quarta-feira, 17 de junho de 2009

Said Barbosa Dib

Supremo decide que é inconstitucional exigência de diploma para ser jornalista
Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira, que é inconstitucional a exigência do diploma de jornalismo e registro profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão de jornalista. O entendimento foi de que o Decreto-Lei 972/1969, baixado durante o regime militar, não foi recepcionado pela Constituição Federal (CF) de 1988 e que as exigências nele contidas ferem a liberdade de imprensa e contrariam o direito à livre manifestação do pensamento inscrita no artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 511961, em que se discutiu a constitucionalidade da exigência do diploma de jornalismo e a obrigatoriedade de registro profissional para exercer a profissão de jornalista. A maioria, vencido o ministro Marco Aurélio, acompanhou o voto presidente da Corte e relator do RE, ministro Gilmar Mendes, que votou pela inconstitucionalidade do DL 972. Para Gilmar Mendes, “o jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados e tratados de forma separada”, disse. “O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada”, afirmou o relator. O RE foi interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que afirmou a necessidade do diploma, contrariando uma decisão da 16ª Vara Cível Federal em São Paulo, numa ação civil pública. No RE, o Ministério Público e o Sertesp sustentam que o Decreto-Lei 972/69, que estabelece as regras para exercício da profissão – inclusive o diploma –, não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Além disso, o artigo 4º, que estabelece a obrigatoriedade de registro dos profissionais da imprensa no Ministério do Trabalho, teria sido revogado pelo artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, mais conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, ao qual o Brasil aderiu em 1992. Tal artigo garante a liberdade de pensamento e de expressão como direito fundamental do homem.
Leia mais no site do STF...
Meus comentários:

Com a aprovação do Recurso Extraordinário RE/511961, os ministros mostram que o direito à liberdade de expressão e à difusão de informações de interesse público não pode ser monopólio de uma casta da sociedade. Teoricamente, como temem os corporativos, qualquer cidadão brasileiro, de qualquer área, poderá se especializar e seguir a carreira de jornalista.
A verdade é: o que está em jogo não é apenas uma disputa corporativa, não é apenas a qualidade técnica dos jornais, não é apenas a questão da fidelidade ética dos profissionais, nem muito menos a preocupação com conceitos abstratos vinculados à democracia, como liberdade de expressão ou direito à informação. O que está em jogo é uma concepção política que, desde o final dos Anos 60, transformou a imprensa brasileira em verdadeiro aríete do capital transnacional contra a soberania da sociedade brasileira. Discussões técnicas superficiais, que destacam apenas o aspecto profissional da questão, sem levar em conta a totalidade de relações que o processo jornalístico implica, são formas de se desviar os verdadeiros problemas do papel da imprensa no Brasil contemporâneo. O argumento simplista dos corporativos de que, assim como médicos e engenheiros, os jornalistas precisariam de um curso superior é falácia tola. Profissionais de nível superior, que exigem formação altamente especializada, com exigências muito específicas, como medicina, direito e engenharia, têm razão em exigirem controle mais apurado sobre o desempenho de suas funções. Não é, por certo, o caso do jornalismo, profissão que trata, por definição, de temas gerais, como os problemas de todas as demais profissões e da sociedade como um todo. Portanto, necessariamente deve ser exercido por qualquer um, desde que demonstre aptidões para tal – aptidões que não dependem de diplomas, mas de vontade, dedicação e competência. Ou seja, é tão idiota exigir diploma para quem exerce o jornalismo como seria energúmena a exigência de uma licença do Estado para se escrever poesias, roteiros de filmes, prosas, romances ou letras de músicas.


