A manchete de capa da Folha de São Paulo de ontem (“‘Despesa com reservas bate gasto com obras’ ”) confirma denúncia histórica, já feita nos últimos anos pela “Auditoria Cidadã da Dívida”: a grande elevação da dívida interna, feita para comprar os dólares das reservas internacionais. Estas reservas atingiram US$ 287 bilhões, e são compradas pelo governo com títulos da dívida interna, que paga os juros mais altos do mundo, razão pela qual o jornal diz:
“De 2003 a 2009, manter as reservas exigiu R$ 136,2 bilhões, R$ 3,5 bilhões mais que o dinheiro destinado a estradas, hospitais e escolas.”
Enquanto se gasta sem limite com a dívida, os gastos sociais podem ser limitados, por meio de algumas medidas que podem ser tomadas pela futura Presidente Dilma na área econômica, conforme antecipam alguns meios de imprensa. Enquanto o jornal O Globo (“As reformas - Panorama Político - Ilimar Franco”) mostra que podem ser realizadas as Reformas da Previdência e Trabalhista (para os novos trabalhadores) e aprovada a nova CPMF, a revista Istoé Dinheiro mostra que poderá ser estabelecido um limite para os gastos sociais em relação ao PIB, conforme defende o atual secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa e o coordenador da Campanha de Dilma, Antônio Pallocci (“A Fazenda de Dilma”).
Cabe comentar que estas medidas visam impedir a necessária expansão dos gastos sociais, para que os gastos com a dívida permaneçam sem limite.
Uma forma de o governo federal obter recursos para pagar esta crescente dívida é o recebimento dos juros e amortizações das dívidas dos estados com a União, cujo índice de reajuste (o IGP-DI) gerou custo excessivo aos estados, conforme reconheceu o próprio Relatório Final da CPI da Dívida na Câmara dos Deputados. Neste sentido, a Folha Online mostra que o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, “tentará capitanear um movimento para retomar a discussão sobre a renegociação das dívidas dos Estados com a União.” (“Alckmin tenta retomar discussão sobre renegociação das dívidas dos Estados com União”) Portanto, mais um exemplo de como o tema da dívida, apesar de ignorado por muitos no período eleitoral, acaba voltando à pauta.
Porém, ao invés de defender a auditoria e a revisão dos saldos desta dívida (devolvendo-se aos Estados os valores pagos a mais), Alckmin apenas defende a mudança dos juros e do índice – somente a partir de agora - e o aumento do prazo para pagamento.
Enquanto é implacável na cobrança das questionáveis dívidas dos estados – prejudicando a prestação de serviços como saúde e educação – o governo federal não mostra o mesmo empenho em cobrar as dívidas do BNDES (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social) com a União, decorrentes das recentes operações de empréstimos que implicaram em aumento brutal da dívida interna. A Medida Provisória 511, divulgada ontem, prevê que o governo poderá abater até R$ 20 bilhões da dívida que o BNDES deve à União, para que o Banco possa arcar com o não-recebimento de empréstimos feitos a empresas.
Ou seja: o governo federal faz nova dívida interna, pagando os juros mais altos do mundo, para poder financiar os empréstimos do BNDES às empresas (a juros bem mais baixos e a prazos bem mais longos), sendo que agora o Tesouro admite não receber de volta R$ 20 bilhões, que serão pagos, portanto, pelo povo. Mais uma ilegitimidade clara da dívida interna.
O Jornal Monitor Mercantil mostra que até mesmo a classe empresarial está reivindicando ao governo o estabelecimento de controles sobre o fluxo de capital que vem ao Brasil para ganhar com os maiores juros do mundo da dívida interna. O Presidente da CNI (Confederação Nacional da Industria) Robson Braga de Andrade defendeu medidas como a “quarentena”, ou seja, o impedimento às saída do capital estrangeiro por um determinado período. A grande entrada de dólares no país gera a desvalorização do dólar, prejudicando as exportações e barateando as importações, em prejuízo da industria nacional.
