que criei a Vésper.

    DINHEIRO - Então, por que a empresa não deu certo?
    FREIRE
    - Porque os acionistas brigaram. A Bell Canadá, principal acionista, resolveu sair do Brasil e parar de investir na Vésper. Assim, cortou mais de US$ 2 bilhões de investimentos.

    DINHEIRO - Na maioria dos países, o Estado não compete no setor de telefonia e as coisas funcionam bem. O que acontece lá?
    FREIRE -
    Como se vê, não há como escapar do papel fiscalizador e protetor do consumidor que o Estado deve assumir. Na pátria do capitalismo, os Estados Unidos, tudo o que disse até agora é executado com competência pela Anatel deles, o Federal Communications Commision, que é todo ocupado por profissionais que têm anos de experiência. O FCC foi o modelo para a Anatel, mas nossa agência desde o início foi uma caricatura, não uma cópia benfeita.

    DINHEIRO - Apesar das falhas, a Anatel tem tentado mudar. Concorda?
    FREIRE
    - A agência não sabe trabalhar. Vou dar um exemplo simples de como a Anatel funciona de forma burra. A fim de promover a competição, a agência inventou uma coisa que existe em nenhum outro país do mundo. Inventou a discagem da operadora de longa distância a cada chamada. Isso nos força a discar 13 dígitos a cada chamada interurbana. Gastou-se uma fortuna para adaptar as centrais para isso, quando bastava ter copiado o que os Estados Unidos fazem. Lá, você faz assinatura com uma operadora de longa distância e pronto.

    DINHEIRO - Isso pode ser mudado, não?
    FREIRE
    - A Anatel não entende de satisfação do cliente. No caso dos Estados Unidos, a competição é até mais eficaz porque a operadora de longa distância que você contratou não quer perdê-lo

    DINHEIRO - Afinal, qual a solução para o setor de telefonia no Brasil?
    FREIRE -
    Caímos de novo na atuação do Estado, da Anatel, que deveria ter gente capaz de avaliar as operadoras por dentro.

    DINHEIRO - Quem garante que a estatização será o fim dos problemas?
    FREIRE -
    Não há garantias, mas é a alternativa mais sensata.

    DINHEIRO - Sua ofensiva contra a Telefônica não prejudica seu futuro profissional?
    FREIRE -
    Não me preocupo com isso. Hoje sou consultor de empresas internacionais de telefonia. Meu ganha-pão não está no Brasil. Por isso, tenho independência para falar.

Um comentário:

  1. Não é apenas a "Telefónica" que presta um péssimo serviço. A Oi, que está abarcando o país inteiro, também está apenas preocupada com o lucro em detrimento dos clientes. Veja o artigo que eu escrevi sobre o assunto: http://vivenciandoti.blogspot.com/2009/10/telerj-se-espalha-pelo-pais-usando.html

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