Algumas empresas propõem discriminar os dados que circulam na rede. Como isso pode afetar sua navegação
Bruno Ferrari
Um movimento do Google e da Verizon, uma das maiores operadoras de telecomunicações dos Estados Unidos, ameaça as regras fundamentais da internet. Na semana passada, as duas empresas enviaram à agência que regula o mercado americano de telecomunicações (FCC) uma proposta que mexe com um princípio vigente desde a criação da internet, conhecido tecnicamente como neutralidade de rede. Trata-se do acordo que obriga todas as empresas transmissoras de dados a tratar o conteúdo das outras sem qualquer distinção. Todo tipo de informação vídeo, áudio, e-mails, ligações do Skype ou páginas da web é tratado de forma igual pelas máquinas, independentemente da sobrecarga que gera na rede.
Diante da dificuldade para expandir as redes e acompanhar o crescimento na demanda por conteúdos cada vez mais pesados, grandes empresas, entre elas algumas operadoras brasileiras, propõem que esse princípio seja revisto. Elas alegam razões técnicas para mexer nas regras da internet. Mas seu interesse também é comercial. Na prática, o objetivo é criar uma regra simples: anda mais rápido o conteúdo de quem pagar mais. Seria como se fosse instituída uma espécie de pedágio, cobrado de quem deseja andar nas faixas mais livres da estrada da informação.
O documento do Google e da Verizon sugere que isso seja feito nas redes de internet móvel. As empresas propõem que os provedores possam filtrar ou até bloquear os dados que os internautas acessam. Até mesmo conteúdo legal poderia ser barrado, sob a condição de que os clientes fossem avisados. A justificativa apresentada são as características técnicas e operacionais das redes sem fio. Pela proposta, novos serviços de internet que venham a ser criados, como transmissão ao vivo de vídeo em 3-D, poderiam ser submetidos à discriminação arbitrária das operadoras. Será que esse tipo de proposta é boa para o internauta ou apenas para as empresas que vivem da transmissão de dados?
Sem a neutralidade, as empresas afirmam poder garantir a conexão para serviços essenciais, como sites da polícia ou bombeiros. Ou então dar preferência a serviços de voz, como o Skype, em detrimento de e-mail, que pode esperar até chegar ao destinatário. Mas elas também poderiam aproveitar a brecha legal e adotar táticas de concorrência desleal, como oferecer conexão mais rápida a serviços on-line que paguem por isso. Ou então prejudicar o tráfego de sites concorrentes (leia as ilustrações ao longo destas páginas).
É verdade que a demanda das operadoras se baseia em razões técnicas. Quem planejou a infraestrutura da internet, no início dos anos 90, não imaginava que ela ganharia tamanha proporção apenas 15 anos depois. Com o lançamento do iPhone, a operadora americana AT&T viu o consumo de banda larga crescer 5.000% em três anos. Para alguns, controlar o conteúdo que passa pela rede seria uma forma de garantir que a qualidade na conexão não sofra com o volume alto de uso. Os dispositivos que acessam a internet evoluíram num ritmo muito mais rápido do que a s infraestrutura, afirma Paulo Mattos, diretor de regulamentação da Oi.
Para alguns, controlar o conteúdo na rede seria uma forma de garantir a qualidade da conexão
Outro fator que afeta as operadoras é a desproporção de consumo entre os usuários. Na AT&T, 3% dos clientes usam 40% da capacidade da rede. Descobrimos uma mulher no Rio de Janeiro que usava um modem 3G para conectar uma lan house inteira, diz Roberto Lima, presidente da operadora Vivo. Especialistas preveem um colapso na rede da AT&T, parceira da Apple, com as vendas muito acima da expectativa do iPad 3G um alto consumidor de banda larga. No Brasil, a Vivo se viu obrigada a limitar em até 2 GB de consumo mensal a conexão de alta velocidade. A partir daí, a velocidade cai.
Além de motivos técnicos, as empresas de telecomunicações alegam razões de segurança. A operadora de TV paga e banda larga NET afirma que as empresas precisam discriminar o tipo de conteúdo transmitido para evitar o uso indevido da rede. Não podemos permitir que a rede seja comprometida com a proliferação de conteúdo ilícito, diz André Borges, diretor jurídico da NET. Ele afirma que são comuns ataques de criminosos virtuais inundando as redes das operadoras com um volume gigantesco de informações apenas para derrubar seus servidores. A discriminação do conteúdo ajudaria a evitar esse problema.
