Desde 2001, o Fórum Social Mundial e o Fórum Econômico Mundial duelam concepções distintas. Uma das maneiras de se medir as forças de cada um dos lados é pela repercussão que alcançaram. Em três artigos, são feitas estimativas sobre a dimensão global de cada um deles, em suas edições de 2010. Os dados refletem, em boa medida, as capacidades do FSM e do WEF em mobilizar pessoas e organizações, de suscitar o debate público e conquistar opiniões favoráveis ou contrárias a suas ideias. O primeiro artigo é sobre a língua dos fóruns e sua presença em vários países.
Primeiro duelo: a língua dos fóruns e seus países
Por que um duelo ao sol?
Entre as várias comparações possíveis entre o FSM (Porto Alegre, Salvador, Madri e várias outras cidades) e o WEF (Davos), uma delas consiste em medir sua dimensão global, a partir de suas capacidades de mobilizar pessoas e organizações, de suscitar o debate público e conquistar opiniões favoráveis ou contrárias a suas ideias.
Uma forma disto ser feito, de modo a se obter resultados numéricos, é rastrear a exposição e a repercussão das informações que podem ser obtidas pelo principal meio de comunicação da atualidade: a internet.
Pelo fato de serem, por definição, espaços de debate, a dimensão discursiva do FSM e do WEF se desdobra, quase que instantaneamente, em dois tipos de produto para a rede: notícias e opinião. Ambas podem ser localizadas e quantificadas com o uso de motores de busca e pela pesquisa nas próprias páginas dos veículos de comunicação.
Escolhido o local do duelo (a internet), foi preciso estabelecer dia e horário para a contenda. Como critério metodológico, esta pesquisa abrangeu as notícias e opiniões que faziam referência a cada um dos fóruns, ou a ambos, durante todo o mês de janeiro de 2010 até o dia seguinte aos seus encerramentos. No dia 1° de fevereiro, por volta das 13 horas, horário de Brasília (meio dia, se desconsiderado o horário de verão), 15 horas em Davos, se iniciou e se concluiu o levantamento de dados sobre estes dois eventos que, desde 2001, confrontam concepções distintas.
A língua dos fóruns
FSM..................................................WEF
Português - 730000....................... Português - 189000
Espanhol - 370000..........................Espanhol - 416000
Inglês - 143823..............................Inglês - 3600000
Francês - 109000............................Francês - 226000
Alemão - 76800.............................Alemão - 523000
Italiano - 9180...............................Italiano - 10900
Total 1438803...............................Total - 4964900
Fonte: todas as tabelas foram organizadas pelo autor deste artigo com base em dados de pesquisa avançada do Google, com testes de consistência realizados no Altavista, Hotbot, AllTheWeb. Detalhes sobre a metodologia, para os interessados, serão disponibilizados em página cujo link estará indicado no último artigo.
O WEF teve quase três vezes e meia (3,45) mais exposição do que o FSM (WEF/FSM), nas línguas pesquisadas. O único caso em que o FSM superou o WEF foi em língua portuguesa, por conta da repercussão brasileira (há razões não tão óbvias sobre isso e que serão explicadas nos artigos seguintes).
FSM x WEF (percentuais de exibição)
Fórum %
FSM 22,47
WEF 77,53
Total 100
FSM...................................WEF
Português - 51,03%...... Inglês - 72,51%
Espanhol - 25,86%......Alemão - 10,53%
Inglês - 10,05%..........Espanhol - 8,38%
Francês - 7,62%.......... Francês - 4,55%
Alemão - 5,37%....... Português - 3,81%
Italiano - 0,07%......... Italiano - 0,22%
Total 100,00%............. Total 100,00%
A vantagem do WEF se deve à exibição obtida em países de língua inglesa, que representa quase 80% de tudo aquilo que dele se informa ou comenta. É aí que a distância se torna abissal. O FSM tem apenas 10% de suas notícias e opiniões produzidas e divulgadas em inglês, enquanto o WSF tem, nesta língua, mais de 70% (72,51%) de suas aparições. Mais de 75% do que se produz sobre o FSM aparece em Português ou Espanhol, mas em números absolutos bem menores. Não fosse por tal diferença, os dois fóruns estariam praticamente empatados.
Comparados a outros assuntos, pode-se ter uma medida relativa da dimensão de cada fórum. O tema do Haiti, sem dúvida um dos evidentes – se não o mais – da agenda pública internacional no último mês, foi 368 vezes maior que o FSM e 107 vezes maior que o WEF. O assunto “Barack Obama” foi 113 vezes mais repercutido do que o FSM e 38 vezes maior que o WEF. A guerra do Iraque foi 98 vezes mais noticiada e debatida que o FSM e 28 vezes mais do que o WEF. Estes números não demonstram irrelevância, principalmente se comparados a outros também de grande exposição. Por exemplo, o FSM teve exibição maior que a metade (0,6) da recebida pela questão do acompanhamento, por parte da Organização das Nações Unidas, aos programas nucleares dos mais diversos países. O WEF foi exposto mais do que o dobro deste mesmo tema.
