terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Aneel dá opção para elétricas de continuarem lesando os usuários

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou que mudou a forma de cálculo das tarifas de energia para sanar a distorção que permitia às distribuidoras de eletricidade extrair dos consumidores indevidamente R$ 1 bilhão por ano (segundo o TCU, poderia chegar a R$ 1,8 bilhão ao ano).
Estranhamente, a correção será voluntária – ou seja, se as distribuidoras quiserem corrigi-la e ganhar menos dinheiro, poderão fazê-lo. Se não quiserem, poderão continuar lesando o consumidor. Ao criticar a decisão da Aneel, o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Luiz Carlos Guimarães, disse que “é lamentável” porque “isso representa uma redução de receita”. As próprias distribuidoras, ao contestar cálculo do TCU, afirmaram que seus ganhos indevidos foram R$ 700 milhões por ano. Mas, segundo a Abradee , “uma coisa é a conversa técnica, outra é a análise que é feita pelo conselho de acionistas, que está preocupado com a rentabilidade do negócio”.
No entanto, o diretor-geral da Aneel, Nelson Hubner, declarou que “esperamos que as empresas entendam o contexto. Se alguma empresa não quiser assinar, vamos continuar discutindo com ela”. De onde se conclui que a Aneel considera que a discussão é restrita às empresas – boa parte, estrangeiras – e que enquanto elas não são convencidas a deixar esse mau hábito, podem continuar roubando a população.
Quanto ao dinheiro que as distribuidoras já embolsaram desde 2002 – entre 8 e 10 bilhões -, um dos diretores da Aneel, Romeu Rufino, disse que “não existe erro ou passivo a ser apurado” porque “os cálculos que foram feitos respeitaram a lei e os contratos vigentes”.
Então, se não havia erro, por que a Aneel mudou a sua forma de calcular o reajuste? A lei e os contratos não precisaram mudar para que a Aneel mudasse seu cálculo. Além disso, a própria Aneel declarou várias vezes que a cobrança era indevida. Disse, há alguns meses, o superintendente de regulação econômica da Aneel, David Antunes Lima: “Ficar com o dinheiro é eticamente discutível. Nós temos plena certeza que esse é um dinheiro que não pertence à distribuidora. Se isso for levado à Justiça, dificilmente as distribuidoras terão como ganhar essa causa”.
As leis e as regras estabelecidas após a privatização das distribuidoras determinam explicitamente que a “parcela A” da fórmula de reajuste anual deve ser “neutra”, isto é, as empresas só podem ter ganho real com a venda da energia, aumentando sua produtividade (isto é, reduzindo os seus “custos gerenciáveis” - a “parcela B” da fórmula de reajuste). Os gastos com compra de energia e encargos tributários (os custos “não-gerenciáveis” - a “parcela A” da fórmula) só podem ser repostos, isto é, ter seus preços atualizados, não podendo a tarifa ter aumento real por conta deles.
Ao mudar o cálculo, a Aneel reconheceu exatamente que as distribuidoras estavam ganhando com um falso aumento nos custos que, também falsamente, diminuiria sua receita. Isto porque a fórmula de reajuste não captava como aumento da receita os novos consumidores e o aumento do consumo, mas apenas como aumento nos custos.
Desde 2007 que o assunto é comentado na Aneel. No entanto, levou um ano para ela comunicasse o problema ao Ministério das Minas e Energia, pedindo, então a reedição da Portaria nº 25/2002. O Ministério respondeu que a portaria não necessitava ser mudada para que a agência corrigisse sua fórmula. Em 2008, a Secretaria de Fiscalização de Desestatização do Tribunal de Contas da União (Sefid/TCU) tornou público o problema, ao rever as contas da Coelce, distribuidora de energia do Ceará privatizada para o grupo espanhol Iberdrola.
Não estamos falando de gente civilizada. A mesma associação das distribuidoras a que já nos referimos, em documento oficial, diz que a “parcela A, de fato, não é neutra” porque “o efeito da variação de mercado sobre os itens da Parcela A também é considerado risco do negócio” (Abradee, “Neutralidade da parcela A – Análise da proposta da Aneel”, Brasília, fevereiro/2009).
Traduzindo: o pagamento de impostos e a compra de energia garantida pelo Estado para revender aos consumidores não são uma necessidade do negócio, sem os quais ele não existiria, mas um risco em si. Por essa lógica, um quitandeiro, ao vender abóboras aos seus fregueses, teria que acrescentar no preço delas uma taxa de risco, além do lucro “normal”, pelo fato de ter de comprar as abóboras para revendê-las. Mas o quitandeiro não opera em regime de monopólio – seus fregueses podem escolher outro quitandeiro, se acharem que os preços são caros. Já as distribuidoras de energia, só operam sob monopólio. E o consumidor não pode procurar outra, se o preço da tarifa for alto.
De onde apenas se pode concluir que vale qualquer coisa, mesmo as mais absurdas e imorais, para esfolar o povo.

CARLOS LOPES
Hora do Povo...

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