sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

José Sarney

Outros carnavais

Eu, que estou em pleno vigor da juventude - e todos os dias os jornais, ao citarem o meu nome, revelam aos leitores esta minha fraqueza -, fico todo irritado quando ouço essa história de "bom era no meu tempo", "ah! que saudades do meu tempo" e outros lamentos saudosistas. Bom mesmo é o tempo de hoje.
O tempo bom do meu tempo era o tempo daquele tempo, que não conhecia o tempo futuro. Eliot, o grande e sempre louvado poeta, formulou bem esse tema, dizendo mais ou menos que o futuro é o presente, o presente é passado e presente, sendo passado e futuro tudo presente. Difícil de entender, mas bonito de ler, no texto original ou na belíssima tradução de Ivan Junqueira.
Carnaval então é momento dessas baboseiras, os velhos reclamando das escolas de samba, feéricas, deslumbrantes, despejando alegria pela avenida, comparando-as com as batalhas de confete e o entrudo, que era a imbecil brincadeira de um sujar o outro. Outros reclamam do cheiro de urina dos foliões apertados pelas latas de cerveja, contrapondo ao cheiro bom do lança perfume, na minha terra chamado de Rodó -a marca mais popular e representativa dos antigos carnavais.
Leio que um baiano do Campo Grande, em Salvador, onde a folia é a mais densa daquelas bandas, disse que já estava esperando o cheiro do "descarrego carnavalesco" e que passaria esses dias limpando as calçadas e tapando o nariz. Bobagem e hipocrisia, porque ele é um privilegiado, pois não precisa sair de casa para ouvir a bela Ivete Sangalo e os trios elétricos, herança de Dodô e Osmar.
Ora aqueles tempos dos carnavais antigos! Não se via esse desfile puro e esplendoroso das mulatas, loiras, morenas sem vestidos, seios à mostra, além das partes que têm vida própria, pululam e que são vistas quando passam popozudas. Tudo belo, a frente e o atrás. Bendito Carnaval do presente, quando ninguém tem de temer nada nesse jogo de Adão e Eva, porque o nosso Ministério da Saúde já se encarregou de distribuir camisinhas, com direito a lubrificantes e antissépticos. Ora bolas para o passado, com aquelas fantasias cafonas, cheias de babados, chapéus de crepom colorido e colares havaianos que, suados, manchavam as roupas.
E o mais difícil: homens para um lado e mulheres para outro, só olhares e desejos. Quando muito um aperto de mão acochado e um sarrafo leve de corpo com corpo. Que diferença louca entre blocos antigos, de canções nostálgicas, e o gingado delirante do "dono desta cidade sou eu", do axé, em que Daniela Mercury nos leva ao delírio pecaminoso. Bom Carnaval! E o do Maranhão não fica atrás com o Bicho Terra e as lindas negras que vieram do Daomé há 400 anos e guardam a sensual alegria africana. Haja gosto para brincar.

José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa

jose-sarney@uol.com.br

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