quarta-feira, 17 de junho de 2009

Memória Viva

Revista “O Cruzeiro”

O Cruzeiro foi a principal
revista ilustrada brasileira do século XX. Começou a ser publicada em 10 de novembro de 1928 pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand. Foi importante na introdução de novos meios gráficos e visuais na imprensa brasileira, citando entre suas inovações o fotojornalismo e a inauguração das duplas repórter-fotógrafo, a mais famosa sendo formada por David Nasser e Jean Manzon que, nos anos 40 e 50, fizeram reportagens de grande repercussão. Entre seus diversos assuntos, a revista O Cruzeiro contava fatos sobre a vida dos astros de Hollywood, cinema, esportes e saúde. Ainda contava com seções de charges, política, culinária e moda. Cobrindo o suicídio de Getúlio Vargas em agosto de 1954 a revista atingiu a impressionante tiragem de 720.000 exemplares - até então, o máximo alcançado fora a marca dos 80.000. Daí adiante, o número se manteve. Nos anos 60, O Cruzeiro entrou em declínio com o desuso de suas fórmulas e o surgimento de novas publicações, como as revistas Manchete e Fatos & Fotos. O fim da revista aconteceu em julho de 1975, com a consagração definitiva do instantâneo meio televisivo em favor dos impressos e o fim do império dos Diários Associados de Chateaubriand.

Veja trechos da apresentação da revista O Cruzeiro aos leitores, na sua primeira edição, transcrita aqui com a escrita original:

Depomos nas mãos do leitor a mais moderna revista brasileira. Nossas irmãs mais velhas nasceram por entre as demolições do Rio colonial, através de cujos escombros a civilisação traçou a recta da Avenida Rio Branco: uma recta entre o passado e o futuro. Cruzeiro encontra já, ao nascer, o arranha-céo, a radiotelephonia e o correio aéreo: o esboço de um mundo novo no Novo Mundo. Seu nome é o da constelação que, ha milhões incontaveis de annos, scintila, aparentemente immovel, no céo austral, e o da nova moeda em que resuscitará a circulação do ouro. Nome de luz e de opulencia , idealista e realistico, synonymo de Brasil na linguagem da poesia e dos symbolos.
Timbre de estrellas na bandeira da Patria, o cruzeiro foi, desde o primeiro dia da sua historia, um talisman. Nas solidões do mar, era o fanal nocturno dos navegantes. Vera Cruz, Santa Cruz, foram os nomes sacros que impuzeram á terra nova os nautas-cavalleiros na semana mystica do descobrimento. A armada descobridora apontara á vista dos íncolas attonitos, com as vermelhas cruzes pintadas na pojadura palpitante das vélas. Na terra paradisíaca, por onde Eva andava na verde floresta mais nua do que anda hoje nas praias fulvas de Copacabana, arvorou-se em signal de posse uma cruz, em memoria daquella outra em que um Homem divino fôra crucificado no reinado do lascivo Tiberio. Volvidos quatro seculos, a bandeira nacional recolhia num losangulo de céo a constelação tutelar, restaurando na linguagem dos symbolos o nome do baptísmo de 1500. Cruzeiro é um título que inclue nas suas tres syllabas um programma de patriotismo.
Uma revista, como um jornal, terá de ter, forçosamente, um caracter e uma moral. De um modo generico: princípios. Dessa obrigação não estão isentas as revistas que se convencionou apelidar de frívolas. A funcção da revista ainda não foi, entre nós, sufficientemente esclarecida e comprehendida. Em paíz da extensão desconforme do Brasil, que é uma amalgama de nações com uma só alma, a revista reune um complexo de possibilidades que, em certo sentido, rivalisam ou ultrapassam as do jornal. O seu raio de acção é incomparavelmente mais amplo no espaço e no tempo. Um jornal está adstricto ás vinte e quatro horas de sua existencia diaria. Cada dia o jornal nasce e fenece, para renascer no dia seguinte. É uma metamorphose consecutiva. O jornal de hontem é já um documento fóra de circulação: um documento de archivo e de bibliotheca.

Veja a apresentação completa, acessando: Apresentação da revista Cruzeiro aos leitores

Agora, confira matéria de 10 de novembro de 1928, com previsões sobre como poderia ser o Rio de Janeiro em 1950. É muitíssimo triste ler este texto e ver no que deu...

