terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Blog do Said Dib conversa com Sarney

Sarney: "Pressão faz parte da democracia que ajudei a construir"

Falei hoje com o presidente do Senado. Tivemos uma conversa agradável, sem a correria do dia-a-dia. Sarney está feliz feito criança. E bastante disposto para 2010. Ele vem recebendo elogios importantes pelo andamento das reformas da instituição. Reconhecimento é sempre uma coisa importante. Não só dos aliados, como Lula e Dilma, mas também daqueles que, há bem pouco tempo, eram críticos contundentes, como o senador Pedro Simon e o colunista Ricardo Noblat, que durante a limpeza da Casa se revoltou contra Sarney por ter perdido as mamatas com sua rádio pessoal paga às custas do Senado. Depois que a Fundação Getúlio Vargas entregou as propostas de mudanças do Senado, cumprindo determinação de Sarney, Simon fez questão de felicitá-lo pelo trabalho até agora realizado. O senador gaúcho que, durante a crise, foi um dos maiores críticos de Sarney, declarou: "Eu acho que V. Exª deve estar feliz, porque recebe o respeito da Casa, independente das coisas que passaram, a Casa decidiu nesse sentido e ela é absolutamente soberana nessa questão". E reconheceu o grande esforço de Sarney no processo: "O senhor é mais moço do que eu, mas foi presidente da República e, pela terceira vez, o presidente do Senado. A imprensa coloca de uma maneira maldosa, que nós aqui terminamos em pizza, que não fizemos nada, não resolvemos nada, não fizemos coisa nenhuma. Mas o Senado, sob seu comando, enfrenta seus problemas e cumpre com o dever, ao contrário do que faz a Câmara Legislativa de Brasília, que entra em recesso quando recebe o pedido de impeachment do governador". No “Comitê de Imprensa”, da Agência Câmara, na semana passada, em debate sobre as relações do governo Lula com a imprensa, os convidados do programa, os jornalistas Rudolfo Lago e Evandro Paranaguá, que também exerceram suas críticas ao presidente do Senado, fizeram questão de elogiar a postura democrática de Sarney. Destacaram as relações do Planalto com a imprensa na Nova República, as condições de trabalho dos jornalistas que faziam a cobertura do governo, a convivência do presidente com os repórteres e o caráter eminentemente democrático do ex-presidente.

O sacrifício pela democracia e a tolerância com a imprensa

Sarney tem dito aos amigos que, depois do que aconteceu no meio do ano passado, o Senado está bem melhor. Acha que, por mais contraditório que possa parecer, a crise do Senado e todas as dificuldades enfrentadas, acabaram por lhe dar mais força para levar avante as mudanças necessárias. Mudanças que, faz questão de lembrar, já estavam em seu programa de ação em fevereiro de 2009, quando foi convocado pelo partido a concorrer à Presidência da Casa. Como democrata que é, avalia que, apesar dos exageros, dos ataques pessoais e dos desgastes sofridos, “sem as pressões da mídia não teria conseguido avançar tanto”. Acha que o sacrifício valeu a pena. Lembrando seu tempo na Presidência da República, comentou: “Na época também sofri grande pressão, foi muito desgastante. Pressão faz parte da democracia que ajudei a construir. Ataques vinham de todos os lados. Tive que administrar, com sacrifício pessoal, todos os conflitos com muita paciência; tive que aquentar ataques a mim e a minha família, tive que suportar acusações falsas e intrigas. A imprensa não dava trégua”. Perguntado sobre se essa situação não lhe incomodava, foi taxativo: “Eu jamais movi uma palha para calar a imprensa. Tinha, como tenho hoje, a convicção de que era justamente a total liberdade, tanto tempo sufocada, que iria me ajudar”. E justamente sobre “sacrifícios”, brincou, como sempre, lembrando o padre Antônio Vieira, que falando sobre o projeto divino que nos chega pelo grito dos necessitados e sacrificados, ensinava: "...não há lume de profecia mais certo no mundo que consultar as entranhas dos homens. E de todo homem? Não. Dos sacrificados. Se quereis profetizar o futuro, consultai as entranhas dos que se sacrificam e dos que se sacrificam para diminuir o sacrifício dos outros".
Os avanços na transparência da Casa

Sobre os avanços no processo de modernização do Senado, lembrou que, por sua determinação, as contas são hoje absolutamente transparentes e abertas aos cidadãos brasileiros. “Toda a contabilidade, os gastos dos senadores e tudo que possa interessar ao cidadão-contribuinte-eleitor, estão disponibilizados no portal do Senado”, afirmou. Sarney se refere ao “Novo Portal da Transparência”, criado por ele, onde se pode encontrar informações sobre a elaboração e execução das leis orçamentárias, as emendas parlamentares, as transferências para estados, municípios e entidades privadas, além do acesso aos boletins suplementares do Senado, aos suprimentos de fundos da instituição e o conhecimento detalhado sobre quem trabalha e que cargo ocupa na Casa. Sarney considera que esta é a consolidação dos seus esforços em dar maior transparência às informações públicas, luta que, segundo ele, vem desde quando, na Presidência da República, acabou com conta movimento do Banco do Brasil e criou o SIAFI.


