É estranho que o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Eduardo Azeredo, e os que o apoiam nessa iniciativa, queiram interpelar o governo sobre a tese acadêmica do físico Dalton Girão Barroso, relativa à construção de artefato atômico. Trata-se de assunto restrito à escolha de um estudioso, à sua inteligência e liberdade. Qualquer um de nós, dispondo dos exigidos instrumentos intelectuais, pode desenvolver tese sobre qualquer tema, seja ele a física atômica ou o comportamento taciturno de alguns escorpiões, como fez o entomologista Jean Henri Fabre. Todos – os indivíduos e as nações – têm direito a todo conhecimento. O homem foi desvendando os mecanismos naturais da machina mundi muito antes que Demócrito e outros se aventurassem a pensar na arquitetura da natureza; antes que Epicuro redigisse o seu tratado Peri Physeos. Quando Demócrito imaginou o menor dos componentes do universo – e ele só podia ter imaginado o grão de matéria impossível de ser partido, daí chamá-lo átomo – lançou o desafio à mente humana de devassá-lo, de quebrá-lo, saber de que era feito. O homem levou 23 séculos para chegar àquela assustadora madrugada de 16 de julho de 1945, em Alamogordo, quando explodiu a primeira bomba. De quem deveria ser o monopólio sobre esse conhecimento? Dos físicos de várias nacionalidades, reunidos pelo governo norte-americano, a conselho de Einstein, para a execução do Projeto Manhattan? Dos Estados Unidos que financiaram – em seu esforço de guerra – a construção da bomba-A? Dos gregos, que, com sua especulação teórica e sua geometria, abriram o caminho para a ciência moderna? O direito ao conhecimento é universal, porque o conhecimento adquirido é da Humanidade, embora procurem impedir que a maioria dos povos a ele tenham acesso.Não é a tese do físico Dalton Girão Barroso que nos permite fazer a bomba. Ele apenas demonstrou a engenharia de uma ogiva atômica em particular. Não foi necessário que tivesse, em mãos, o desenho do artefato. Tal como Einstein elaborara a sua teoria da relatividade, o físico fez apenas cálculos, a partir da cápsula da ogiva para chegar ao conteúdo e ao mecanismo da detonação. É impossível impedir a quem quer que seja de pensar, de usar de sua preparação intelectual, a fim de investigar qualquer fenômeno, seja ele físico, ou não. Dalton realizou uma tese acadêmica e a divulgou, como qualquer estudioso faz. Ao Brasil não interessa, no momento, produzir a bomba, mesmo porque se trata mais de uma arma de ataque do que de defesa. Como bem lembrou Stalin, não é a destruição de um país que assegura a vitória política sobre seu povo. O que decide uma guerra é a ocupação, o pé do soldado sobre o território pretendido. E, conforme Mao, a conquista de sua mente. A grande arma de defesa do Brasil é o seu território. Mas, se não interessa produzir a bomba, saber como construí-la rapidamente, para o caso de necessidade extrema, é nosso dever. A posse da arma mais poderosa sempre foi instrumento de dissuasão. O Brasil não se comprometeu, nos foros internacionais, a selar a inteligência de seus pesquisadores, a renunciar ao conhecimento. O Brasil – e contra a opinião de muitos patriotas, que não queriam isso – comprometeu-se apenas em não desenvolver armas nucleares. Todos nós somos impedidos, pela consciência, pelos mandamentos religiosos e pelo Código Penal, de matar, mas ninguém nos pode proibir de saber como manejar o revólver em caso de legítima defesa. A quebra do segredo atômico, primeiro pelos soviéticos e, mais tarde, pela China, impediu que uma terceira bomba – além das detonadas sobre Hiroshima e Nagasáki – viesse a assassinar inocentes em massa nos países “inimigos”. Pensando dessa forma, fora legítima a decisão norte-americana de desenvolver a arma, a partir da informação de que os alemães estavam a ponto de construí-la. Mas não foi legítima a decisão de testá-la sobre seres humanos inermes em duas cidades abertas de um país militarmente derrotado. Temos, sim, que aprofundar as nossas pesquisas sobre todos os campos do conhecimento, entre eles o da física atômica. Entende-se que alguns senadores estejam querendo discutir tudo – até mesmo as atas do Concílio de Bizâncio, sobre a anatomia genital dos anjos – porque lhes interessa desviar a atenção da opinião pública de seus atos, dentro e fora da Câmara Alta.
Jornal do Brasil
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
Mauro Santayana
A tese de Girão e o nosso direito
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