Gilberto G. Pereira - Tribuna do Planalto
Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Santo Antonio do Descoberto, Novo Gama, Valparaíso de Goiás e Planaltina são seis cidades goianas que tiveram a sina de serem erguidas no entorno do Distrito Federal, e que agora são alvos de uma investida do próprio DF para incorporá-las ao seu território. Um dos argumentos da Codeplan, Companhia de Planejamento do DF, é que os vizinhos são carentes, sendo totalmente ignorados por Goiás, por estarem longe da capital.Mas de acordo com o geógrafo Tadeu Arrais, professor do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás (UFG), o discurso do presidente da Codeplan, Rogério Rosso, não passa de meras intenções. Segundo Arrais, especialista em territorialização, uma proposta desse nível descamba para o falso debate, porque não atinge a causa.A causa, aqui, seriam os problemas realmente enfrentados por essas cidades, de ordem ambiental, econômica, de desemprego e de falta de segurança pública, junto com o inchaço cada vez maior, em função da aproximação com Brasília. Realidade esta que Rosso não nega, pelo contrário, se embasa nela para defender seu projeto.Por meio de reportagens e artigos publicados na imprensa local, Rosso dispara uma série de argumentos para sustentar sua intenção. Segundo ele, o DF é a única solução de sobrevivência para os moradores do entorno, e por isso mesmo cerca de 300 mil pessoas vão até Brasília todos os dias para trabalhar, estudar, se divertir, usar os serviços de saúde pública, e depois voltam para seus dormitórios. As seis cidades juntas contam com mais de meio milhão de habitantes e um PIB de R$ 2 bilhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Outro argumento de Rosso é de que a criação da Região Integrada de Desenvolvimento do Entorno (Ride), em 1998, que deveria dar conta de investimentos de infra-estrutura nesses municípios, não adiantou em nada e o DF é que acabou tendo de arcar com o ônus da aproximação. Segundo ele, se as cidades fossem incorporadas, elas mesmas é que sairiam ganhando.Outra vez, Arrais lembra que não é bem assim. Segundo o geógrafo, o DF abocanha cerca de 75% do gasto público governamental do governo federal destinado à região Centro-Oeste. Ou seja, apenas 25% dessa verba ficam para os governos de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. “Brasília drena a verba que poderia ser maior para os outros estados gastarem com seus municípios”, diz o professor.DevaneioSegundo o geógrafo, é claro que isso não quer dizer que Goiás realmente faria alguma coisa pelas cidades cuja população até se simpatiza com o namorico do DF. Mas também não configura ônus tão pesado assim para Brasília, já que seu governo pode muito bem destinar parte dessa verba para solucionar problemas alegados, na política da boa vizinhança.De acordo com o gerente de Integração de Políticas Públicas da Agência Goiana de Desenvolvimento Regional (AGDR), Jorge Robson, a ideia de incorporação é um delírio. “Não é a solução para nada. Se o Distrito Federal estivesse mesmo tão preocupado com a situação destas cidades, deveria dividir a verba que recebe do governo federal, que é em torno de R$ 1 bilhão por mês”, diz. Segundo Robson, se parte dessa verba fosse investida nas cidades do entorno não seria exatamente um favor a elas, uma vez que o dinheiro é federal e não fruto da produção interna do DF. “O problema das cidades que beiram essa linha divisória vem de Brasília mesmo”, diz Robson. “O custo de vida na capital federal é muito alto, ninguém consegue ficar lá. Os imigrantes chegam à cidade para trabalhar e acabam sendo excluídos, tendo de ir morar aonde podem, ou seja, no entorno”, conclui.Outro que cita o projeto da Codeplan como delírio é o senador Demóstenes Torres. Segundo ele, o principal motivo para essa ideia não ir adiante é o fato de ser preciso mudar a Constituição. Não há respaldo jurídico para a realização de um projeto como esse”, diz o senador.O deputado federal Marcelo Melo diminuiu em partes o tom da crítica, mas também falou sobre o assunto. “Não acho que seja delírio, mas é basicamente impossível ir adiante com uma proposta assim, simplesmente porque a Constituição não permite.” Para Melo, Rosso quer apenas criar um factoide em função de outro projeto, o de se candidatar a deputado distrital em 2010. “Ele quer projeção e aí envereda por esse caminho”, comenta.Rosso combate as críticas fazendo um paralelo histórico com os ideais de Juscelino Kubitscheck, que, na década de 1950, foi humilhado, xingado, vituperado quando propôs construir Brasília. “Ser cético faz parte das relações políticas. Mas delírio mesmo é a ausência do Estado de Goiás no dia a dia dessa população”, diz o presidente da Codeplan.A expectativa de Rosso é que daqui a dois anos o projeto já tenha sido tramitado no Congresso Nacional. Isso porque, segundo ele, a proposta já foi protocolada diretamente junto à presidência da Comissão de Constituição e Justiça. “Estamos construindo a proposta juridicamente, e assim que for identificado o instrumento legal com o qual poderemos trabalhar, vamos iniciar as articulações”, diz.Segundo a imprensa local de Brasília, alguns moradores estão animados com a possibilidade de virar candangos. Pela lógica dos fatos, o mesmo não se pode dizer dos prefeitos. Isso porque, caso o projeto de Rosso dê certo e as cidades do entorno se tornem território do DF, não existirão mais prefeitos ali.De acordo com o artigo 32 da Constituição, “O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica”, ou seja, não há prefeitos nas cidades dentro de seu território.
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