Análise por países
País........................................FSM.......WEF
Brasil.....................................53%........2,88%
EUA, UK, Austrália e outros................. 15%.......77,88%
França......................................11%........ 3,33%
Espanha.....................................10%....... 3,01%
Alemanha.................................7%........ 10,58%
Argentina.................................2%.......... 0,44%
México..................................... 2%........... 1,65%
Itália................................... 1%........... 0,24%
Total...................................100%......100,00%
O Fórum Social Mundial (FSM) ocupa um espaço significativo, mas ainda bastante concentrado no Brasil. Mais da metade do que se produz sobre o Fórum é feito aqui. Os dados confirmam, portanto, o desafio de se atrair uma maior projeção internacional, sob o risco dele consolidar-se como um fórum eminentemente brasileiro, o que não faria bem à denominação “mundial”.
Em comparação, o WEF é bem mais concentrado. Apesar de ocorrer em Davos, na Suíça, ele bem pode ser qualificado como um fórum angloamericano, dada a concentração de quase 80% nos EUA e (bem menos) nos países da comunidade britânica. O fato das duas maiores praças financeiras internacionais e suas respectivas bolsas estarem localizadas em Londres e Wall Street associam-se muito diretamente ao grande interesse pelas discussões sobre os rumos da economia internacional, anualmente discutidos em Davos por chefes de Estado, representantes das maiores corporações e grandes financistas.
Se, por um lado, a exposição do FSM em países de língua inglesa é pequena (15%), por outro ela já supera a de um país que tradicionalmente teve importante papel nas várias edições do Fórum: a França, que respondeu por 11% de sua exposição em 2010. A presença constante de franceses de projeção internacional, no meio intelectual, político e jornalístico, e a cobertura feita pelo “Le Monde Diplomatique” certamente ajudam a explicar o destaque do FSM entre os franceses.
Proporcionalmente, o número de notícias e opiniões veiculadas por aquele país poderia ser considerado elevado, tendo em vista, por exemplo, que a população da França é menor que a brasileira. Mas é baixa se tomada em conta a produção informacional de cada país na rede.
A comparação entre os percentuais de FSM e WEF entre cada país pode servir como um indicador aproximado do grau de engajamento em cada um dos fóruns. Por exemplo, França, Espanha, Argentina, Itália e México exibem uma quantidade maior de matérias sobre o WEF do que para o FSM, mas sua participação no conjunto de exibições sobre o FSM é mais relevante do que para o WEF.
A Espanha, que já havia recepcionado, em 2006, debates do Fórum sobre migrações, em 2010 demonstrou uma participação expressiva (10%), próxima à francesa.
A disputa é dura e o WEF, pelos atores que reúne (mais ricos e mais poderosos), leva vantagem. Na batalha de Davi contra Golias, com um adversário cujo tamanho é três vezes e meia maior, os ataques do FSM dependerão muito de sua futura pontaria.
O FSM conversa mais em Português e Espanhol. O WEF fala muito mais em Inglês. Tudo bem, por enquanto, mas vai ser preciso diminuir esta distância. O WEF está mais exposto publicamente do que o FSM, principalmente pelo volume gigantesco de informações produzidas e disponibilizadas pelos EUA. Vai ser preciso inventar alguma coisa maior do FSM por lá.
O FSM é menos concentrado do que o WEF, “pero no mucho”. Por seu formato aberto, o FSM tem mais facilidade de ser construído a partir do local para o global, enquanto o WEF, dado seu formato fechado, tem características “de cima para baixo” (“top-down”). O FSM está mais para aldeia global. O WEF está mais para reunião de cúpula. Azar o deles.
Há duas frentes de batalha: uma consiste em manter e talvez ampliar as edições descentralizadas, com sedes espalhadas por todos os continentes, pois isso claramente facilita a atenção e as possibilidades de cobertura por militantes, organizações, interessados e curiosos que vivem nos países e localidades mais próximas. Fazer o próximo fórum em Dakar, no Senegal, é importante para se firmar o Fórum no Continente Africano, mas seus embates precisam ser travados igualmente nas Américas, na Europa e na Ásia. A segunda é intensificar o time de produtores de notícias e de opiniões sobre o FSM, de modo a alimentar a rede e superar, em repercussão, não estritamente do WEF, mas muitos dos assuntos que têm tido uma supremacia conservadora no debate para o grande público.
Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), professor de Ciência Política e assessor da Presidência da República. É um dos autores do livro “Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento”.
VEJA OUTRAS COLUNAS DO COLUNISTA POR DATA
VEJA OUTRAS COLUNAS DO COLUNISTA POR TÍTULO
Nenhum comentário:
Postar um comentário