sexta-feira, 6 de agosto de 2010

José Sarney

Uma eleição sem jeito de

O PMDB tocou no ponto chave do problema da América Latina e, por conseqüência, brasileiro: aprofundar a democracia. A Constituição de 88, boa no capítulo dos direitos individuais e sociais, criou barreiras para atingirmos esse objetivo. Sem a consciência de que a democracia é um modo de vida, crescem poderes autônomos de setores da administração pública, do Judiciário, do Legislativo, criando áreas de privilégios, que, embora não sejam pessoais, têm a força de transformá-los em grupos superiores ao povo. Não se pode ter democracia aprofundada com as medidas provisórias que acabam com o Legislativo; e sem elas passou a ser impossível governar. Resultado, no Congresso desapareceu o debate, só passam matérias anódinas ou por consenso: as bondades, que não são aquelas que viu Pero Vaz de Caminha, mas as que denunciam os jornais, como trens da alegria, privilégios, prerrogativas de funções e mais e tal. Estamos presenciando a regressão do que é a democracia. Com o exagero de controles desapareceram as campanhas, a capilaridade na discussão de problemas e ideias, para restarem blogs, notícias de jornais, e a avassaladora dominância da televisão. O eleitor, o povo mesmo, é mero coadjuvante. Amarraram tanto as regras, impuseram tantos entraves, que o processo político passou a ser sobretudo um processo jurídico. Tenho um amigo candidato que me diz ter mais advogados do que eleitores. Ora, a democracia é um estado de consciência que se exercita pela educação. Pelos seus acertos e pelos seus erros. Pela prática. Não pode ser concebida como um processo de tutela, uma sala de aula em que só se faz o que o professor ensina e manda fazer. É assim que pensam os caudilhos, nada mais, com todas as letras, que o autoritarismo. Não há só ditadura de homens, mas também de instituições. Já se disse — e foi Duverger — que a ditadura do Congresso era pior do que a do Executivo e que a da Justiça era pior ainda que a dos outros poderes. Já se queixam da ditadura do Tribunal de Contas, da Controladoria da União, do Banco Central, da Polícia Federal, da CBF, do Ministério Público, da Beija Flor, da Vai-Vai, enfim, ditadura do papai, da mamãe — e até estes da ditadura dos filhos. A verdade é que estamos no período das eleições e não vemos eleições. Ela está restrita aos tribunais e começou ontem a dar sinais de vida com o primeiro debate na TV dos presidenciáveis. Na cultura da internet vivemos uma eleição virtual. Ela existe, funciona, mas ninguém vê. No mais, por falar em internet, a grande notícia é que ela matou a Playboy, a grande marca hedonista. Para ver peladas passe o dia visitando sites.

José Sarney
foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa

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