terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Geopolítica do gás: uma opção energúmena reflexo da subserviência ideológica de nossos “líderes”


Com a paranóia do “Apagão” tucanóide revigorada agora pelo governo petista, volta à cena a discussão sobre as termelétricas. Desde FHC está sendo introduzido no coração do sistema energético brasileiro um insumo caro, de origem externa, que veio substituir um insumo gratuito, de origem interna e ainda bastante disponível. Isso, em si, não invalida o uso do gás, que, como veremos abaixo, tem outros motivos defensáveis. Porém, só uma subalternidade automática e cega explica que o Brasil tenha aceito pagar em dólares, indexados ao preço do petróleo, por um gás natural que só ele pode consumir. Bolívia e Argentina não têm outro cliente. Seu gás não é comercializável em outras regiões do planeta. Ou o deixam sob a terra, onde está há milhões de anos, ou o vendem para o Brasil. Não deveríamos chantagear nossos vizinhos por isso. Mas, por que não aproveitamos a parceria energética — para eles, inevitável; para nós, desejável — como ponto de apoio para fortalecer uma zona regional de cooperação e desenvolvimento centrada na própria moeda brasileira? Por que aceitamos dolarizar o mercado de energia no coração da América do Sul? Por que não nos ocorreu fazer o que os americanos sempre fizeram através do Eximbank, ou seja, trocar o gás por créditos a serem usados em compras dentro da nossa própria economia? Ou, então, por que não criamos uma moeda contábil, manejada pelos bancos centrais dos países envolvidos, para uso em compras dentro do espaço regional, que logo poderia ser ampliado em direção à Venezuela, a potência energética do continente?
A resposta é simples: porque aceitamos ser subalternos. Bolívia e Argentina, lançadas na mesma trajetória que a nossa, venderam a empresas multinacionais suas enormes reservas. Ao contrário do que se diz, o Brasil não está comprando gás dos governos boliviano e argentino, mas sim da Enrom (americana) e da YPF (a antiga "Petrobrás" argentina, já privatizada, hoje também controlada por capitais americanos). Só a Chapeuzinho Vermelho e o Doutor Pangloss — personagens que, como se sabe, estão vivos e ativos nas redações dos grandes jornais brasileiros — acreditam que estamos diante de um livre jogo de mercado. Diretamente ou por meio de cruzamentos acionários, formalizados em paraísos fiscais, essas empresas atuam em todas as pontas do processo: vendem gás, constroem termelétricas, compram distribuidoras, e assim por diante.
O sistema energético brasileiro precisa, de fato, de usinas térmicas, mas não dessas que nos estão sendo impostas. Nos anos bons de chuva, os reservatórios ficam tão cheios que não precisamos ligar nenhuma térmica. Mas é bom que elas existam, pois nos permitem operar mais ousadamente o sistema hidrelétrico, que é probabilístico. "Se eu conto com uma térmica de reserva", diz Roberto d’Araújo, do Instituto Ilumina, "posso decidir usar mais o reservatório, produzindo mais energia e ampliando o espaço disponível para fazer novos estoques de água em chuvas futuras. A térmica funciona como minha apólice de seguro. Se ela não existir, tenho de fazer uma gestão mais conservadora da base hídrica."
Por isso, corretamente operado, o sistema brasileiro apresenta uma característica paradoxal: as térmicas podem ceder ao sistema, indiretamente, mais energia do que elas mesmas são capazes de gerar, pois na maior parte do tempo servem apenas para permitir uma operação mais arrojada das hidrelétricas. Mas, para poder cumprir esse papel, devem ser instaladas, sabendo-se que permanecerão desligadas durante grande parte do tempo.No modelo que se está implantando, isso não poderá ocorrer, pois o Brasil assinou um contrato pelo qual tem de pagar pelo gás da Bolívia — ou melhor, da Enron — mesmo se não o utilizar. Assim, as térmicas ligadas ao gasoduto ficarão em funcionamento sempre, porque seu combustível será pago de qualquer forma. Resultado: nos meses de chuva, o Brasil jogará fora a água (energia gratuita) e pagará o gás (em dólar e com indexação ao preço do petróleo), impedindo a otimização do sistema. Pois essa água que terá de ser jogada fora hoje (por falta de capacidade de armazenamento) faltará mais adiante. A construção de usinas térmicas tem sentido, desde que elas se integrem a um sistema que é cooperativo e planejado. Mas não têm sentido se forem usadas para romper a lógica do sistema. Como está sendo feito hoje, elas são o cavalo de Tróia.


* Para se aprofundar na questão, ver excelente e esclarecedora reportagens de César Benjamin, na revista "Caros Amigos" (Edição 51 Junho, 2001), onde o jornalista explica as razões que levaram o país ao estado de escuridão durante o tucanato de FHC.


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