Nos próximos meses, o Ministério da Justiça encaminhará ao Congresso Nacional um projeto de lei para definir novas regras para a internet. O projeto está em fase final de consulta pública. Consta dele a exigência de que as operadoras preservem a neutralidade da rede. Essa exigência foi questionada por operadoras como Claro, Embratel e Vivo. A Vivo se posiciona a favor da exclusão do item neutralidade da rede do Marco Civil da Internet, informou a empresa por escrito a Época. Procurada, a operadora TIM não respondeu. A Telefônica atribuiu a responsabilidade à Abrafix, entidade que representa as operadoras fixas. Procurada, a entidade também não se pronunciou.
Apesar da argumentação das operadores, abrir mão da neutralidade pode criar um precedente perigoso. Os defensores da neutralidade afirmam que foi esse princípio que gerou o sucesso da internet. É ele que garante a liberdade do internauta de usar sua conexão para acessar o que bem entender, a garantia de sua privacidade no tráfego da informação e a livre concorrência entre os serviços oferecidos na rede sejam eles criados por companhias bilionárias ou empresas de fundo de quintal. Esses fatores tornaram a rede atraente para novos internautas e fomentaram a inovação entre os desenvolvedores de serviços. De acordo com a operadora Vivo, outras leis podem garantir a proteção dos usuários e da inovação na rede.
A retirada do princípio da neutralidade do projeto de lei também poderia tornar legais medidas controversas, como limitar a velocidade de acesso àqueles sites e serviços que consomem muita banda, como vídeos com download em tempo real. Tal técnica é conhecida como traffic shaping ou controle de tráfego, na tradução do inglês e nenhuma operadora confirma sua adoção.
É cedo para prever as consequências dessa disputa. Diante do desafio de conciliar a popularização da internet com a capacidade limitada de expansão da infraestrutura, a neutralidade talvez deixe de ser um tabu e passe a ser analisada em todas as suas nuances. Algumas práticas poderiam ser permitidas, em benefício do próprio consumidor ou da manutenção da concorrência. Mas uma consequência seria inevitável: a internet deixaria de ser tão livre quanto é hoje.
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Bruno Ferrari
Um movimento do Google e da Verizon, uma das maiores operadoras de telecomunicações dos Estados Unidos, ameaça as regras fundamentais da internet. Na semana passada, as duas empresas enviaram à agência que regula o mercado americano de telecomunicações (FCC) uma proposta que mexe com um princípio vigente desde a criação da internet, conhecido tecnicamente como neutralidade de rede. Trata-se do acordo que obriga todas as empresas transmissoras de dados a tratar o conteúdo das outras sem qualquer distinção. Todo tipo de informação vídeo, áudio, e-mails, ligações do Skype ou páginas da web é tratado de forma igual pelas máquinas, independentemente da sobrecarga que gera na rede.
Diante da dificuldade para expandir as redes e acompanhar o crescimento na demanda por conteúdos cada vez mais pesados, grandes empresas, entre elas algumas operadoras brasileiras, propõem que esse princípio seja revisto. Elas alegam razões técnicas para mexer nas regras da internet. Mas seu interesse também é comercial. Na prática, o objetivo é criar uma regra simples: anda mais rápido o conteúdo de quem pagar mais. Seria como se fosse instituída uma espécie de pedágio, cobrado de quem deseja andar nas faixas mais livres da estrada da informação.
O documento do Google e da Verizon sugere que isso seja feito nas redes de internet móvel. As empresas propõem que os provedores possam filtrar ou até bloquear os dados que os internautas acessam. Até mesmo conteúdo legal poderia ser barrado, sob a condição de que os clientes fossem avisados. A justificativa apresentada são as características técnicas e operacionais das redes sem fio. Pela proposta, novos serviços de internet que venham a ser criados, como transmissão ao vivo de vídeo em 3-D, poderiam ser submetidos à discriminação arbitrária das operadoras. Será que esse tipo de proposta é boa para o internauta ou apenas para as empresas que vivem da transmissão de dados?
