terça-feira, 22 de janeiro de 2008


Publicado em A Nova Democracia nº 37, outubro de 2007



SAQUEIO E PERDA DE DIREITOS

Adriano Benayon * – 29.08.2007



1. Amazônia e minérios


Civis e militares conhecedores da Amazônia preocupam-se com o fato de estar ela indefesa diante da ocupação da região por entidades e agentes a serviço de potências estrangeiras. Isso é demonstrado por, entre outros, o general Andrade Nery, no estudo "Soberania Ameaçada”. Talvez um eufemismo, pois a soberania nacional está esfrangalhada. Somente unindo-se para restaurá-la, os brasileiros têm chance de deixar de ser triturados pelo sistema mundial de poder.
A Amazônia é a região que sofre o maior saqueio mineral. Não se controlam as próprias exportações documentadas. Diz João A. Medeiros, Professor do Instituto de Química da UFRJ:
“É preciso controlar as exportações, fiscalizar com laboratórios nos portos e aeroportos internacionais e valorizar nossos produtos! Há que industrializar as matérias primas, agregando valor. Um basta à exportação de minérios brutos ... Investigação sobre a columbita-tantalita, berilo, torianita, metais preciosos e pedras preciosas!... “Quem distingue um diamante bruto de outros cristais transparentes, senão garimpeiro ou ourives?” [1]
Computando o descaminho, o subfaturamento, a inexistência de controle da quantidade e da identidade das mercadorias, bem como o fato de que a transformação industrial faz multiplicar por até 80 o valor da matéria-prima, não há exagero em estimar entre R$ 500 bilhões e R$ 1 trilhão, por ano, o saqueio dos minérios. Sem falar no subsídio no preço da energia elétrica para grandes mineradoras, nem nos benefícios fiscais à exportação.


2. Capital estrangeiro e autodeterminação


O que precisa ser entendido é a estreita relação entre a ocupação da Amazônia e a apropriação do País pelo capital estrangeiro, através dos “investimentos diretos”. Ela começou com a indústria e estendeu-se a todos os setores da economia. Antes de ocupar a Amazônia e de impedir o acesso de brasileiros a áreas “indígenas e de preservação ambiental”, os concentradores mundiais dominaram o espaço econômico e político em São Paulo, Rio, Minas, Brasília etc.
Tendo os potentados que controlam as transnacionais se tornado a classe dominante no País, a perda da autodeterminação seguiu-se como conseqüência. Ademais, os déficits externos e a dívida foram originados pelas transferências para o exterior dos ganhos das transnacionais nos mercados interno e externo. O grosso dessas transferências é feito, de maneira disfarçada, através do subfaturamento de exportações e superfaturamento de importações, e através de despesas, até fictícias, a título de serviços.


3. Dívida e extorsão


A dívida foi potenciada por taxas de juros abusivas, comissões e outras extorsões, criando-se, adrede, a vulnerabilidade, para acelerar a perda da soberania. Instrumento para isso foi a fraude por meio da qual foi inserido na Constituição de 1988 o dispositivo que privilegia as despesas do “serviço da dívida” (juros e amortizações) [2], engordada desde 1980 pelas taxas de juros mais elevadas do Planeta.[3]
Assim, o serviço da dívida juntou-se às transferências das transnacionais para causar a não-acumulação no País dos recursos nele gerados. Dessa combinação resultou a queda dos investimentos desde os anos 80.
Essa é a explicação – que ignoram os distraídos pela mídia e por outras diversões – da baixa renda e do alto desemprego numa nação que têm condições de superar o nível de desenvolvimento dos países “ricos”, desde que por eles seja deixado em paz.
Como o Banco Central do Brasil (!) determina as taxas de juros mais altas do Mundo, os capitais especulativos fazem a festa, ajudados também pela isenção de imposto de renda e da CPMF, obtendo lucros incríveis com títulos públicos e arbitragem cambial.
Tal é a atração para capitais especulativos que as reservas do BACEN se elevaram agora para US$ 160 bilhões. Mais prejuízo para o Brasil, pois o dólar é uma moeda acossada pelos enormes déficits e dívida externa dos EUA, além do colapso imobiliário nesse país. [4]


4. Sem capital nem tecnologia: subdesenvolvimento


Ademais da penúria de recursos para investimentos públicos, é estarrecedor o desperdício no que se gasta. Perdem-se 90%, ou mais, dos dispêndios em ciência e pesquisa, uma vez que não há onde gerar inovações tecnológicas. Pois as empresas brasileiras têm sido massacradas pela pressão das transnacionais e da política econômica, que subsidia as estrangeiras e submete as nacionais a juros e a impostos extorsivos. Que soberania existe onde os nacionais não têm como desenvolver tecnologia? Isso só se faz com empresas próprias e em concorrência, duas condições eliminadas pela transnacionalização.
Esta, além dos danos já apontados, leva à primarização da economia. Enquanto crescem o agronegócio e a mineração, declina em percentual do PIB a produção de maior valor agregado. Pior: esta se realiza em transnacionais, sob dependência tecnológica das matrizes. Tecnologia desenvolvida por brasileiros é abandonada ou apropriada pelas transnacionais.
Essas são características de países em vias de subdesenvolvimento, fenômeno muito repetido na história mundial: quanto maior a inserção no comércio exterior (hoje, globalização) subordinada aos centros financeiros mundiais, maior é o subdesenvolvimento, como mostrou André Gunder Frank.


5. Mercado e soberania


Em suma, a entrega do mercado implica a entrega da soberania. A ascendência de empresas e bancos transnacionais sobre as decisões governamentais tornou-se cada vez mais escandalosa. Seu poder estende-se à mídia, às universidades e a outros formadores de opinião. As eleições dependem em, no mínimo, 80% de dinheiro e 20% de mídia. Que sobra?
Os danos não se medem apenas pelas colossais cifras do saqueio. Eles derivam de cada medida governamental, de cada lei aprovada. Por exemplo, a liberação de sementes transgênicas, suscetível de causar desastres ecológicos, extorquir os brasileiros por meio do monopólio, e acarretar fome generalizada com o fim das abelhas e da polinização.


6. Contas do saqueio


Estimativa de perdas anuais: 1) descaminho e perdas na exportação de minérios (R$ 800 bilhões); 2) transferências das transnacionais para o exterior, excluídas as compreendidas no item 1, (R$ 400 bilhões) [5]; 3) sua capitalização real interna (R$ 100 bilhões); 4) fugas de capital (R$ 100 bilhões); 4) “serviço da dívida” pública (R$ 200 bilhões) [6]; 5) lucros cessantes com a entrega graciosa das estatais (R$ 150 bilhões) e a desnacionalização de bancos e empresas privadas (R$ 150 bilhões). Total: R$ 1,9 trilhão por ano.
Acrescentando R$ 300 bilhões por ano dos juros, pagos e capitalizados, que pesam sobre pessoas físicas e jurídicas privadas, a sangria sobe para R$ 2,2 trilhões por ano. Essa quantia corresponde a: 5 vezes o total de investimentos anuais no País; 6 vezes a receita corrente líquida da União; 100 vezes os investimentos da União.
E ainda há desinformados que crêem na lenda perversa, segundo a qual temos necessidade de capital estrangeiro, o agente sugador por excelência.
As privatizações e a desnacionalização de empresas e bancos privados: 1) custaram centenas de bilhões de reais ao Tesouro Nacional, como aconteceu com o dinheiro derramado no PROES e no PROES, programas para doar bancos; 2) não lhe renderam um centavo líquido; 3) fizeram-lhe perder lucros de R$ 150 bilhões por ano;[7] 4) acarretaram a perda para o País de patrimônio incomensurável, em relação ao qual falar em muitas dezenas de trilhões de dólares proporciona uma idéia extremamente limitada em seu horizonte temporal.[8] Além disso, os valores monetários terão de ser revistos em breve, diante da débâcle das moedas internacionais hiperinflacionadas.
Deve ser notado que os derivativos em dólares e em euros, somados, passam de 300 trilhões de dólares. Esse valor nominal é 7 vezes o PIB mundial, que foi US$ 48,2 trilhões em 2006.
Não há nem como contar esses títulos senão por meio dos impulsos eletrônicos da informática, de resto, sujeitos a manipulação. Grande parte dos derivativos refere-se a índices de taxas de juros ou de câmbio, sem qualquer base real. Outra parte substancial está vinculada direta ou indiretamente a contratos hipotecários ou a títulos emitidos para financiar fusões e aquisições alavancadas. [9]
Urge, portanto, entender e ter presente que as principais moedas internacionais valem muito menos do que se pensa, e que o contrário se dá em relação a patrimônios reais fabulosos, como o da Vale do Rio Doce. Essa, como outras estatais, foi fraudulentamente “privatizada”, na maior negociata da história mundial.


