quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Fraude no ENEM


Empresas pertencentes ao consórcio responsável pelo exame têm um histórico de confusões que deveria ter sido considerado pelo MEC
Por Said Dib

O exame de Ensino Médio - ENEM, que seria realizado neste fim de semana, foi cancelado após suspeitas de vazamento de questões, deixando frustrados os 4,1 milhões de estudantes que se inscreveram. Agora há pouco o ministro Fernando Haddad teve que fazer um pronunciamento em rede nacional falando do assunto. As suspeitas de fraude ocorreram após um homem ter telefonado para o decadente e suspeitíssimo jornal "O Estado de S. Paulo". Ontem à tarde, o jornal teria sido procurado por um homem que teria dito, ao telefone, ter as duas provas que seriam aplicadas no sábado e no domingo. O jornal informa que o bandido "propôs entregá-las à reportagem em troca de R$ 500 mil". "Isto aqui é muito sério, derruba o ministério", teria dito o homem. O Estado diz que “consultou rapidamente o material, para checar sua veracidade, sem se comprometer com a compra”. Segundo o jornal, Haddad confirmou o vazamento ao consultar técnicos do Inep, órgão do ministério responsável pelo Enem. A comprovação da fraude se baseou em elementos repassados ao ministro pela reportagem, via telefone e e-mail. As questões originais estavam guardadas em um cofre, que foi aberto ontem à noite para confirmar a informação. Nas provas do exame havia questões com o poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, uma tirinha da personagem argentina Mafalda e um exercício sobre índices de desmatamento na Amazônia.

CONSULTEC

O ministro da Educação, ao longo de todo o dia de hoje, adotou medidas importantes com relação à apuração do crime, a orientação aos alunos e a manutenção do exame, mas foi evasivo com relação ao consórcio responsável pelo exame. A liderança do consórcio é de responsabilidade de uma empresa bahiana, a Consultoria em Projetos Educacionais e Concursos (Consultec). Formado ainda pelo Instituto Cetros, de São Paulo, e pela FUNRio, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Consórcio Nacional de Avaliação e Seleção (CONNASEL) foi escolhido através de licitação pública para cuidar de toda a parte operacional de aplicação da prova do Enem. Todas as etapas da seleção estão sob a sua responsabilidade, com exceção das inscrições e da elaboração das questões das provas, ambas realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão vinculado ao Ministério da Educação.
Mas o ministro chegou a dizer: "o Inpe vai passar em revista todos os procedimentos junto ao consórcio vencedor da licitação e a empresa foi chamada a Brasília". E acabou afirmando que, mesmo com a lambança toda, o consórcio de empresas continuará à frente da seleção, "até porque foi o único participante da licitação".
Para o jornal bahiano “A Tarde”, a professora Itana Marques, sócia-diretora da Consultec, disse, no dia 26 de setembro, que a dimensão da prova foi um dos grandes desafios do trabalho: “O consórcio teve exatamente esse objetivo, de conseguir dar conta do vasto território e das várias áreas de conhecimento exigidas em um projeto como esse”. Segundo ainda a professora, por ser a líder do CONNASEL, a Consultec é responsável por tudo que aconteceu, pois afirma que a empresa é a responsável por manter os contratos formais com o INEP e interagir com o público, além de coordenar todos os processos. “O INEP abriu as inscrições e nos passou o banco de dados. A partir daí, nos organizamos para cumprir todas as etapas da seleção, incluindo a impressão, emalotamento, distribuição, confecção de cartões dos candidatos, aplicação e processamento dos resultados”, detalha.
Mas o curioso dessa história toda é que o MEC permita que pelo menos duas empresas, que pertencem ao consórcio, não tenham um histórico dos mais limpos quando o assunto é trapalhada na organização de seleções públicas. A Consultec foi suspeita de fraude no processo seletivo da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) em dezembro de 2008. Na ocasião, recebeu uma denúncia anônima de que candidatos já tinham conhecimento prévio do conteúdo das provas. O vestibular foi adiado para fevereiro deste ano e o caso continua em investigação, mas a diretora, na entrevista ao jornal “A Tarde”, tentava minimizar: “Se ainda houvesse suspeita sobre a nossa credibilidade, não teríamos sido aceitos na licitação do MEC”, afirma. Deu no que deu...