Mito da neutralidade tecnicista norte-americana versus jornalismo de opinião

Na verdade, o que se quis com o Recurso Extraordinário no Supremo não é nada novo. Pelo contrário, trata-se de um resgate, pois a profissão de jornalista foi deturpada, com objetivos bem claros de manipulação, pela fase mais dura do regime militar (1968), quanto o processo de desnacionalização da imprensa no Brasil andava pare-passo com o processo de internacionalização de nossa economia. Era a aliança do regime de força com as transnacionais, com vistas, através da separação entre a sociedade e os formadores de opinião, ao controle da opinião pública. A transformação do jornalista em um mero profissional da informação, alienado da realidade, separado de outras áreas, um técnico anêmico, “despolitizado”, facilitava o controle. Era o mito do jornalismo norte-americano de “neutralidade da notícia” chegando às terras tupiniquins, justamente quando grupos poderosos da mídia dos EUA, como o TIME LIVE, aqui aportavam. Assim, a exclusividade determinada pela exigência do diploma passou a ser uma estratégia dos grandes grupos de mídia, assumida para a formação uma indústria de massa. Estabeleceu-se um período de transição para a regularização dos que já trabalhavam e, passado certo tempo, só formados em faculdades de Comunicação puderam ser contratados pelas empresas. Era a pulverização da totalidade existencial do jornalista-cidadão, que assumia suas posições e opiniões, em um ser fragmentado pela ideologia empresarial a serviço do mercado e, portanto, do lucro das empresas contratantes. Era a transformação do ofício em mera mercadoria. Assim, foi decretada a morte da diversidade de formações e, portanto, de opiniões. O verdadeiro caldeirão intelectual de senso crítico e criatividade, que fermentava a produção jornalística das redações até o final da década de 60, foi amordaçado pelo mito da imparcialidade na descrição dos fatos. Médicos, engenheiros, matemáticos, físicos, juristas, professores, autodidatas sem diplomas (mas inteligentes), profissionais de diversas áreas (mas competentes e criativos), foram proibidos de contribuir com suas experiências para a sociedade. Neste cenário, gigantes do jornalismo brasileiro, como um Rui Barbosa, um Carlos Lacerda ou um Helio Fernandes, jamais teriam espaço. E não tiveram. E era justamente o que se pretendia. Assim, perdeu a sociedade. Perderam os leitores, ouvintes e telespectadores. Perderam a cidadania e o pensamento crítico. Perdeu o Brasil. Ganharam aqueles grandes grupos amestrados vinculados ao grande capital estrangeiro, com seus empregadinhos - repassadores frios de fatos deturpados e divulgadores de ideologias alienígenas-, formados pelo taylorismo das faculdades de comunicação. Não foi por outro motivo que foi justamente neste período que empresas apátridas, como o Grupo Abril e a Rede Globo, se tornaram potências.

O verdadeiro problema não é quem pode ou não ser jornalista, mas quem pagará para escrever...