O Rio de Janeiro de 1950

“Officiellement mon cher Pimenta, tu n’as rien vu”, disse-me Agache após ter feito passar ante meus olhos todos os desenhos, projectos, perspectivas e maquettes, de cujo emmaranhado surge, pouco a pouco, a visão maravilhosa do Rio de Janeiro de amanhã.
Agache e o nosso Prefeito temiam que um plano ainda em simples delineamento, exposto a uma opinião pública ainda não bem preparada, fosse mal apreciado.
Contradictei porém ambos com tal ardor ou taes argumentos que, cansados ou convencidos, elle calarams-e sorrindo.
E quem sorri não desapprova.
Cedi pois, sem constrangimento, ao pedido dos diretores da “Cruzeiro” para transmitir a impressão que trouxe daquella visita ao Rio de Janeiro de 1950, ao Rio de Janeiro de nossos filhos e nossos netos.
Indubitavelmente o plano geral de transformação e desenvolvimento de nossa cidade, projectado para ser concluído dentro de 30 a 50 anos, constituirá um forte e nobre élo entre a geração de hoje e as gerações vindouras, encadeando os sentimentos da nacionalidade, desenvolvendo a consciencia social do povo, fortalecendo enfim a alma brasileira.
Lendo as plantas e contemplando o grande esboço que encerra a concepção geral do novo Rio de Janeiro, senti que Alfred Agache havia compreendido bem as possibilidade formidaveis de progresso de nosso paiz.
Indiscutivel, com effeito, é que o Brasil será dentro de 10 ou 20 annos a mais populosa nação latina do mundo; e como é extenso o seu territorio e enormes as suas riquezas, facil e prever o alento novo que aqui receberá a raça e as fortes e elevadas affirmações de valor que aqui ella dará.
A confiança que o povo brasileiro tem no porvir não nasce portanto da fantasia ou do sentimentalismo senão que se alicerça na razão, nos factos, nos ensinamentos da Historia, na analyse do passado.
É mesmo uma fé do que uma previsão scientifica.
Previsão scientifica, realmente, deve ser o plano de transformação de desenvolvimento de uma cidade.
Eis porque o projecto em elaboração cogita já das ligações que um dia terão de ser feitas entre o Rio e Nictheroy, entre o Rio e a Ilha do Governador, ligações intelligentemente articuladas, que com as avenidas largas, verdadeiras arterias, que se estenderão até aos suburbios extremos da cidade e as grandes ruas que communicarão os arrabaldes e bairros entre si.
Não falta grandiosidade e belleza nessa obra gerada com notavel senso pratico e exacta compreensão das realidades.
Sabe-se aliás que a funcção característica do urbanista é conjugar as necessidades materiaes da cidade com as exigencias superiores da intelligencia.
Alfred Agache conseguiu plenamente tal objectivo no traçado de transformação de nossa Capital.
Não descerei às descripções minuciosas, detalhadas, que pouco interessam.
Deixo de preferencia ao leitor, na nevoa de algumas palavras, um campo aberto á imaginação, ao sonho, ao ideal que é o início de todas as realizações.
O Rio de Janeiro terá majestade e harmonia pela singular expressão artística com que no novo plano são resolvidos todos os seus problemas urbanos.
Em frente á barra da Guanabara, no terreno que se conquistará ao mar pela rectificação do incongruente sacco da Glória, ficará a praça monumental - vestibulo sumptuoso da cidade - reservado ao desembarque das grandes personalidades que aqui aportarem e naturalmente destinado ás manifestações, comicios e demonstrações do povo por se tornar o logradouro de maior area e o principal centro da metropole.
Maravilha de architectura, banhada na luz de projectores occultos, esta praça terá a forma de U retangular com a abertura voltada para o Oceano, descortinando e ao mesmo tempo compondo as mais variadas e encantadoras perspectivas.
Tomando o centro da linha do fundo, a avenida Rio Branco dahi partirá, imponente, com exacto prolongamento do eixo da praça.
Integrar-se-á destarte nossa principal via publica na sua funcção definitiva de entrada nobre da cidade.
Quero que o leitor tenha a visão, embora rapida e fugaz, do futuro Rio de Janeiro, da inegualavel cidade que entrevi nos desenhos e nas palavras de Alfred. Agache, tal como os contemporaneos de Haussmann ante-gozaram nos projectos deste a magnifica realidade que é o Paris de hoje.
(...) Mas o Rio de Janeiro de amanhã será tambem o recreio e a ventura dos forasteiros que desejem nutrir o espírito e encher o coração.
Será o grande orgulho do Brasil e a mais linda metropole do mundo.
Para ler o texto completo, clique aqui

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