quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Carlos Lessa


Forças Armadas e Civilização Brasileira

Tendo sido exilado e discriminado durante os anos da ditadura militar, militei contra o terrorismo de Estado e me esforcei - e continuo me esforçando - pela via democrática de construção de uma civilização brasileira. Assim, sinto-me inteiramente à vontade para afirmar ser indispensável o fortalecimento das Forças Armadas brasileiras para que venhamos a construir um Brasil justo, integrado e com escassas diferenças de padrão de vida.A pressão internacional sobre a Amazônia é direcionada pela ideologia neoliberal da globalização. A definição do Brasil como o "celeiro do mundo" ameaça o patrimônio biológico da Amazônia. Carne de boi e soja baratas exigem capim e desmatamentos, porém a pressão internacional se alimenta de outra vertente. O Brasil, retornando ao padrão da República Velha e sendo exportador de alimentos e matérias-primas, fornece munição aos ideólogos, ecologistas e quintas colunas ecológicas para propor - em nome da defesa da humanidade - a preservação do ecúmeno amazônico. Essas forças conseguem paralisar projetos hidrelétricos e logísticos de imensa importância para o país.De longa data, Arthur César Reis escreveu o livro "A Amazônia e a cobiça internacional". Nele reconstruiu, com precisão, as múltiplas tentativas de diversas potências de abocanharem pedaços da Amazônia brasileira. Nas últimas décadas, é visível e pérfida a atuação de potências estrangeiras em busca do domínio da Amazônia, nosso Eldorado verde.A Marinha brasileira sempre falou da Amazônia azul. Hoje, com o pré-sal, nosso Eldorado azul é objeto de cobiça provavelmente superior à provocada pelo Eldorado verde. A Amazônia verde é compartilhada com diversos países latino-americanos, e sempre existe a possibilidade de conflito entre irmãos, mas a Amazônia azul vai muito além das 200 milhas de costa marítima soberana e é possível uma controvérsia internacional nas jazidas de pré-sal que estão fora dos limites brasileiros. Obviamente, quanto mais efetiva for a integração sul-americana e a combinação finada de interesses, mais fácil será para o Brasil preservar, para gerações futuras, nossos Eldorados. Claro está, também, que as chances de integração dependem do dinamismo da economia brasileira. A mediocridade macroeconômica abre a região às piores projeções da globalização e multiplica riscos de conflitos regionais.Creio que os brasileiros deveriam ver, na atuação militar em defesa da Amazônia, uma continuação da obra de Rondon: "Integrar para não entregar". Aumentar o recrutamento de profissionais militares nas etnias amazônicas é uma prioridade pedagógica nacional. O Brasil deveria incluir o Programa Calha Norte no PAC, e a universidade brasileira deveria ser convocada para o estudo exaustivo das potencialidades da Amazônia e conhecimento das realidades antropológicas dos amazônicos. Acredito que as Forças naval e aérea têm de ser modernizadas e ampliadas. O Brasil precisa dessas forças para dissuadir e retardar pressões em relação ao Eldorado azul. É evidente que a logística de nosso Exército, na Amazônia, depende de sofisticado sistema de transporte de tropas, equipamentos e munição. É fundamental uma flotilha do Amazonas. No Projeto Calha Norte, deveriam ser multiplicadas as bases aéreas.O Brasil não tem um projeto nacional de desenvolvimento. Adotou a consigna de "exportar é a solução" e pretendeu "integrar-se competitivamente", com bens industrializados e serviços sofisticados, num mundo globalizado. Essa diretiva pró-globalização está desenvolvendo comportamentos de retrocesso: cresce, sem parar, a participação da agropecuária e declina a exportação industrial. É visível a timidez empresarial para a multiplicação de investimentos internos, se bem que nossos grandes grupos sobreviventes estejam investindo fora do Brasil. Deixamos de ser um país receptor de mão de obra para exportar jovens.O Itamaraty calcula que 3.300 mil brasileiros tenham migrado definitivamente para o exterior. Essa é uma das piores manifestações de pouco dinamismo em países periféricos. Sem dúvida, a crise mundial e as barreiras à imigração devem reduzir essa tendência.O Brasil precisa elevar a taxa de investimentos dos atuais 18% do PIB para 21%, 22%, se tivermos a pretensão de crescer 5% ao ano. Para esse resultado, é necessário elevar o investimento público para um padrão entre 6% e 7% do PIB (praticamente o dobro da participação atual).Temos, hoje, na economia do petróleo, uma fonte de esperança e de medo. Se a economia do petróleo se apoiar integralmente no desenvolvimento brasileiro industrial e de serviços, se a economia do petróleo não cair no "canto da sereia" da exportação de óleo cru, se mantivermos a prioridade de fontes energéticas renováveis e adotarmos uma política de não desperdício de derivados de petróleo, temos, próximo à nossa mão, um projeto nacional de desenvolvimento que exige Forças Armadas modernizadas e com poder dissuasivo: precisamos de submarinos caçadores de submarinos atômicos de outros países, precisamos evoluir rapidamente na tecnologia de mísseis, fortalecer a indústria de produtos de defesa. É necessário que utilizemos os ganhos da economia do petróleo na rápida evolução das políticas sociais, a começar pela educação.É necessário perceber que o mercado não substitui a Nação, para que nossa juventude confie numa futura civilização brasileira e possa ser mobilizada em seus sentimentos patrióticos e de identidade nacional. Sei que o simples alistamento militar (Tiro de Guerra) não substitui o profissional operador de modernas tecnologias, porém o Serviço Militar obrigatório deve ser restaurado, pois é um momento privilegiado de percepção da existência da Pátria.Finalmente, ressalto que é necessário repudiar qualquer sugestão de utilizar as Forças Armadas como instituições policiais internas, por múltiplas razões. Quero destacar que, à exceção da Convenção de Genebra, as Forças Armadas não podem ser limitadas em suas ações, ao passo que a polícia deve partir do bom comportamento do cidadão e, se dele suspeitar, respeitar regras definidas. Uma maneira de destruir a capacidade das Forças Armadas é desperdiçá-la no combate a qualquer desvio comportamental civil interno.

Carlos Lessa é doutor em economista. Foi professor do Instituto Rio Branco do Itamaraty (1961-1964) e da UFRJ. Também presidiu o BNDES no governo Lula.

Nenhum comentário:

Postar um comentário