A recente decisão dos EUA de injetar na economia mais US$ 600 bilhões agravará este quadro, dado que boa parte destes dólares virá ao Brasil ganhar as maiores taxas de juros do mundo, mais a valorização do Real, conforme afirmou o próprio Presidente da CNI.
Nos últimos anos, o Banco Central tem comprado estes dólares e, apesar disso, a moeda americana se desvalorizou fortemente. Apenas o anúncio de tal injeção de US$ 600 bilhões pelos EUA já fez o dólar reverter a valorização ocorrida após as últimas medidas do governo para tentar impedir a queda da moeda americana.
A queda do dólar provoca grande prejuízo ao Banco Central, pelo fato deste carregar uma montanha cada vez maior de dólares que se desvalorizam frente ao real. E de acordo com a chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal”, não há limite para este prejuízo, que deve ser coberto pelo Tesouro, ou seja, pelo povo. Em 2009, esta conta chegou a R$ 147 bilhões, ou seja, o triplo de tudo que foi gasto com saúde pelo governo federal no ano passado.
Enquanto não há limite algum para os gastos que beneficiam o setor financeiro, o Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, trabalha para que o Orçamento para 2011 não aumente a previsão de gastos sociais, e assim “ajude” a gestão da Presidente Dilma. Conforme mostra o Jornal O Globo de sábado, o Ministro é contra qualquer aumento real do salário mínimo em 2011.
Já o Jornal Estado de São Paulo de domingo anuncia que o atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não deve permanecer no cargo, para que os juros possam baixar logo no início do mandato da Presidente Dilma (“Dilma deve tirar Meirelles do BC para reduzir juros logo no início do governo”). O resultado imediato desta notícia foi relatado pelo Portal G1 de hoje (“Incerteza política faz preço no mercado de juros futuros”), que mostrou o troco dos rentistas, aumentando os chamados "juros futuros", ou seja, simplesmente exigindo juros mais altos para comprar títulos da dívida interna.
Ou seja: conforme já comentado diversas vezes por esta seção, o volume monumental da dívida faz com que o governo tenha de, sistematicamente, ir ao mercado para tomar novos empréstimos para poder pagar os anteriores, tendo de aceitar os juros exigidos pelo mercado. Para alterar de fato esta situação, o governo precisa quebrar este círculo vicioso da dívida, por meio de uma auditoria que questione todo o seu estoque.
A notícia do Estado de São Paulo de domingo também diz que a área econômica do novo governo deve conter muitos integrantes “desenvolvimentistas”. Porém, a própria futura presidente garante: "Não serão pessoas que serão responsáveis por isso", afirmou, referindo-se ao tripé formado por metas de inflação, câmbio flutuante e contas equilibradas. "Sou eu a responsável. E como responsável, eu asseguro: seja quem esteja à frente do cargo, eu assegurarei no País a questão da estabilidade econômica."
Ou seja: conforme comentado em edições anteriores desta seção, mesmo que a equipe econômica seja “desenvolvimentista”, a manutenção dos pilares da atual política econômica (como o superávit primário e o regime de metas de inflação) impede as mudanças necessárias para o país.
Na realidade, parece se aprofundar a atual estratégia governamental, de procurar transmitir à sociedade e aos movimentos sociais a idéia de um aparente “desenvolvimentismo”, baseado em algumas medidas isoladas, mas que não ameaçam o eixo principal da política econômica: o privilégio aos rentistas, às custas do povo.
Veja também:
Bernardo: ordem é conter gastos para ajudar DilmaO Globo - 06 de Novembro de 2010
Empresários pedem controle de capitalMonitor Mercantil - 05/11/2010 - 21:11 .
Sair da crise?
Escravização: as cifras espantosas da dívida pública
Perdas com o serviço da dívida
Será que Dilma trará uma solução para o que acontece com a Previdência? Com a palavra a candidata...
Confira os impactos da dívida sobre todos os aspectos da nossa vida
Caso queira receber diariamente este material em seu correio eletrônico, envie mensagem para auditoriacidada@terra.com.br
Caso queira receber diariamente este material em seu correio eletrônico, envie mensagem para auditoriacidada@terra.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário