segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

"Keynes" revisitado: entrevista com Robert Skidelsky

“Seguir Keynes não é só gastar mais”

O historiador Robert Skidelsky conta por que o economista virou ídolo mundial. E a parte da teoria que todos esquecem
Marcos Coronato

Mais gasto público e mais poder para o governo. A receita soa como música para governantes e passou a ser repetida por aí com mais desenvoltura no mundo pós-crise, que questiona a liberdade e a eficiência dos mercados. Para esses governantes, o britânico John Maynard Keynes (1883-1946) virou o mais venerável dos economistas. Keynes defendia não apenas uma atuação governamental firme, mas também a responsabilidade nas contas públicas, a inflação sob controle e o poder da livre-iniciativa. Testava suas teorias como funcionário público de alto escalão – e como especulador. Nesse tema, poucos exibem a autoridade do lorde britânico Robert Skidelsky, um historiador que lançou em setembro, no Reino Unido, o livro Keynes – O retorno do mestre.

QUEM É Robert Skidelsky tem 70 anos, ensina política econômica na Universidade de Warwick e faz parte da Câmara dos Lordes do Reino Unido

O QUE FEZ Entre 1983 e 2000, publicou uma premiada biografia em três volumes de John Maynard Keynes, um dos mais importantes economistas de todos os tempos

O QUE FAZ Seu livro "Keynes – O retorno do mestre", sairá no segundo semestre pela Editora Civilização Brasileira



ÉPOCA – Para quem não é economista, como o senhor apresentaria Keynes? E por que falar em “retorno”?

Robert Skidelsky – Apesar de os principais livros dele terem sido escritos antes da Segunda Guerra Mundial, eles ainda são muito relevantes para o debate que temos neste momento sobre os estímulos econômicos, como e quando suspendê-los, e sobre como reconstruir o sistema econômico para evitar que catástrofes ocorram novamente no futuro. Ele tem muito a dizer sobre três pontos: a explicação da crise, o estímulo pós-crise e a reforma necessária. Em vários lugares, mas principalmente no mundo anglo-americano, Keynes foi considerado fora de moda nos anos 80. A ideia que se estabeleceu era: governos fazem parte do problema, não da solução, e a economia estará muito melhor se eles interferirem menos. Ganhou influência a escola clássica de economia da Universidade de Chicago, que reviveu a crença nos mercados ótimos, autorregulados. Agora, acho certo falarmos em “retorno” de Keynes.

ÉPOCA – Ele afirmava ser impossível prever crises e ciclos econômicos. Então, como poderia nos ajudar?

Skidelsky – Ele disse que não se podem prever os ciclos, e enfatizo em meu livro a extrema importância da incerteza para Keynes. Com que frequência, onde e quando os colapsos vão ocorrer nós não sabemos. Mas sabemos quanto os mercados são propensos ao colapso por causa da incerteza. Podemos dizer que o sistema tende a sofrer disfunções graves. Para protegê-lo da possibilidade dessas disfunções, devemos considerar as reformas. O sistema deveria reduzir as chances de os colapsos ocorrerem.

ÉPOCA – E depois que o colapso já ocorreu? Há alguma lição em Keynes?

Skidelsky – Após os anos 80, a nova era dos mercados autorregulados e ao mesmo tempo moderados durou dez anos. Depois, começamos a nos encaminhar para a quebra econômica. A lição é que mercados desregulados não são autoajustáveis. Eles não buscam o pleno emprego. As teorias dos mercados eficientes, dos preços justos e das expectativas racionais não têm sentido. Elas são visões idealizadas dos mercados, e não observações sobre como eles realmente funcionam. Cabe aos governos procurar o pleno emprego. Quando um mercado sofre um grande choque, ele não se recupera rapidamente, não recupera a produção, não ajusta preços automaticamente, não retoma o rumo para o pleno emprego. A não ser que algum estímulo seja dado, as condições do colapso podem se prolongar por muito tempo. Tivemos experiências sobre isso. Muitos economistas acreditam que, se não tivéssemos adotado medidas de estímulo ao redor do mundo, teríamos ficado atolados na Grande Depressão (após a quebra de 1929) . Se você tem um grande choque, deve adotar medidas de reação para impedir uma depressão econômica – mas, mais importante, precisa adotar medidas para tentar impedir, tanto quanto possível, que outro choque ocorra no futuro. Por isso, precisamos reformar o sistema bancário e manter um fluxo estável de investimento público. Precisamos de alguma redistribuição de renda, para aumentar o poder total de compra, e da reforma do sistema financeiro internacional, para evitar que problemas de balanço de países cresçam demais. Há uma enorme agenda de reformas, resultante do que aconteceu. Grande parte dela está na obra de Keynes. “Keynes concluiu que não era possível acertar as altas e baixas e virou investidor de longo prazo. Aí ganhou dinheiro de verdade”

ÉPOCA - Ele é frequentemente citado por quem defende governos maiores e mais fortes. De acordo com o senhor, ele via com suspeita cargas tributárias superiores a 25% do PIB. A do Brasil está acima de 35%. O que ele diria?

Skidelsky – Acho que devemos nos perguntar: o que queremos que o governo faça? Os 25% do PIB eram a norma, uma base razoável no tempo dele. Ele ficaria feliz em aceitar cargas maiores hoje, dependendo da missão dada ao governo pela sociedade. O que podemos nos perguntar é: o que a teoria keynesiana sugere como missão do governo? E a resposta é: manter uma alta demanda agregada, uma economia em crescimento. Keynes queria que os governos se orientassem também pela produção e pelo emprego, não só pelo controle da inflação. Há diversas ferramentas possíveis para isso: investimento público, parcerias público-privadas, taxas de câmbio, taxas de juro baixas. As medidas envolvem a expansão das atribuições macroeconômicas do governo, mas não envolvem sempre maior gasto público.

ÉPOCA – Ele se preocupava com a eficiência do gasto público?

Skidelsky – Talvez ele não tenha imaginado que o gasto público seria tão corrupto quanto se mostra hoje em muitos países. Mas já havia (no tempo dele) evidência de que grande parte desse gasto não seria eficiente. Temos de comparar esse gasto às perdas causadas por colapsos econômicos. O governo não é perfeito nem os mercados.

ÉPOCA – Como o senhor avalia a reação dos EUA e do Reino Unido à crise?

Skidelsky – Depois que a crise aconteceu, eles reagiram na direção correta, em comparação com o que foi feito entre 1929 e 1932. Naquela época, os governos erraram ao permitir o colapso econômico porque acharam que não tinham muito o que fazer a respeito. Desta vez, eles aumentaram a oferta de dinheiro e seus déficits para incentivar o gasto privado. Talvez eles não tenham agido com a intensidade que deveriam. Talvez, por isso, a recuperação seja tão débil e ainda enfrentemos a possibilidade de outra recessão.

ÉPOCA – Keynes atuou como especulador, perdeu e ganhou dinheiro no mercado desse jeito. Por que ele desistiu?

Skidelsky – Ele concluiu que não era possível acertar as altas e baixas. No tempo dele já havia modelos matemáticos tentando prever o comportamento do mercado, e os especuladores já tentavam comprar e vender no momento certo. No fim das contas, pouquíssimos especuladores se saem bem, como George Soros. Keynes se transformou num investidor de longo prazo, do tipo que compra e mantém o que comprou. Aí ele ganhou dinheiro de verdade.
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