Sem a neutralidade, as empresas afirmam poder garantir a conexão para serviços essenciais, como sites da polícia ou bombeiros. Ou então dar preferência a serviços de voz, como o Skype, em detrimento de e-mail, que pode esperar até chegar ao destinatário. Mas elas também poderiam aproveitar a brecha legal e adotar táticas de concorrência desleal, como oferecer conexão mais rápida a serviços on-line que paguem por isso. Ou então prejudicar o tráfego de sites concorrentes (leia as ilustrações ao longo destas páginas).
É verdade que a demanda das operadoras se baseia em razões técnicas. Quem planejou a infraestrutura da internet, no início dos anos 90, não imaginava que ela ganharia tamanha proporção apenas 15 anos depois. Com o lançamento do iPhone, a operadora americana AT&T viu o consumo de banda larga crescer 5.000% em três anos. Para alguns, controlar o conteúdo que passa pela rede seria uma forma de garantir que a qualidade na conexão não sofra com o volume alto de uso. Os dispositivos que acessam a internet evoluíram num ritmo muito mais rápido do que a s infraestrutura, afirma Paulo Mattos, diretor de regulamentação da Oi.
Para alguns, controlar o conteúdo na rede seria uma forma de garantir a qualidade da conexão
Outro fator que afeta as operadoras é a desproporção de consumo entre os usuários. Na AT&T, 3% dos clientes usam 40% da capacidade da rede. Descobrimos uma mulher no Rio de Janeiro que usava um modem 3G para conectar uma lan house inteira, diz Roberto Lima, presidente da operadora Vivo. Especialistas preveem um colapso na rede da AT&T, parceira da Apple, com as vendas muito acima da expectativa do iPad 3G um alto consumidor de banda larga. No Brasil, a Vivo se viu obrigada a limitar em até 2 GB de consumo mensal a conexão de alta velocidade. A partir daí, a velocidade cai.
Além de motivos técnicos, as empresas de telecomunicações alegam razões de segurança. A operadora de TV paga e banda larga NET afirma que as empresas precisam discriminar o tipo de conteúdo transmitido para evitar o uso indevido da rede. Não podemos permitir que a rede seja comprometida com a proliferação de conteúdo ilícito, diz André Borges, diretor jurídico da NET. Ele afirma que são comuns ataques de criminosos virtuais inundando as redes das operadoras com um volume gigantesco de informações apenas para derrubar seus servidores. A discriminação do conteúdo ajudaria a evitar esse problema.
Nos próximos meses, o Ministério da Justiça encaminhará ao Congresso Nacional um projeto de lei para definir novas regras para a internet. O projeto está em fase final de consulta pública. Consta dele a exigência de que as operadoras preservem a neutralidade da rede. Essa exigência foi questionada por operadoras como Claro, Embratel e Vivo. A Vivo se posiciona a favor da exclusão do item neutralidade da rede do Marco Civil da Internet, informou a empresa por escrito a Época. Procurada, a operadora TIM não respondeu. A Telefônica atribuiu a responsabilidade à Abrafix, entidade que representa as operadoras fixas. Procurada, a entidade também não se pronunciou.
Apesar da argumentação das operadores, abrir mão da neutralidade pode criar um precedente perigoso. Os defensores da neutralidade afirmam que foi esse princípio que gerou o sucesso da internet. É ele que garante a liberdade do internauta de usar sua conexão para acessar o que bem entender, a garantia de sua privacidade no tráfego da informação e a livre concorrência entre os serviços oferecidos na rede sejam eles criados por companhias bilionárias ou empresas de fundo de quintal. Esses fatores tornaram a rede atraente para novos internautas e fomentaram a inovação entre os desenvolvedores de serviços. De acordo com a operadora Vivo, outras leis podem garantir a proteção dos usuários e da inovação na rede.
A retirada do princípio da neutralidade do projeto de lei também poderia tornar legais medidas controversas, como limitar a velocidade de acesso àqueles sites e serviços que consomem muita banda, como vídeos com download em tempo real. Tal técnica é conhecida como traffic shaping ou controle de tráfego, na tradução do inglês e nenhuma operadora confirma sua adoção.
É cedo para prever as consequências dessa disputa. Diante do desafio de conciliar a popularização da internet com a capacidade limitada de expansão da infraestrutura, a neutralidade talvez deixe de ser um tabu e passe a ser analisada em todas as suas nuances. Algumas práticas poderiam ser permitidas, em benefício do próprio consumidor ou da manutenção da concorrência. Mas uma consequência seria inevitável: a internet deixaria de ser tão livre quanto é hoje.
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