segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Manuel Cambeses Jr.

Estado e modernidade

Em 1802 o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel escreveu um dos livros mais importantes do século XIX: a Constituição Alemã. Nele, fazia um chamado à formação de um Estado unitário alemão como requisito indispensável para que os germânicos adentrassem nos tempos modernos. Naquela época, entretanto, a Alemanha se achava dividida em reinos, principados, ducados, territórios eclesiásticos e entidades autônomas dos mais variados matizes. Dentro dela, Áustria e Prússia não somente haviam se convertido em duas forças dominantes assim como eram os únicos territórios que encarnavam verdadeiros Estados no sentido moderno. Em sua obra, Hegel fazia referência ao princípio de organização feudal que prevalecia na Alemanha e que reconhecia e garantia a cada um de seus integrantes o direito de livre arbítrio. Se tratava, efetivamente, de um direito definido por todos e assentado na chamada "liberdade alemã". Para Hegel, esta "liberdade" que servia de base à desunião, não passava de um anacronismo que mantinha a Alemanha de costas para a história. Isto submetia os alemães a uma manifesta condição de atraso frente aos grandes Estados nacionais da Europa, como França e Inglaterra. Hegel formulava um vigoroso chamado à conformação de um verdadeiro Estado alemão. Tiveram que passar várias décadas, entretanto, para que isso se transformasse em realidade. Foi em 1871 que essa aspiração unitária se consolidou com a criação do moderno Estado germânico. Também na Itália começou, a partir de 1815, um movimento a favor da unificação do país, ao qual, semelhante à Alemanha, se encontrava dividida em múltiplos reinos, principados e ducados, bem como em um Estado papal. Este movimento que ficou conhecido como o "Ressurgimento", teve como seu maior expoente intelectual o célebre Giuseppe Mazzini.
Este, diferentemente de Hegel, que escrevia suas obras em um alemão comum a todos os alemães, utilizou o idioma francês para escrever o seu trabalho literário. A razão disto é que havia tantos dialetos e variações do idioma italiano, que não existia uma linguagem que fosse comum a todos. Após longos anos de conspirações e combates, o novo Estado italiano pode tornar-se realidade, em 1861. Desta maneira, os italianos conseguiram emergir da Idade Média para adentrarem-se nas filas da modernidade. Foi a partir da conformação desse Estado unitário que pode surgir também uma outra nova criação: uma linguagem comum a todos os italianos. Quando homens talentosos como Friedrich Hegel, Giuseppe Mazzini, Otto Von Bismarck, ou Giuseppe Garibaldi lutaram pela conformação de Estados unitários, estavam convencidos de que a força da história os acompanhavam. Estavam convictos de que ao banir as divisões territoriais e autônomas, herdadas da Idade Média, ingressariam nos novos tempos e se adaptariam às exigências do futuro. Poderiam eles imaginar que no alvorecer do século XXI, a modernidade se identificaria com os fracionamentos, as divisões territoriais, as autonomias desatadas e a proliferação de diversas linguagens no interior de vários Estados? (...)


Manuel Cambeses Júnior é Coronel-aviador; membro emérito do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e conselheiro do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
E-mail: mcambeses@yahoo.com.br

Veja também:

A dinâmica do processo civilizatório

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