sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Argemiro Ferreira

O fantasma da UDN

No Brasil um Alzheimer singular, indiferente à idade, apaga a memória de políticos da oposição e do jornalismo a serviço deles. Em razão do fenômeno uma geração menos jovem mas resistente àquele mal tenta, nem sempre com sucesso, devolver-lhes a memória recordando lições da história recente – como fez há dias o professor Fábio Wanderley Reis.

O desconforto desse cientista político, estudioso das posições tucanas, ficou claro. Repreendeu a pressa dos partidos de oposição e sua mídia, ao denunciarem uma mexicanização no país. Eles vêem o PT em duplo papel de vilão. Além de ser um novo PRI, alegam, ainda persegue o modelo chavista. Lula e o PT são bem menos ambiciosos: optaram por vitórias limpas em duas eleições, governo com 80% de aprovação e o respeito internacional.

Antes o atual presidente amargou três derrotas na oposição. Não tinha provado o gosto do poder. Mas ao invés de pregar um golpe, retomou a construção partidária com a força crescente dos militantes. Porque o PSDB, que governou em dois mandatos – de 1995 a 2002, graças a eleições vencidas no primeiro turno – está sem condições de recuperar a presidência pelo voto, mesmo tendo trabalhado no projeto de “20 anos no poder”? E porque, se era parte da esquerda ao nascer, apresenta-se como a direita arrogante que execrava?

A origem da contradição vivida pelos tucanos pode ser o oportunismo da aliança profana em 1994 com o PFL – que já fora Arena e PDS, e agora virou DEM. Por mais que este mude o disfarce, fingindo-se liberal, social, democrático (o codinome atual, irônico, é “Democratas”), nunca deixará de ser o partido da ditadura militar, a direita escarrada.

Último rebento a se separar do PMDB de Ulisses, o PSDB saiu, como o PT de Lula, do ventre do grupo dos “autênticos” – única esquerda tolerada pelo regime militar, exatamente por ser parte do único partido da oposição legal. Para compensar as dores do parto, os tucanos vieram com plumagem européia – uma social democracia com acadêmicos e intelectuais em vez de sindicatos.

Tinha, sim, havido namoro entre a elite acadêmica politizada – ou, pelo menos, parte dela – e líderes sindicais que a princípio evitaram os partidos e só depois sonharam em criar o deles. Como parte do processo, FHC debateu com eles. Achava não ter chegado o momento de enfraquecer o PMDB, ainda a bandeira maior da oposição. Houve reuniões em São Paulo. Ao fim de uma, em 1978, dirigentes sindicais foram levados por Lula a um comício de FHC (veja os dois em campanha na foto acima), pressionado por ele a candidatar-se ao Senado em sublegenda do PMDB. O que o tornaria suplente e, depois, senador – em 1983, quando Franco Montoro, eleito governador, deixou-lhe o mandato restante.

A razão ostensiva de outra reunião, num hotel de São Bernardo em 1979, foi a discussão ampla – com meia centena de líderes sindicais, uns 70 intelectuais e mais de 100 parlamentares – sobre a natureza de um partido dos trabalhadores. Circulou o documento “PT, Saudações” (eu me lembro: estive nas duas reuniões como vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio). Mas FHC influiu para a decisão ser adiada: achou estreita a idéia de um “partido classista”. Quando afinal o PT foi criado em 1980 (com reconhecimento oficial no início de 1982), FHC optou por ficar no PMDB, com gente queconsiderava conservadora, como Montoro – o mesmo que acabaria, ironicamente, por deixar o partido em 1988, junto com ele, para fundar o PSDB (na foto ao lado, os dois no dia da fundação do partido).

Pelo menos até 1994, FHC ainda parecia considerar-se de esquerda. O New York Times optou pelo rótulo “centro-direitista” (às vezes, “direitista”). Certa vez foi corrigido pela embaixada do Brasil, que invocou sua militância anterior na esquerda. No National Press Club, de Washington, ele próprio chegou a citar, com orgulho, o trabalho de jornalista no semanario esquerdista Opinião. Quando FHC e o PSDB assumiram a virada à direita? O plano original pode ter sido outro: ampliar o partido e livrar-se da companhia incômoda do PFL-DEM. O PSDB cresceu, tornou-se o maior no Congresso, mas não o suficiente para dispensar o aliado. Ao contrário, precisou de mais penduricalhos – para aprovar obscenidades como a emenda da reeleição.

Um colunista encantou-se recentemente com auto-flagelações divertidas de FHC. Como esta, num jantar: “Tenho de sair agora. Não posso me atrasar para a vaia que vou receber amanhã em Recife”. E esta confissão: “O FH que vocês conhecem é melhor que o presidente. O presidente tem cada aliado! Como cidadão sou mais seletivo nas minhas companhias”. Eram mesmo más companhias. Ele e o PSDB fizeram opções. Colados ao PFL, viraram à direita. À sombra da moeda, contaminaram-se. Incapazes de mudar o aliado, foram mudados por ele. (...)

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