FUNRIO

Já a Fundação de Apoio à Pesquisa, Ensino e Assistência (Funrio), no dia 06 de setembro, já havia pisado na bola no concurso do Ministério da Justiça para a seleção de 450 servidores. A seleção virou caso de polícia. O nome de candidatos não estava na listagem da fundação, nem nas salas onde deveriam ser realizadas as provas. Exames que deveriam ter sido entregues lacrados estavam violados. Houve denúncia de entrega de prova, pela manhã, da avaliação que seria feita à tarde.
Na Universidade do Distrito Federal (UDF), aqui em Brasília, um grupo de cerca de 100 candidatos estava furioso e ameaçou impedir a aplicação das provas em várias salas da faculdade. Eles chamaram a Polícia Federal e a Polícia Militar e denunciaram irregularidades no concurso. As provas foram anuladas e remarcadas, mas os problemas dos 59 mil candidatos até hoje não foram resolvidos. Os que desistiram de participar de nova seleção até hoje não receberam de volta o dinheiro das taxas de inscrições.
E com a atual trapalhada envolvendo o ENEM, o secretário executivo da FunRio, Azor José de Lima, em entrevista ao "Estadão", tenta mistificar o problema e tirar o seu da reta. Ele afirmou que o vazamento do conteúdo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teria conotação política e seria uma tentativa de desestabilizar o ministro da Educação, Fernando Haddad.
"Para mim queriam desestabilizar o ministério porque não faz sentido vazar o conteúdo do Enem. Se fosse um concurso para cargos com salários altos, como muitos que fazemos aqui, poderia haver uma razão comercial, mas vazaram para a imprensa. Queriam melar o concurso. Só pode ter sido por razões políticas", disse ele, em frente à pequena sala onde funciona a empresa.
Lima disse que o vazamento das questões das provas dificilmente deve-se a uma falha do consórcio, que é responsável pela logística e aplicação do Enem. "É praticamente impossível vazar de dentro da gráfica, onde tudo é gravado por câmeras de segurança 24 horas por dia".
"É mais fácil que tenha sido no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) porque houve contato de mais de um funcionário com os exames", afirmou. Além disso, prossegue Lima, como o consórcio não tinha a atribuição de elaborar as provas, não teve contato com o seu conteúdo. "Nos concursos onde elaboramos as questões há um responsável que acompanha e fiscaliza o trabalho na gráfica. Imagino que esse trabalho tenha sido acompanhado por alguém do Inep", disse ele.
Segundo Lima, após a impressão, as provas saíram lacradas, foram colocadas em carros-fortes e transportadas em aviões sob forte esquema de segurança. Após a impressão na gráfica, nenhum funcionário teria tido contato com o conteúdo do exame e qualquer violação do lacre seria detectada pela fiscalização.
"O Inep era o responsável pela organização das inscrições e alocação dos candidatos. O consórcio é responsável pela logística, ou seja, organizamos o transporte, distribuição e aplicação das provas". Segundo ele, já existe uma segunda prova pronta, o que faz com que um novo exame possa ser realizado em breve.

Diante de tudo isso, a pergunta que não quer calar: como o MEC contrata um consórcio, num licitação sem concorrência, com duas empresas com um histórico desses? Qual a razão de Fenando Haddad ter aceitado uma situação dessas para um exame tão importante para os destinos das seleções para o ensino superior? Com a palavra o ministro...

Veja também:
Prova vaza e MEC decide cancelar o Enem
Na web, alunos lamentam e festejam cancelamento do Enem


Um comentário:

  1. Foi o PiG:

    http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/10/02/as-investigacoes-sobre-o-caso-enem/

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