quinta-feira, 28 de outubro de 2010

GILMAR MENDES: “lei é convite para a irresponsabilidade do legislador"

Além do tom incisivo do voto de Gilmar Mendes no julgamento sobre a Ficha Limpa no Supremo Tribunal Federal, chamou a atenção, segundo informa o site da revista Veja o enfoque político adotado pelo ministro na sua sustentação. Mendes disse, com todas as letras, que a base governista na Câmara dos Deputados alterou um item da legislação, quando o projetotramitava no Congresso, especificamente para alterar o cenário da eleição ao governo do Distrito Federal.
É evidente. O que se tinha em mente era atingir um dado candidato em nome debuma suposta higidez moral”, disse ele. O ministro refere-se à emenda, de autoria do deputado José Eduardo Cardozo (PT), que incluiu na lista de inelegíveis os políticos que tenham renunciado ao mandato para fugir da cassação. O item não estava previsto no texto de iniciativa popular que chegou ao Parlamento, mas foi acrescentado com o consentimento do Legislativo. A medida atingiu em cheio a candidatura de Joaquim Roriz (PSC) – que, até ter problemas com a Justiça Eleitoral e desistir da disputa, liderava as pesquisas com ampla vantagem – e abriu caminho para a eleição de Agnelo Queiroz (PT).

Brecha para manipulação - Gilmar Mendes vê na Lei da Ficha Limpa a abertura de um precedente que considera ameaçador: a possibilidade de parlamentares usarem medidas semelhantes para influenciar o cenário eleitoral. O estratagema, na opinião dele, pode se transformar num instrumento perigoso nas mãos de deputados e senadores. O ministro destaca que, ao formatar o texto da Lei da Ficha Limpa, os congressistas já sabiam quem seria punido pela medida – já que a lei tem efeito retroativo. Portanto, nada impede, diz Gilmar, que as condições de inelegibilidade sejam novamente alteradas para prejudicar esse ou aquele grupo político. O ministro fez uma espécie de comparação com uma alteração imaginária na lei: “Um pai que tenha batido no filho agora fica sem o pátrio poder de forma definitiva, para sempre. E será inclusive esterilizado para não ter mais filhos”. Na visão de Mendes, “mais grave do que a lei é o convite que se faz para a irresponsabilidade do legislador. Para a manipulação, inclusive, das eleições”. O ministro também fez um contraponto aos que defendem a soberania absoluta da vontade popular. Minimizou o fato de a medida ter chegado ao Congresso com milhares de assinaturas. “Em democracia constitucional o povo não é soberano”, declarou. Ele afirmou que, sob alegada defesa da moralidade, não podem ser cometidas imoralidades. E chegou a fazer uma comparação forte: “Temos um namoro com pensamentos que gravitam em torno do nazifascismo”. Gilmar Mendes foi voto vencido. A Lei da Ficha Limpa será aplicada nestas eleições. Mas a exposição do ministro – que foi a mais longa do julgamento e durou cerca de uma hora e meia – abordou aspectos ignorados pelos outros integrantes da corte.
(Gabriel Castro, de Brasília)

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