Lula ironiza cobertura da mídia sobre a venda de caças e diz que sairão "de graça"
Os países ditos desenvolvidos estão em crise estrutural. É o que Paul Sweezy chamava de crises cíclicas de superprodução e subconsumo. Precisam criar alternativas de investimentos ao que vinham fazendo na ciranda financeira, com a falsa moeda de referência, o dólar. A indústria bélica, nesses casos, é a melhor opção, pois cria um produto muito singular: instrumentos de destruição. É um setor que não provoca superprodução de bens de consumo, mas absolve os investimentos, que não podem ficar parados. Não depende no nível salarial dos consumidores, pois quem compra seus produtos são ou traficantes de armas ou governos. Mas, inegavelmente gera empregos e impostos, que por sua vez, criam nova massa salarial que, por sua vez, pode reaquecer outros setores da economia. Lord Keynes já havia demonstrado esse processo sobejamente. E é neste cenário que assistimos ao crecimento das vendas de armas no cone sul das Américas e, no caso brasileiro, à disputa entre a França, a Suécia e os Estados Unidos para a venda dos caças FX-2 ao governo brasileiro. O presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, ironizou ontem a posição da mídia amestrada de sempre diante do andamento das negociações. Ao ser questionado sobre a oferta dos Estados Unidos de transferir tecnologia das aeronaves ao país, assim como proposto pela França, Lula disse que o Brasil corre o risco de "receber de graça" os aviões-caça. "Daqui a pouco, vou receber de graça", ironizou o presidente.
Lula erra muito. Mas, neste episódio, há que se admitir, o ex-metalúrgico está sabendo ser um estadista bastante competente na estratégia de desevolvimento nacional. Ele sabe que o mais importante é a transferência de tecnologia. Ele sabe que não só a descoberta das potencialidas do “Pré-Sal”, mas a própria manutenção da Amazônia como território nacional, dependem de uma vigorosa reversão de tudo que o período FHC fez para desconstruir as nossas Forças Armadas e o próprio Estado Nacional. Lula está agindo bem. Está resgatando o que foi feito pela política externa brasileira em outro contexto de crise mundial, quando países em desenvolvimento encontram condições para romperem a hegemonia das grandes potências hegemônicas.
Lula sabe que Vargas foi um dos maiores estadistas do mundo contemporâneo. Estrategista de mão cheia, o gaúcho sabia lidar com situações e forças contraditórias, sempre com a preocupação com o interesse nacional. Sabia que, para tornar o Brasil uma potência mundial, independente e soberana, teria que aproveitar o momento favorável positivo do Brasil e, ao mesmo tempo, os vácuos de poder das grandes potências hegemônicas de então. Sua preocupação maior sempre foi a criação de uma infra-estrutura industrial interna que permitisse ao País crescer e se desenvolver com total independência. Sabia que, no mundo contemporâneo, este caminho passaria necessariamente pela indústria de base. Que, por sua vez, necessitava de uma siderúrgica nacional. Aproveitando-se do contexto beligerante mundial entre as grandes nações hegemônicas, Getúlio Vargas soube jogar. Manipulou as forças mundiais com maestria para viabilizar a construção e efetivação operacional do que viria a ser a CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, Rio de Janeiro.
No livro “Relações Perigosas: Brasil–Estados Unidos”, de Luiz Alberto Moniz Bandeira, professor titular de História da Política Exterior do Brasil na Universidade de Brasília (UnB), encontramos algumas informações pertinentes sobre o assunto. Bandeira mostra que a sábia neutralidade do Brasil, até 1941, teve que acabar com a entrada oficial dos Estados Unidos no conflito, em 1941. Mas, até então, o presidente Getúlio Vargas soube defender os interesses nacionais, manipulando a situação geopolítica daqueles dias. Sabiamente, fez o jogo duplo junto às grandes potências. Negociou com os Estados Unidos, nosso tradicional parceiro – principalmente na compra de café - para obter empréstimos vantajosos e construir a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ), mas sem deixar o caminho fechado para os alemães, que até então não se mostravam nem mais nem menos imperialistas do que os EUA. Os americanos queriam instalar bases militares no litoral do Brasil, mais especificamente no Nordeste, para defender o Atlântico Sul, pois os alemães já estavam no noroeste da África. Queriam também nossa ajuda com o fornecimento de borracha. Roosevelt teria aceitado ajudar o Brasil na construção da CSN para evitar que o investimento fosse feito pela Krupp, megaconglomerado alemão, com quem Vargas negociava em paralelo. O governo americano, de forma inédita, teve que conceder o crédito, já que a empresa United Steel não queria fazer o investimento. Depois do ataque a Pearl Harbor, em 1941, o Brasil rompeu relações com a Alemanha e com a Itália. Mas, as negociações com Roosevelt já tinham provocado seus efeitos. Em retaliação, submarinos alemães torpedearam navios brasileiros. Vargas declarou apoio aos Aliados, mas, claro, depois de ter garantidos os investimentos norte-americanos. Aquele foi um posicinamento extremamente sábio do presidente. O Brasil participou do final da guerra, enviando à região de Monte Cassino, na Itália, os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e da FAB (Força Aérea Brasileira). Cerca de 25 mil soldados brasileiros foram decisivos na Itália nas vitórias dos Aliados, mostrando coragem e grande capacidade no combate. Mas, o resultado final foi a existência da Companhia Siderúrgica Nacional, base de nossa industrialização, a preço quase de graça.