O apoio do governo

Sarney fez questão de destacar, também, o apoio que recebeu do Palácio do Planalto durante a crise que enfrentou. Lembrou da preocupação do presidente Lula com a governabilidade e o bom andamento dos trabalhos do Congresso. E agradeceu a força que recebeu da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Em julho de 2009, em plena crise, a ministra, em discurso no Piauí, chegou a chamar de “golpe” o que estavam fazendo contra Sarney. Dilma, na oportunidade, havia elogiado o ex-presidente e advertido que a “demonização de Sarney” era uma tática da oposição para que os escândalos da Casa terminassem em “pizza”, se referindo à sucessivas mesas-diretoras que presidiram a instituição: “o governo discorda de forma taxativa é de se atribuir problemas estruturais que duram mais de 15 anos, e que envolvem grande número de pessoas, e atribuir o problema a uma única pessoa. Esse é o caminho mais curto para a pizza”. A ministra disse também que havia “interesses políticos” na queda de Sarney e que os adversários poderiam estar querendo dar “um golpe”: “Por trás de alguns há interesse político, já que querem ganhar no tapetão”. Kennedy Alencar, há duas semanas, entrevistou Alexandre Padilha, das relações institucionais, no programa "É Notícia", da Rede TV. Ao final da entrevista, Padilha, ao ser perguntado sobre o que achava do senador Sarney, fez questão de elogiar o ex-presidente e destacar a sua importância para o Amapá. Padilha assim o descreveu: “político extremamente experiente, brasileiro fantástico, que conhece literatura e com grande percepção do Brasil”. “Tem coisa que só um escritor como ele pode perceber”, comentou o ministro ao lembrar da luta do senador pela regularização fundiária do Amapá e de outras conquistas do estado. Em recente entrevista ao “Estadão”, Lula, do alto dos seus 80% de aprovação, mais uma vez defendeu Sarney com convicção: “o Sarney foi um homem de uma postura muito digna em todo esse episódio. Das acusações que vocês (o jornal) fizeram contra o Sarney, nenhuma se sustenta juridicamente e o tempo vai provar”.


O reconhecimento da Santa Sé

Mas Sarney está animado não apenas pelas conquistas políticas e administrativas de sua gestão na Presidência da Casa. Como católico fervoroso, não esconde de ninguém a felicidade com que recebeu a homenagem da Nunciatura Apostólica da Santa Sé em Brasília, no início do ano. No jantar oferecido pela Nunciatura, o núncio apostólico no Brasil, Dom Lorenzo Baldisseri, disse que "homenagear o senador José Sarney é percorrer, na sua eminente pessoa, um traço significativo de história contemporânea do Brasil." Baldisseri agradeceu, na oportunidade, a participação de Sarney na ratificação, pelo Congresso, do acordo entre o Brasil e a Santa Sé, concluído em 7 de outubro de 2009.

No mais, da "crise do Senado", graças à determinação do presidente Sarney, ainda bem para as instituições que só restou mesmo a imagem patética, mas até ingênua e cômica, do senador Suplicy colocando a "cuecão do Pânico na TV". A verdade é que o conciliador José Sarney merece esta e outra homenagens. Recebe o reconhecimento da Cruz e da Espada, do lado espiritual e do político. É um homem público com virtudes indispensáveis para se enfrentar crises: a capacidade de inovação, a paciência, o senso de justiça e a persistência. Virtudes que sempre o acompanharam como governador, deputado e senador pelo Maranhão, como presidente da República, como senador do Amapá por três mandatos consecutivos, como presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública superando desafios em fases importantes da República, sempre com tolerância. Talvez por isso, Sarney retorne agora aos trabalhos do Senado com aquele sorriso de menino de quase oitenta anos, satisfeitíssimo com a vida e sempre extremamente educado e paciente com todos os seus funcionários.

Said Barbosa Dib, historiador e analista político em Brasília

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