7. O que se desenha


O fato de se vir tolerando abusos de inimaginável magnitude, como os acima apontados, deixa claro que, sem mobilização e organização da resistência, serão implantadas novas violações aos direitos dos brasileiros.
Essas se anunciam: na legislação trabalhista; nos tributos; na previdência; no aumento das extorsões financeiras previsível com a aquisição da SERASA por um grupo britânico; na espionagem das pessoas; na repressão judiciária e policial; e no mais que seja requerido pelos concentradores do poder mundial.


* benayon@terra.com.br. Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”. Editora Escrituras: www.escrituras.com.br

[1] Medeiros, João Alfredo: artigo de 17 de junho de 2007.
[2] Vide: http://paginas/terra.com.br/educacao/adrianobenayon/fraudeac.html. Essa e outras defraudações, além das emendas à Constituição votadas, sobre tudo depois de 1995, sob a pressão de interesses concentradores e estrangeiros, põem em questão a legitimidade da presente “ordem jurídica”.
[3] Não procede a declaração "devo, não nego", feita por críticos da dívida, pois sua quase totalidade decorre da capitalização de juros a taxas absurdas, mediante a ascendência política de concentradores mundiais estrangeiros .
[4] A dívida externa bruta dos EUA é de US$ 12 trilhões (março de 2007). Os chineses detêm reservas de US 1,3 trilhões. O dólar caiu 50% em relação ao euro nos últimos cinco anos.
[5] As remessas oficiais de lucros estão em U$ 20 bilhões/ano = R$40 bilhões/ano.
[6] O “serviço da dívida”, de 1988 ao presente, custou mais de R$ 2 trilhões em valor atualizado.
[7] A Vale do Rio Doce e a Petrobrás têm lucros anuais, cada uma, de R$ 15 bilhões, o grosso dos quais beneficia acionistas estrangeiros. Considerem-se os bancos privatizados, como o BANESPA, o BANERJ etc., mais os sistemas elétrico, siderúrgico, de telecomunicações, a EMBRAER, a CELMA , as empresas de águas minerais e n outras ex-estatais. Além disso, houve a desnacionalização de grandes bancos e de quase todas as grandes empresas privadas: industriais, de serviços, comerciais e agrárias.
[8] A estimativa de dezenas de trilhões de dólares poderia atingida considerando só uma empresa, a Vale do Rio Doce, cujo patrimônio tende, ademais, a valorizar-se muito, ao contrário das moedas.
[9] A alavancagem significa o uso de muito poucos recursos financeiros líquidos para muito crédito. As fusões e aquisições, que vêm envolvendo quantias cada vez mais astronômicas, são uma das características da concentração desenfreada puxada pela globalização.

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