Igreja de Nossa Senhora da Conceição
Trezentos anos há que, entre os indígenas
De Bettendorf – os velhos Tapuias –
Teu Nome foi erguido como Lábaro
A guiar esse povo pra Jesus. (SANTOS)
Igreja Matriz
No dia 22 de junho de 1661, o Padre João Felipe Bettendorff fundou a Aldeia de Nossa Senhora da Conceição dos Tapajós (Santarém) com a construção, de taipa, da Capela de Nossa Senhora da Conceição. A primeira Igreja foi edificada no Largo do Pelourinho, na época, centro da Aldeia. Em 1698, outra Igreja foi erguida, em local próximo ao da primitiva que ruíra, pelo missionário João Maria Gorsoni com a ajuda do Capitão Manoel da Motta de Siqueira que, na época, estava empenhado na construção da Fortaleza do Tapajós. Em 1756, o Governador da Província do Grão Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, comandando uma missão em viagem para Iquitos, no Peru, fez uma parada em Santarém. Acompanhava a missão o arquiteto italiano Antônio Landi que, visitando a capela, apresentou algumas sugestões em relação à estrutura do templo. O antigo sítio do templo, localizado na Praça Rodrigues dos Santos, é ocupado atualmente pela “Padaria Vitória”, em frente à Câmara Municipal.
No ano de 1761, centenário da construção da Igreja e da fundação de Santarém, iniciou-se em um novo local, a construção de uma nova Igreja Matriz com duas torres laterais, mais baixas do que as atuais, situada na Praça Monsenhor José Gregório, centro da cidade de Santarém. Na tarde do dia 25 de março de 1851, logo após o toque da “Ave Maria”, a torre esquerda desmoronou. A outra torre foi posta abaixo e construídos dois “gigantes” laterais para reforçar as abaladas paredes. Em 1876, a matriz ameaçava, novamente, ruir. As obras se arrastaram vagarosamente, no mesmo ritmo em que eram arrecadadas as contribuições dos fiéis. No dia 8 de maio de 1880, foi instalada no alto da Igreja a nova cruz de ferro, o altar-mor foi concluído, no dia 17 de maio de 1880 e, somente, no dia 24 de setembro de 1881, foi considerada concluída. Em 1895, foi executada a reforma do forro e vitrais nas janelas laterais e frontispício e em 21 de junho 1965, foram iniciados os trabalhos de recuperação de maior vulto que incluíam a demolição das colunas, altares, etc.
Dentro em minh’alma, bendizia eu o século futuro, que verá o mais majestoso caudal da terra, habitado por homens livres e felizes, e dei as mais ardentes graças ao Ente todo de amor, que me havia guiado através de tantos perigos, protegendo-me acima e dentro desse Rio, a cujas águas amarelas de novo me entreguei. (MARTIUS)
O Naufrágio de Martius
É curioso Martius não ter reportado o seu naufrágio na sua obra “Viagem pelo Brasil 1817 – 1820”. A menção só é feita na chapa de ferro que acompanha o crucifixo doado à Igreja Matriz de Santarém. Nele, Von Martius relata que escapou de morrer num naufrágio, no dia 18 de setembro de 1819, e foi “salvo por misericórdia divina do furor das ondas do Amazonas, junto à Vila de Santarém”.