Agora, com a decisão do Supremo, há a chance não de se inovar, mas de se reparar um erro que foi premeditado pelas forças que sempre quiseram amordaçar os que nunca aceitaram a submissão do Brasil. Os argumentos corporativos dos atuais jornalistas “formados” não têm fundamentação nenhuma diante da realidade atual da imprensa, há muito subjugada pelo grande capital transnacional. Isto porque, a direção de empresas jornalísticas, graças a uma lei do tempo de João Goulart, ratificada pela atual Constituição (1988), cabe exclusivamente a brasileiros. Porém, hoje, os grandes conglomerados estrangeiros julgam desnecessário reformá-la nesse ponto, pois é fácil recrutar apátridas locais para as causas anti-nacionais. E as faculdades de jornalismo são, hoje, verdadeiras usinas de amestrados que, iludidos de que desempenharão uma jornalismo "neutro", imparcial, acabam manipulados pelos donos das empresas jornalísticas, prejudicando a sociedade brasileira. Todos sabem que há muito as empresas alienígenas burlam tais exigências legais. Duas CPIs, uma em 1963, outra em 1966, investigaram a penetração do capital estrangeiro nos meios de comunicação. Nas conclusões da primeira, o então deputado João Dória (pai do almofadinha júnior conhecido hoje), então presidente da CPI e um patriota, afirmou: "Em 1960 os dispêndios em publicidade somavam US$ 110,8 milhões (o equivalente a mais de US$ 1 bilhão em valores atuais), 37% à televisão, 28% ao rádio e o restante a outros meios. A veiculação dessa publicidade está em agências, dominadas por apenas oito companhias estrangeiras. Reunidas na Associação Brasileira de Agências de Propaganda – Abrap. Controlam, ainda, a Agência Brasileira de Publicitários. Em 1959, os 11 principais anunciantes do país formaram a Associação Brasileira de Anunciantes – ABA, que incorporou mais 19. Dos 30, quase todos eram grupos estrangeiros. Grande número de revistas e jornais de posição nacionalista viu-se obrigado a suspender as edições por falta de publicidade, apesar de ter índices de vendagem mais altos do que órgãos brindados por frondosa publicidade. Além disso, organizaram-se no Brasil várias empresas jornalísticas subsidiárias de empresas americanas". Estas palavras de João Dória são sobre dados de 1960. Imagina-se qual não é a realidade de hoje, com todo esse processo de abertura criminosa provocado pela globalização? O fechamento de jornais por questões econômicas, portanto, infelizmente, é a coroação de um processo perverso de controle e neutralização da nacionalidade brasileira pela mercantilização e alienação de tudo sob a égide do capital estrangeiro. Isso está inteiramente associado às tentativas constantes de se jogar o Brasil de joelhos perante um modelo econômico assassino e submisso. Modelo alimentado pelo marketing, pelo falso entretenimento, pela desinformação, pela concorrência desagregadora, pela subserviência de nossas elites tacanhas, pela macaquice do show-bussines americano; coisas trazidas pela mídia estadunidense desde JK, ampliadas pelos militares e, atualmente, transformadas em modelo de "progresso" pela "Idade das Trevas" da fase apátrida “FERULA”, FHC/Lula. E a complacência, claro!, dos “neutros” jornalistas produzidos em série nas usinas de mentes vazias das faculdades. Jornalistas que, mesmo sabendo de tudo isso, ainda têm a cara-de-pau de falar, em seu manifesto corporativo, de coisas como “Direito à informação independente e plural, condição indispensável para a verdadeira democracia''.
Contradição Insolúvel: o público e o privado

A manipulação privada e estrangeira de informações públicas, portanto, é o grande problema, principalmente num contexto de mercantilização de tudo. Esta é a grande questão a ser enfrentada e traz à tona a discussão acerca da própria longevidade e eficácia da nossa democracia. Assim como a saúde, as notícias não deveriam jamais ser vistas como uma simples mercadoria. Todos os jornais, dos mais sóbrios aos mais ousados ou sensacionalistas, preocupam-se quase que totalmente com a apresentação. Afinal, tudo, como reza o modelo globalizado, é visto como uma mercadoria. E a informação não seria diferente. Para aumentar a venda do “produto” informação, não apenas o conteúdo, mas também a embalagem tem que ser atraente.É preciso considerar, contudo, que a empresa jornalística coloca no mercado um produto muito específico: a mercadoria política. Nesse tipo de negócio há dois aspectos a se levar em conta – o público e o privado. A esfera pública relaciona-se ao aspecto político; o privado, ao empresarial. E é aí que temos uma contradição insolúvel. Pois a informação e o acesso a ela são direitos públicos garantidos pela Constituição, mas o jornalismo é, geralmente, uma atividade privada, voltada, hoje, exclusivamente para o lucro. Como conciliar estas esferas excludentes num mesmo elemento?