Hoje, lê-se que o presidente Lula não quis fazer outros comentários sobre nota divulgada pela Embaixada dos Estados Unidos, na qual o governo norte-americano se mostra disposto a transferir tecnologia dos aviões caça FX-2 para o Brasil caso o governo brasileiro decida optar pela aeronave do país. Isto, depois de Lula, inteligentemente, ter recebido o presidente francês como se o acordo militar tivesse se consolidado. Na nota, a embaixada dos EUA perdeu a tradicional arrogância e não vacilou. Diz esperar que o governo brasileiro não tenha tomado uma decisão final sobre a compra das aeronaves mesmo depois que Lula anunciou o início das negociações com o governo da França. "Entendemos que uma decisão final ainda não foi tomada em relação ao vencedor do contrato. O F/A-18 Super Hornet [avião americano] é um caça de avançada tecnologia testado em combate e acreditamos que é o melhor em comparação com seus concorrentes", diz a nota dos EUA. Ou seja, Lula foi muito inteligente. Inarnou o espírito de Vargas. Soube tirar proveito da situação, sabendo das dificuldades atuais das economias norte-americana e européia. A embaixada dos EUA sabe que a transferência de tecnologia dos aviões foi colocada à disposição do Brasil pelo governo francês, o que pesou na decisão do presidente brasileiro de negociar diretamente com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, a compra das aeronave. Os americanos afirmam, ainda, que o Congresso dos Estados Unidos concluiu dia 5 de setembro as discussões sobre a transferência de tecnologia dos caça ao país -- com o aval para que o Brasil receba as informações necessárias. "A análise feita pelo Congresso dos EUA sobre a venda potencial do F/A-18 Super Hornet ao governo brasileiro foi concluída em 5 de setembro sem nenhuma objeção formal à venda proposta. Isso significa que a aprovação do governo dos Estados Unidos para transferir ao Brasil as tecnologias avançadas associadas ao F/A-18 Super Hornet é definitiva. O governo aprovou também a montagem final do Super Hornet no Brasil", diz a nota.
Mas, como era de se esperar, a mídia amestrada de São Paulo, sempre contra a soberania nacional e com seu eterno complexo de vira-lata, logo reagiu. A Folha Serrista de São Paulo, publicada nesta quarta-feira, lamentou a posição firme de Lula e, mais uma vez, sofismou. Afirmou que o presidente, ao anunciar antes do esperado a definição do Brasil pelos caças da francesa Dassault, “provocou constrangimento no seu próprio governo, que teve de recuar ontem, informando que o processo de seleção não está concluído e que o F-18 dos EUA e o Gripen sueco ainda estão na disputa”. Inacreditável, mas rigorosamente verdadeiro, como diz o mestre Helio Fernandes. O comunicado conjunto de anteontem dizia que Lula e o presidente Nicolas Sarkozy "decidiram fazer do Brasil e da França parceiros estratégicos também no domínio aeronáutico" e anunciava "a decisão" de entrar em negociações para a compra. Em nota ontem à noite, o ministro Nelson Jobim (Defesa) corrigiu: "o processo de seleção (...), ainda não encerrado, prosseguirá com negociações junto aos três participantes". A expectativa é que o negócio acabe sendo fechado com a França, mas só depois que a Dassault abaixar os preços do caça Rafale - o mais alto entre os concorrentes - e criar condições mais favoráveis de juros. Conforme a Folha Serrista de São Paulo diz ter apurado, “Lula se precipitou no jantar com Sarkozy no domingo à noite e queimou etapas do processo de seleção, o que irritou o Comando da Aeronáutica e deixou Jobim no fogo cruzado”.
Meu Deus! Ou o pessoal da Folha é muito canalha – e está recebendo jabá do governo norte-americano - ou extremamente ingênuos mesmo. É isso.
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