O Crucifixo de Von Martius
O Cavaleiro Carlos Fred. Phil. de Martius, membro da Academia R. das Ciências de Munich, fazendo de 1817 a 1820, de ordem de Maximiliano José, Rei da Baviera, uma viagem científica pelo Brasil, e tendo sido, aos 18 de setembro de 1819, salvo por misericórdia divina do furor das ondas do Amazonas, junto à Vila de Santarém, mandou, como monumento de sua pia gratidão ao todo poderoso erigir este crucifixo nesta igreja de Nossa Senhora da Conceição, no ano de 1846.(gravação, em relevo, na chapa de ferro que identifica o crucifixo)
Como sinal de agradecimento ao Grande Arquiteto do Universo por ter sobrevivido a um naufrágio no Rio Amazonas, Von Martius ofertou à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, um crucifixo de ferro fundido, dourado, com um metro e sessenta e dois centímetros de altura. O crucifixo, fundido em 1846, é uma réplica perfeita de uma das obras do escultor, gravador e pintor Albert Durer (1471/1528) de Nuremberg. Os olhos do Cristo de Martius fitam os céus procurando o Pai, os músculos do pescoço retesados pelo esforço e os lábios doridos, queimados pelo vinagre, deixam escapar sua súplica “Eli, Eli, Lamma Sabachtani?”. A imagem do Cristo crucificado impregnada de profunda angústia e expiação física e moral, emociona, desperta os mais nobres sentimentos e convida à reflexão. Certamente essa era a intenção de Von Martius conforme ele mesmo comenta:
“a obra saiu excelente e a contemplei com profunda emoção, pensando no modo pelo qual só por um verdadeiro milagre, fui salvo do Rio Amazonas. Se a contemplação desse crucifixo em alguns devotos despertar uma piedosa comoção, terei eu feito alguma coisa pela raça meridiana à qual sinto nada mais poder dedicar senão votos piedosos. Há muitas pessoas, católicas e protestantes, que não sabem como se pode desenvolver no cérebro e no coração de um naturalista a idéia do Salvador do Mundo, a ponto de ser base de sua existência espiritual; a isso se chama filosofia de século XIX...” (MARTIUS)
“Foi a imagem enviada ao Pará aos cuidados do Cônsul alemão na Província, que se incumbira do transporte e entrega ao vigário de Santarém. Compreende-se que seria difícil vir o crucifixo já armado, pelo tamanho que teria a cruz e o volume que faria para as embarcações da época. Assim, Martius remeteu apenas a estátua e a lâmina com a inscrição comprobatória do seu voto, dentro de um único caixão. Nem se pode admitir que para o Brasil, pátria de belas e excelentes madeiras, o naturalista enviasse uma cruz confeccionada com madeira europeia. Depois de longo estágio na alfândega de Belém, aguardando transporte, foi finalmente a grande e pesada caixa embarcada num dos barcos a vela que faziam tráfego entre Santarém e a capital, e descarregada no porto mocorongo em fins de 1848 ou princípios de 49, consignada ao vigário local. (...) O volume foi conduzido à igreja, e na sacristia aberta a caixa, foram encontradas a bela imagem de Jesus e a chapa com a inscrição em relevo. (...) Enquanto isso, a linda imagem de Cristo continuava no seu caixote de pinho, por falta de uma cruz que todos lhe negavam! (...) Finalmente, em princípios de 1851, Cônego Fernandes foi a Belém e consegui interessar o Presidente da Província, Fausto A. de Aguiar, que lhe prometeu fazer incluir no orçamento quantia para a obra prevista. (...) Tratou-se logo de outro problema onde colocar a imagem? Uns queriam vê-la na atual capela de Bom Jesus, à entrada do templo; outros preferiam que fosse erigida num dos altares laterais da nave, onde, aliás, já se encontrava outro crucificado, quase em tamanho natural, porém de madeira ou massa, colocado por trás da imagem de Nossa Senhora das Dores, no altar hoje considerado do Rosário. Estavam as coisas neste pé, aguardando-se somente a verba que iria ser votada – como, realmente, o foi – quando, a 26 de março desse ano de 1851, surgiu, de súbito, grave imprevisto que causou desolação geral: uma das torres da Matriz ruiu fragorosamente, quase destruindo a parede da frente e danificando as outras. (...) Os reparos que se faziam, então, na Igreja de Santarém, só ficaram terminados, mais ou menos, em 1868, segundo relatório do Presidente da Província, José Bento Figueiredo, de 1869, e é provável que somente então fosse o Crucificado de Martius colocado no seu altar”. (SANTOS)
