terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O PMDB e a governabilidade


As discussões internas do PMDB, sobre o apoio ao governo Lula, trazem reflexões importantes sobre governabilidade e responsabilidade política. O PMDB nunca foi um partido. Foi criado para ser um saco político formado por aqueles que, por fatores diversos, não tinham concordado com a intervenção militar. Havia desde integrantes dos partidões clandestinos esquerdistas, passando por varguistas e até adhemaristas e lacerdistas irritados com a não-realização de eleições presidenciais em 1966. Portanto, sua gênese, por definição, foi marcada pelo arbítrio imposto pelo AI-2, que aboliu o pluripartidarismo.
Não havia opção possível de se fazer política partidária para aqueles que não se enquadravam no setor oficial pró-revolução de 64, a Arena. Esta, aliás, também tinha um leque amplo de tendências políticas, como os elementos progressistas da antiga UDN “bossa-novista” que combateram a ditadura de Vargas e não tinham como conviver com petebistas do MDB. Esta confusão talvez tenha sido o pecado original para as nossas instituições e a razão de ser da atual necessidade de reforma política.
Mas, diante de um inimigo comum, forças políticas heterogêneas tendem a se unir. Como na guerra, este é um princípio básico da política, que, como já se disse, é a guerra por outros meios que não as armas. E foi o que aconteceu. Na mesma medida em que a idéia inicial de Castelo Branco de devolver o poder para os civis foi sendo atropelada pelos acontecimentos — e os devaneios da “linha dura” —, o então MDB passou a ter uma identidade, uma razão de ser, um perfil comum aos seus integrantes: a luta contra a ditadura. Tornou-se, a partir de então, não um partido, mas uma frente política contra o arbítrio, principalmente depois do AI-5.
Com a delicada transição democrática liderada por Sarney, que soube como ninguém administrar revanchismos e rancores de todos os lados, o discurso anti-ditadura tinha que ser substituído por ações práticas que viabilizassem um projeto de nação realmente sério. A frente tinha a oportunidade histórica de retomar um caminho propositivo e patriótico de desenvolvimento nacional — e de efetivação democrática — que tinha sido abortado não em 1964, mas dez anos antes, com a morte de Vargas.
Mas não foi o que aconteceu. Com a morte de Tancredo e a volta dos militares aos quartéis, a frente perdeu seu norte. Não sobrou nada. Não deu apoio à governabilidade no momento em que as eleições diretas se aproximavam. Ao contrário do que se propala por aí, Ulysses Guimarães, ambicioso, representou não a unidade, mas a síntese perfeita desta situação de fragmentação. Queria por tudo ser presidente, não importando os meios. Depois do Plano Cruzado, o PMDB tinha conquistado a maioria esmagadora dos governos estaduais, feito a maior parte dos constituintes, se tornado o maior e mais prestigiado partido nacional. Embora Sarney mantivesse peemedebistas históricos em seu governo, no final de sua presidência foi abandonado, não pôde mais contar com o necessário apoio do partido. Daí o pífio desempenho do PMDB nas eleições de 1989, com Ulysses, e, mais pífio ainda, com Quércia, depois. Desempenho este que viabilizaria as aberrações neoliberais dos anos 90, que vêm destruindo qualquer possibilidade de desenvolvimento soberano efetivo do país desde Collor, passando pela calamidade do período FHC.
Agora, os peemedebistas não podem se esquecer que o golpe de 64 foi feito justamente para destituir um governo que, populista mas fraco, menosprezava o Congresso Nacional e as instituições da democracia representativa. Assim como Goulart, mais tarde Collor cairia, por também desprezar os entendimentos com o Congresso.
Lula também precisa do parlamento para fechar bem o seu governo. Por isso, vem falando de “concertação política” e da necessidade de um “conselho de ex-presidentes”. Ele sabe das restrições estruturais da política econômica dependente geradas pelo tucanato. Tem consciência de que, como está, mesmo que queira, não tem como dar um rumo mais desenvolvimentista ao seu governo. Tem que se ater a ações pontuais inócuas. Até seu próprio partido não é confiável para lhe dar sustentação para medidas mais ousadas. Por isso, precisa do PMDB, o maior partido do país. Mas não o PMDB fragmentado e desinteressado, e sim o PMDB que sabe que não pode repetir a omissão que teve em 1989. Caso contrário, sem apoio no Congresso, Lula poderá se ver forçado a tomar rumos perigosos que não quer e não deseja, como as coisas vêm ocorrendo na Venezuela, na Argentina e na Bolívia. Setores do PT já andam propondo plebiscitos, referendos e coisas do gênero que desconsideram as instituições da democracia representativa e abrem caminho para aventuras totalitárias perigosas. Daí ser imperioso, mais do que nunca, que o PMDB assuma definitivamente suas responsabilidades.

SAID BARBOSA DIB é historiador e analista político em Brasília.

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