terça-feira, 8 de setembro de 2009

Apostando no obsoleto...

A crítica ao projeto TAV (trem-bala)

Por Richard M. Stephan (*)

(Alerta em Rede) - Na página da Agência Nacional de Transporte Terrestre (www.antt.gov.br) encontra-se disponível o relatório conjunto preparado pelas empresas de consultoria Sinergia (brasileira) e Halcrow (inglesa) sobre a ligação de trem de alta velocidade entre as cidades Rio-São Paulo-Campinas.

No volume 4, “Operações Ferroviárias e Tecnologia”, Parte 2, Relatório Final, página 18, consta que as vantagens da tecnologia de Levitação Magnética (MagLev) comparativamente à tecnologia dos Trens de Alta Velocidade (TAV) roda-trilho são:

- traçados mais íngrimes (10% contra 4%),

- aceleração e desaceleração maiores (permitindo paradas com menor comprometimento do tempo total de percurso),

- curvas mais fechadas,

- menor impacto ambiental,

- traçados evitando áreas ambientalmente sensíveis e reduzindo comprimentos de túneis e viadutos.

Além disso, podemos acrescentar:

- velocidades de cruzeiro maiores (450km/h contra 350 km/h),

- menor consumo de energia,

- manutenção mais simples,

- menor emissão de ruído para uma dada velocidade

Este mesmo relatório, reconhecendo estas significativas vantagens de traçado, reporta:

“Isto significa que um traçado MagLev seria completamente diferente de um para um TAV roda-trilho de aço e necessitaria um procedimento diferente para aprovação de projeto e planejamento”.

Evidentemente, pode-se concluir que o traçado para o MagLev seria extremamente favorável. No entanto, o relatório sentencia punitivamente: “Por estas razões, MagLev não foi ativamente considerado no desenvolvimento do TAV”.

Trata-se de uma verdadeira agressão a qualquer lógica de bom senso, o que me obriga, como professor, a tentar apresentar uma abordagem didática para o melhor entendimento do assunto. Afinal, o projeto está orçado em R$34,5 Bilhões e merece uma discussão ampla e bem informada.

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    Existem três tecnologias de levitação promissoras para transporte, classificadas como: eletromagnética (EML), de forças atrativas; eletrodinâmica (EDL), de forças repulsivas; e supercondutora (SML) baseada, esta última, na fantástica propriedade diamagnética imperfeita dos supercondutores de elevada temperatura crítica, sintetizados apenas em 1987. As duas primeiras são indicadas para transporte de alta velocidade e vem sendo discutidas há mais de 40 anos pela comunidade internacional nas conferências MAGLEV, que ocorrem a cada dois anos, desde 1968. A vigésima edição deu-se no ano passado, em San Diego, EUA. Temos participado ativamente desde que o professor Roberto Nicolsky e eu tivemos a honra de sediar a MAGLEV’2000 na cidade do Rio de Janeiro. Esta foi a única vez que este importante fórum de discussão foi deslocado para o hemisfério sul, ocasião em que introduzimos a proposta SML para transporte. A tecnologia SML, em função da baixa potência necessária para garantir a levitação, encontra seu nicho de aplicação no transporte urbano e está sendo explorada no projeto MagLev-Cobra, da Coppe/UFRJ, que coordeno.

    A substituição do sistema roda-trilho pela levitação significa, tanto para o transporte urbano quanto para o transporte interurbano, significa uma quebra de paradigmas, uma ruptura tecnológica. Algo semelhante ao que presenciamos nas máquinas de fotografar, com a substituição dos filmes sensíveis à luz pelas memórias digitais; ou com a preparação de textos, com as modernas impressoras e softwares editores, em substituição às máquinas de datilografar, para citar apenas dois exemplos do nosso cotidiano.

    Declaradamente, o governo brasileiro pretende aproveitar a construção da ligação terrestre de alta velocidade entre Rio de Janeiro e São Paulo também como elemento propulsor do parque tecnológico e industrial. A ministra Dilma, mais de uma vez, anunciou a criação de uma empresa estatal com este objetivo. Ora, se de fato estamos pensando no futuro, não cabe privilegiar a tecnologia roda-trilho, como concluiu o relatório da Sinergia e Halcrow (diga-se de passagem, ao custo de R$5 Milhões), uma vez que estaríamos comprando o obsoleto, aquilo que fica atrás da clara ruptura tecnológica, o que não tem perspectiva de futuro. Estaríamos repetindo mais uma vez erros tão bem apontados no livro “O Futuro das Estradas de Ferro no Brasil” do meu colega Eduardo G. David.

    (*) Engenheiro eletricista, professor titular da Universidade Federal do Rio (UFRJ),

    richard@dee.ufrj.br

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