O Círio da Padroeira
“Nem sempre as festas da Padroeira, Senhora da Conceição, começaram pelo Círio, ou antes, pela transladação da véspera. Durante anos a festividade principal da terra constava somente das novenas, iniciadas impreterivelmente a 28 de novembro, mesmo que fosse um dia útil, e iam até 6 de dezembro; depois, as vésperas, a 7, e finalmente, o dia da festa, 8 de dezembro que fechava com a grande procissão. Ninguém pensava em Círio. Nos primeiros tempos da República, surgiu uma romaria a que chamavam “Círio da Bandeira”, que se compunha de uma bandeira com a efígie da Santa, alguns estandartes, confrarias, povo e banda musical que percorriam as principais ruas, recolhendo-se à Matriz. Era o sinal de que na noite seguinte teria começo o novenário. Esses “Círios da Bandeira” saiam da Capela de São Sebastião, e em 1896, como a Igreja estivesse em concertos, saiu da Casa da Câmara. Foi somente, a partir de 1919, inclusive, que, sendo intendente municipal o Dr. Manuel Waldomiro Rodrigues dos Santos, foi instituído o uso da transladação e círio, como início da festa da Padroeira, tal qual se fazia em Belém na festa de Nazaré. O costume pegou e já constitui tradição”. (SANTOS)
A festa de Nossa Senhora da Conceição inicia no sábado, véspera do Círio, quando a imagem da Virgem, em procissão é levada da Igreja Matriz para a Igreja de São Sebastião de onde a romaria parte na manhã de domingo. Desde o primeiro Círio, realizado em 29 de novembro de 1919, a romaria foi atraindo um número cada vez maior de fiéis. Há mais de nove décadas, o círio percorre cerca de dez quilômetros, durante mais de 3 horas, as principais ruas e avenidas da cidade, congregando católicos de diversas comunidades do Baixo Amazonas. O encerramento das comemorações, no dia 08 de dezembro, dia da festa de Nossa Senhora da Conceição, culmina com uma tradicional queima de fogos.
“Realizou-se ontem, pela manhã com a concorrência e a pompa que era de esperar o Círio da Imaculada – imponente manifestação de devotado amor que o povo de Santarém dedica ao culto de Maria, iniciando, este ano, a tradicional festividade, o Círio revestiu-se de uma singeleza espiritualizada, mui solene e muito significativa, emoldurado, para melhor realce, pelo brilho difuso de uma linda manhã santarense de luz gloriosa e belo sol. Tendo saído da Capela de São Sebastião, para onde fora a imagem em procissão no dia anterior à noite – percorreu as principais ruas da cidade, sempre na melhor ordem, aumentando gradativamente de vulto aquele imponente estuário humano, em meio ao qual se destacava a linda imagem da Padroeira em sua berlinda artisticamente ornamentada, sendo de notar a coroa de ‘sempre vivas do campo’, naturais, admirável trabalho de uma piedosa filha de Maria. Ao entrar o Círio na Catedral a aglomeração de gente era enorme, reinando, entretanto, a melhor ordem e a mais completa satisfação”. (SUSSUARANA)
Fontes:
SANTOS, Paulo Rodrigues dos. Tupaiulândia. ICBS/ACN. Santarém, PA: Gráfica e Editora Tiagão, 1999.
SPIX e MARTIUS, Johann Baptist Von Spix e Carl Friedrich Philipp Von Martius. Viagem pelo Brasil 1817 - 1820 - Brasil - São Paulo, 1968. Edições Melhoramentos.
SUSSUARANA, Felisbelo. Jornal “A Cidade”. Santarém, PA, 29 de novembro de 1919.
Hiram Reis e Silva é Coronel de Engenharia, Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS), Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB), Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS), Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional
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E-mail: hiramrs@terra.com.br
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