sábado, 13 de fevereiro de 2010

Seis quartos vazios

A dor e a esperança das mães que continuam sem notícias dos jovens desaparecidos misteriosamente no interior de Goiás
Marcelo Rocha, de Luziânia (GO)

Nas camas, lençóis e travesseiros dos quartos vazios repousam as lembranças de Diego, Flávio, Márcio, George, Paulo Vítor e Divino. Esses são os nomes dos seis rapazes, entre 13 e 19 anos, desaparecidos nas últimas semanas em Luziânia, cidade de 300 mil habitantes a 60 quilômetros de Brasília. O vazio dos quartos é o refúgio das mães que não têm notícias dos filhos. Desesperadas, elas continuam sem respostas para o mistério sobre o sumiço – um drama que teve início no final de 2009 e continuava sem solução até a quinta-feira. No dia 30 de dezembro, Diego Alves Rodrigues, de 13 anos, acompanhou o padrasto e um sobrinho até uma oficina na vizinhança. Ao voltar sozinho para casa, nunca mais apareceu. A camiseta e a bermuda que escolheu para vestir continuam no mesmo lugar. “Meu menino... tão vaidoso”, lembra a dona de casa Aldenira Alves de Souza, de 52 anos, ao abrir o quarto e mostrar as roupas, as fotos, a televisão e o computador do caçula. Diego foi o primeiro a sumir. Até a semana passada, haviam fracassado as investigações policiais na busca de pistas sobre o paradeiro dele e dos outros cinco rapazes. “Tenho de sentir o cheirinho dele. Só assim consigo deitar, descansar um pouco”, diz a analista de contas Valdirene Fernandes da Cunha, de 36 anos, mãe de Flávio Augusto dos Santos, de 14 anos, estudante da 8a série do ensino fundamental. Valdirene passou a dormir na cama de Flávio desde seu desaparecimento, em 18 de janeiro. O garoto dormia quando a mãe o viu pela última vez. “Ele estava de férias e ficava na cama até mais tarde.” Saiu de bicicleta de manhã e não voltou. Os jovens de Luziânia sumiram num intervalo de apenas 25 dias, sem deixar vestígio – uma situação atípica, mesmo para uma região com histórico de desaparecimentos. Nas ruas da cidade, há muitas versões e nenhuma explicação. Fala-se de pessoas e carros suspeitos rondando o lugar, mas nada se confirma. A polícia chegou a rascunhar retratos falados, mas não os divulgou por falta de convicção. O perfil dos seis jovens complica ainda mais o caso. Não há entre eles, segundo informações dos policiais, antecedentes criminais que possam estar relacionados aos sumiços. Todos cumpriam tarefas corriqueiras antes de desaparecer – um saiu para consertar a bicicleta, outro foi à casa da namorada. Os seis não se conheciam. Em comum, apenas o bairro em que cinco deles moravam – e onde o sexto trabalhava: o Parque Estrela Dalva, região mais carente da cidade, onde moram 50 mil pessoas. Ali, poucas ruas têm asfalto e o mato há muito não sofre poda. A polícia declara que todas as hipóteses são consideradas, mas, a julgar pelas características dos desaparecimentos em série, ela tem direcionado a apuração para a atuação de quadrilhas envolvidas com o tráfico de seres humanos para exploração sexual ou trabalho escravo. Mãe de George, de 17 anos, a dona de casa Sirlene Gomes de Jesus, de 42 anos, se ressente do fato de a Polícia Civil de Goiás, responsável pela investigação, ter demorado a agir. “Quando começaram a investigar, meu filho já estava sumido havia nove dias”, afirma. George desapareceu no dia 10 de janeiro. Ele saiu de casa, visitou a namorada, moradora do mesmo bairro, e não voltou. Esteve com amigos, mas nenhum tem pistas sobre seu paradeiro. Sentada na cama do filho, Sirlene se recorda da última conversa que teve com o filho. “Ele me prometeu maneirar na bebida. Esse era o único vício dele: a bebida”, diz. Maria Lúcia da Silva Lopes, de 54 anos, é mãe do auxiliar de serralheria Márcio Luiz de Souza Lopes, de 19 anos, o último a desaparecer, no dia 22 de janeiro. Maria Lúcia mantém o quarto do filho, construído nos fundos do lote, “arrumadinho para quando ele voltar”. A copeira Sônia Vieira de Azevedo, de 45 anos, é mãe de Paulo Vítor, de 16 anos. Um pouco antes de sumir, no dia 4 de janeiro, ele pagou uma conta na lotérica, deixou o comprovante com o tio e disse que iria “dar uma volta”. A mãe se diz impotente. “É o mesmo que querer agarrar uma coisa e não alcançar.” Segundo estimativa da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, em torno de 40 mil crianças e adolescentes desaparecem por ano. Cerca de 20% desses casos não são esclarecidos. Em 2009, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás catalogou 111 casos de desaparecimentos em Luziânia, sete a mais do que o observado no ano anterior. “Luziânia merece tratamento especial na questão do desaparecimento”, afirma Fermino Fechio, ouvidor nacional de Direitos Humanos. “Respeitamos o trabalho da polícia, mas há muita desatenção em relação a essas famílias.” O promotor de justiça Ricardo Rangel, que atua em Luziânia, também se diz insatisfeito com o aparato policial da cidade. “Eu acho que não foi dada a devida importância a esses desaparecimentos.” Mesmo reconhecendo que a polícia local tem dificuldades estruturais para agir mais efetivamente, Rangel não poupa críticas. Para o representante do Ministério Público, a demora para o início das investigações se deve à falta de atenção que normalmente é dada aos casos de desaparecimento. “É um vício que precisa ser corrigido. A polícia só começa a operar o crime, a investigar, depois que acham o corpo.” A Polícia Civil de Luziânia argumenta que deu atenção aos casos desde o início. A diarista Marisa Pinto Lopes, de 42 anos, assumiu o papel de investigar. Ela é mãe de Divino Luiz Lopes da Silva, de 16 anos, desaparecido desde 13 de janeiro. Todo dia, depois de chegar em casa – ela não conseguiu dispensa –, por volta das 19 horas, ela pega o carro e, em companhia da filha e o namorado, circula pela cidade em busca de uma pista do filho. “Não posso esperar de braços cruzados.”
Matéria da Revista “Época”

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