Limites difusos

Os empresários-jornalistas atuam na esfera privada, orientados pela lógica do lucro. Como qualquer empresa capitalista, enfrentam os concorrentes com todas as armas de que dispõem: notícias, opiniões e atrativos diversos para atender a todos os gostos. No entanto, a imprensa é também, ou deveria ser, veiculadora de informações de utilidade pública, portanto, de direito público, e nesse papel norteia-se pelo princípio de publicidade, colocando-se como intermediária entre os cidadãos e o governo. O jornalista, neste cenário, não é agente ativo da produção jornalística. Não passa de “fator” de produção, como qualquer empregado de uma indústria de salsichas, por exemplo. A produção de informações, a edição e a divulgação do material produzido, não dependem dos profissionais contratados, mas dos donos dos jornais. Donos que não estão preocupados com a liberdade de expressão, com as opiniões ou com as verdades da sociedade, mas com o lucro. Falar, portanto, que o monopólio do diploma por um grupo de jornalistas seja condição essencial para a liberdade de expressão é piada de mau gosto. Segundo a tradição liberal, no entanto, os governantes devem tornar públicos seus atos e tomar conhecimento dos anseios dos governados. A imprensa seria o canal entre ambos. Nos Estados liberais, as constituições garantem a todos a liberdade de expressar sua opinião e de obter informações. A imprensa seria o veículo apropriado para esses fins. Formalmente, todos são livres e iguais perante a lei, mas na prática uns são mais livres e iguais. Ocorre então que, neste mundo desigual, a informação, direito de todos, transforma-se numa arma de poder manipulada pelos poderosos, num instrumento de defesa de interesses privados, difundindo mentiras e desvirtuando a função primeira da imprensa: a cidadania. Nessa verdadeira salada caliginosa, nessa confusão jurídica, onde se mesclam o público e o privado, os direitos dos cidadãos e suas opiniões não são dos cidadãos, nem tampouco dos jornalistas, mas dos donos de jornais, fazendo predominar as visões de mundo de certa elite apátrida pouco preocupada com as necessidades da nacionalidade. E, tragicamente, estas elites são ou estrangeiras ou submissas a elas. Como podem os empresários-jornalistas exercerem, de forma independente, o dever da crítica se estão ligados estruturalmente às pessoas e aos grupos que deveriam denunciar? Os compromissos que eles estabelecem na esfera privada não desaparecem quando atuam na esfera pública. A confusão entre o público e o privado, portanto, define os limites do chamado quarto poder.

Conclusão: queremos mais Helio Fernandes da vida


A decisão do Supremo foi importante. É claro que não queremos nem o corporativismo tutelado pelas transnacionais dos jornalistas, nem a total falta de controle. Em ambos os casos, o grande problema é a confusão que há entre atividade jornalística e a mera publicidade. Confusão esta gerada pelo caráter mercadológico da lógica capitalista globalizada. A atividade dos jornais, numa sociedade que se pretende democrática e plural, é importante demais para ser tratada como se fosse salsicha, ou outra mercadoria qualquer. A participação de profissionais de outras áreas nos jornais trará, sim, substância e riqueza aos jornais. Talvez, assim, tenhamos novamente excelentes jornalistas provindos de outras áreas, como Helio Fernandes, Rui Barbosa, Afonso Arinos, Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Lacerda, etc., que hoje, estariam, pela atual regulamentação, impedidos de exercer a profissão. Mas, claro que isso não pode ser feito de uma forma açodada e sem critérios. A solução mais razoável, enquanto não se pode renacionalizar e desprivatizar os próprios jornais (uma medida estrutural), parece ser mesmo o que está cogitando o ministro da Educação: os profissionais de qualquer área, que se interessassem em exercer o jornalismo, fariam um curso de adaptação de seus próprios currículos às exigências mínimas do jornalismo. Seria uma espécie de curso de especialização, que daria direito aos formandos de exercerem o jornalismo. Esta solução meio que salomônica não resolveria a questão do controle privado sobre informações de interesse público, mas, com certeza, melhoraria bastante o nível dos atuais jornalistas.

Veja o que já foi publicado neste Blog a respeito...
Veja também o que escrevi sobre o assunto em 2001, no “Observatório da Imprensa”:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/iq3005200193.htm
Leia também: A Liberdade de Expressão e o Diploma

Nenhum comentário:

Postar um comentário