segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O "cartel verde" da carne

Nilder Costa
(Alerta em Rede)– A pouco conhecida Política de Desenvolvimento Produtivo – a PDP, política industrial oficial -, identifica, entre suas metas setoriais:

1) Consolidar o Brasil como o maior exportador mundial de proteína animal; e

2) Fazer do complexo carnes o principal setor exportador do agronegócio brasileiro.

A PDP arrola entre seus desafios "ampliar o acesso a mercados com eliminação das barreiras comerciais; melhorar o status sanitário da pecuária nacional; modernizar e ampliar a infraestrutura logística; garantir o abastecimento de insumos para a produção animal; aumentar o número de matrizes no rebanho nacional; e agregar valor à carne exportada".
O agente escolhido pelo governo para turbinar os frigoríficos nacionais e transformá-los em gigantes mundiais foi o Banco Nacional de Desenvolvimento e Econômico e Social (BNDES), que já desembolsou R$ 16 bilhões com o setor (R$ 6 bilhões em empréstimos e R$ 10 bilhões na aquisição de participação acionária) e está prestes a bater a marca de R$ 18,5 bilhões. A maior parte desse dinheiro vem sendo aplicado no JBS e no Marfrig para financiar uma campanha agressiva de aquisições de concorrentes no Brasil e no exterior. [1]
Só que , na semana passada, os três maiores frigoríficos do Brasil - JBS/Bertin, Marfrig e Minerva - anunciaram que deixaram de comprar bovinos de 221 fazendas localizadas dentro de terras indígenas, unidades de conservação ou próximas a áreas recém-desmatadas no bioma Amazônia em cumprimento a compromisso assinado, em outubro passado, pelos frigoríficos com o Greenpeace e o Ministério Público Federal do Pará e do Mato Grosso.
Segundo o Greenpeace, os três frigoríficos responderam por somente 36% do abate na "Amazônia" em 2009: "O restante vem de pequenos, médios e grandes frigoríficos que até agora não assumiram compromisso com o desmatamento zero e vendem seus produtos para o consumidor por meio de supermercados que não limparam suas prateleiras de passivos ambientais e sociais", disse o ativista da ONG Márcio Astrini, avisando que, em uma escalada das suas ações, “vamos olhar também para os supermercados e os outros frigoríficos que não participaram do acordo". [2]
De fato, como este Alerta já havia reportado, o citado compromisso resultou de um acerto entre frigoríficos, varejistas e ONGs para criar um “sistema unificado” de certificação para “garantir” a origem da carne bovina comercializada no mercado interno mas que deixaram de fora, de forma ostensiva, os produtores. Na ocasião, Luciano Vacari, superintendente da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), reagiu: “É muito perigoso e assustador saber que os cinco maiores frigoríficos do País sejam pautados por uma ONG, e pressionados pelo setor varejista, alegando preocupação ambiental, mas com nítido interesse comercial. Se o G5 [os cinco maiores grigoríficos] se reúne para ditar regras de certificação, quem nos garante que não se reúnem também para combinar escala de compra de gado, preço de arroba, distribuição de carne? Isso nos faz lembrar as ações de cartéis e a conta final quem paga é o consumidor e o pecuarista”, disse ele. [3]
O que analisamos à época continua válido:
Em essência, o acerto dos frigoríficos com a ONG significa mais ou menos o seguinte: os frigoríficos se curvam às exigências do Greenpeace e este pára de fazer campanhas, principalmente no exterior, contra a carne bovina da “Amazônia”.
Enquanto o Greenpeace atua por aqui como bem entende, é de lamentar-se essa desmoralização das autoridades nacionais e os risos à larga dos concorrentes da carne bovina brasileira.
Ocorre que o setor de frigoríficos já foi investigado por prática de cartel. Em 2007, o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) condenou os frigoríficos Bertin, Minerva, Franco Fabril e Mataboi por manipularem os preços pagos aos pecuaristas. O Friboi (atual JBS) selou acordo para encerrar as investigações e pagou R$ 13,7 milhões de multa. O Bertin foi incorporado pelo JBS no ano passado.
Assim, a consolidação dessa espúria aliança entre frigoríficos e ONGs internacionais está potencializando o surgimento de um perigoso "cartel verde" que ditará preços, distribuição e regras ambientais para o estratégico setor de proteínas animais e ao arrepio dos interesses nacionais. O mais lamentável é se constatar que tal processo conta a participação ativa do BNDES e com a inaceitável complacência do Estado brasileiro.

Notas:
[1]Aposta de R$ 18,5 bilhões do BNDES em frigoríficos assusta concorrentes, O Estado de São Paulo, 25/07/2010
[2]Frigoríficos embargam compra de boi de 221 propriedades, Valor, 21/07/2010
[3]Forma-se "santa aliança" contra a pecuária brasileira, Alerta Científico e Ambiental, 01/12/2009

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