sábado, 10 de outubro de 2009

A falência do dólar...

"Acabem com a Reserva Federal"
Geraldo Luís Lino*

Quase sem ser mencionada na mídia, tanto nos EUA como no exterior, uma luta que poderá ser decisiva se trava nos bastidores do poder financeiro internacional. Em jogo, nada menos que a independência - e, talvez, a própria existência - do todo-poderoso Sistema da Reserva Federal, o templo do sistema de bancos centrais independentes controlados por capitais privados que vem sendo a coluna vertebral da hegemonia financeira do Establishment anglo-americano desde a fundação do Banco da Inglaterra, no final do século XVII, em um processo herdado em linha direta pela Reserva Federal após a sua criação, em 1913. Embora tenha havido contestações anteriores ao privilégio do "Fed" de emitir a moeda de curso legal no país (originalmente conferida ao Congresso pela Constituição), esta é a primeira investida que está realmente preocupando os altos círculos de poder, tanto pelo calibre dos líderes da investida, como pelo fato de que, a despeito da pouca repercussão do caso na grande mídia, ele é sucesso de audiência em blogs e sítios investigativos da Internet.
Embora poucos tenham conhecimento do fato, mesmo nos próprios EUA, o "Fed" só é federal no nome, pois trata-se de um consórcio de bancos privados que atua com independência quase total da estrutura institucional do Estado, jamais tendo sido alvo de uma auditoria completa. Apesar de o seu presidente ser indicado pelo presidente da República e referendado pelo Senado, as diretorias das 12 seções regionais da Reserva Federal, que controlam igual número de distritos bancários em que o país é dividido, são majoritariamente nomeadas pelos bancos que integram o sistema. Em quase um século de história, apenas dois presidentes estadunidenses tiveram a coragem política de interferir no "Fed" ou contrariar as suas diretrizes monetárias: Franklin Roosevelt, que nomeou o industrial e banqueiro Marriner Eccles para presidir o banco de uma forma compatível com as políticas de reconstrução econômica do New Deal; e John Kennedy, que, em 1963, determinou por uma Ordem Executiva que o Departamento do Tesouro emitisse 4,2 bilhões de dólares para emprego em programas diversos, sem ter que contrair dívida pública para isso (após o seu assassinato, em novembro, uma das primeiras providências do presidente Lyndon Johnson foi mandar recolher as cédulas emitidas).
Em fevereiro último, o deputado federal texano Ron Paul, que foi pré-candidato presidencial pelo Partido Republicano na eleição de 2008, apresentou um projeto de lei (H.R. 1207) que determina uma auditoria completa da Reserva Federal por uma agência governamental independente, o Gabinete do Controlador Geral (GAO), órgão análogo ao Tribunal de Contas da União (TCU) brasileiro. Até agora, o projeto obteve o apoio de 282 deputados e a sua tramitação está sendo alvo de uma intensa contra-ofensiva do "Fed", tendo o presidente Ben Bernanke afirmado repetidas vezes que a iniciativa poderá prejudicar a "independência" da entidade e gerar pressões "inflacionárias".
Leia o artigo completo...

    As queixas em forma de ameaça de Bernanke lembram o desafio de Winston Churchill, na II Guerra Mundial, confrontado com as críticas anticolonialistas de Franklin Roosevelt, replicando que não fora eleito para presidir ao desmantelamento do Império Britânico.
    Em junho, o banco contratou a lobista profissional Linda Robinson, que trabalhou para a fraudulentamente falida empresa energética Enron, para atuar diretamente no Congresso contra a proposta.
    Em paralelo com a iniciativa, Ron Paul escreveu um livro com o auto-explicativo título "Acabem com o Fed" (End the Fed), que deverá ser lançado nas próximas semanas e promete virar um best-seller instantâneo, pois, pela primeira vez, um grande número de estadunidenses toma conhecimento da verdadeira natureza do seu banco central "independente".
    A outra pinça da investida é o processo movido contra a Reserva Federal pela agência Bloomberg, em novembro último, pelo fato de o banco ter se recusado a detalhar, nos termos da Lei de Liberdade de Informação, as instituições financeiras que receberam os cerca de 2 trilhões de dólares de injeções de capital diretas da entidade desde o início da crise financeira. A agência alega ser ilegal a recusa do conselho de governadores do "Fed" de divulgar a relação dos bancos beneficiados.
    A argumentação do banco foi, precisamente, a de que, como uma entidade privada, a Reserva Federal de Nova York (cabeça do sistema) estaria isenta dos termos da Lei de Liberdade de Informações. Em 24 de agosto, a juíza federal Loretta A. Preska determinou que o conselho de governadores do banco tornasse públicas as informações solicitadas até 31 de agosto. No dia 26, o banco recorreu, pedindo à juíza que reconsiderasse a decisão, sob o inacreditável argumento de que ela seria "prejudicial ao sistema bancário". Ainda mais incrível foi a afirmativa de que o conselho de governadores "não controla o sistema de registros em Nova York" e, por isso, não poderia descobrir todos os destinos do dinheiro em tempo hábil. O desfecho do caso ainda está pendente.
    A maioria dos comentaristas acredita que, se a Câmara dos Deputados aprovar o projeto de Ron Paul e o Senado fizer o mesmo com o projeto paralelo que corre na casa, ambos serão vetados pelo presidente Barack Obama, que até agora não demonstrou a menor disposição de confrontar a alta finança e os seus "privilégios adquiridos". Não obstante, o gênio saiu da garrafa e, cedo ou tarde, uma opinião pública cada vez mais consciente e ativa poderá criar um ambiente favorável a uma nova investida ao centro do poder financeiro estadunidense e internacional. As velhas e encarquilhadas estruturas do poder hegemônico resistem a morrer, mas não lhes será fácil resistir aos ventos de renovação que começam a soprar com mais força.

    Geraldo Luís Lino é geólogo

Nenhum comentário:

Postar um comentário