terça-feira, 8 de setembro de 2009

Sarney concedeu entrevista ao "Valor Econômico"

VALOR ECONÔMICO
Edição de 08 de setembro de 2009

"Enquanto Lula existir, existirá o PT", diz o presidente do Senado
Raquel Ulhôa, de Brasília

Atacado politicamente durante cerca de seis meses por apoiar Lula, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), fortalece o seu comendo sobre a Casa e a retorna as articulações pela manutenção da aliança do PMDB com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sucessão presidencial em 2010. Aliança que, na sua opinião, fortaleceu-se com a crise do Senado, porque, com sua posição em defesa de Sarney, Lula teria deixado claro para o PT o interesse na parceria com o PMDB. Embora avalie que "nenhuma sucessão é previsível", Sarney acredita que Lula fará da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) sua sucessora, por ela representar a continuidade do atual governo - além de qualidades pessoias. Para o peemedebista, a eleição de uma mulher presidente, depois de um operário, "completa o avanço" democrático do país. Reconhece ter uma ala no partido que "nunca viu com bons olhos" seu apoio a Lula. Em relação ao PMDB, Sarney reconhece que não há unanimidade no apoio à aliança com o PT, mas chama a atenção para o fato de o partido ter crescido durante o governo petista. Já o PT, diz, não sobreviverá sem o presidente.



    Valor: A crise passou ou o senhor vive na expectativa de aparecer nova notícia em tom de denúncia?

    José Sarney: Não, eu não vivo na expectativa, porque não fiz nada de errado, nada de que eu possa ser acusado. Me sinto profundamente injustiçado, com uma ferida.

    Valor: Vieram à tona fatos relativos a atos secretos, à Fundação Sarney, nomeação de parentes e pessoas ligadas à família para o Senado, enfim, fatos dando ideia de uma visão patrimonialista. O senhor acha que cometeu algum equívoco, pelo menos de omissão?

    Sarney: Fui presidente do Senado por duas vezes e fiz administrações modernizadoras. Agora, sou eleito novamente e me acusam de ser o responsável (por atos do ex-diretor-geral, Agaciel Maia). Por que, se dos 14 anos que o Agaciel passou no Senado dez não foram comigo? O Senado passou por crises - a do Antonio Carlos (Magalhães), a do Jader Barbalho, a do Renan (Calheiros) -, isso tudo em presidências muito rápidas, como foi a do (Edison) Lobão, a do (Ramez) Tebet, a do Tião (Viana)... Isso tudo fez com que a estrutura da Casa sofresse muito. Mas não sou o responsável pelo que aconteceu. Não exerci atividade de direção dentro da Casa nesse período.

    Valor: A responsabilidade por questões administrativas, como atos secretos, tem que ser dividida?

    Sarney: Os atos secretos foram descobertos por quem? Por mim, que contratei a Fundação Getúlio Vargas para fazer a reforma. Dos atos secretos (mais de 600), apenas 1,43% foram feitos durante administrações minhas. Os outros que fizeram, os outros presidentes não foram responsáveis por nada? Só eu que sou?

    Valor: O senhor diz que se candidatou por pressão da bancada. Se arrepende?

    Sarney: Não, ninguém se arrepende. Todo mundo faz as coisas diante das circunstâncias. É aquilo do Ortega Y Gasset: "O homem e suas circunstâncias". Eu tomei uma decisão errada, mas não foi porque eu quisesse. Eu não tive outra solução. Foi um apelo da bancada, com um argumento que não se podia contestar: como é que um partido que tem 17 senadores para disputar reeleição entregaria a presidência a outro partido? Eu não podia abandonar meus companheiros.

    Valor: E durante esse processo todo eles não o abandonaram.

    Sarney: Eles não me abandonaram, porque foram eles que me levaram a aceitar. E o que eu fiz nesses cinco meses? Só fiz corrigir. Regularizei passagens, verba indenizatória e a publicação de tudo. Criamos o Portal do Senado, fizemos a auditoria das nossas contas, estamos fazendo o nosso recenseamento e auditoria da folha de pagamento, da folha de funcionários. Contratamos a FGV, porque administração pública é um assunto científico. E vamos reduzir em 40% a estrutura da Casa. Das diretorias, estamos reduzindo a sete.

    Valor: Houve um momento em que o senhor decidiu renunciar e o presidente Lula pediu que ficasse?

    Sarney: Não, não houve isso. Desde o princípio, eu não tinha outra solução senão permanecer, porque não tinha feito nada e não podia me culpar, me autocondenar. Eu não estou no tempo da inquisição, em que o sujeito teria que dizer que acreditava naquilo para fugir da fogueira.

    Valor: O senhor diz que não tem nenhum parente em seu gabinete, mas admite ter pedido para o senador Delcídio Amaral (PT-MS) que nomeasse uma sobrinha e ter atendido a um pedido de uma neta para empregar o namorado. Essa prática não precisa mudar na política e na administração pública?

    Sarney: O dia em que não tiver cargo em comissão isso desaparece. O problema não é meu, o problema é da legislação. No Brasil, sempre teve cargo em comissão e sempre se nomeou para cargo em comissão pessoas de confiança, livremente. Não há restrição.

    Valor: E a história da casa de Brasília que não teria sido declarada à Justiça Eleitoral?

    Sarney: A metade da casa é minha e a outra é do José Sarney Filho, o que está declarado no meu Imposto de Renda. E, na hora, o contador - eu não vi - omitiu na relação de bens. Mas eu juntei também a minha declaração de bens. Então ela estava lá.

    Valor: Qual seria a motivação das denúncias?

    Sarney: Foi um caso político dentro da Casa. Minha posição é junto com o presidente Lula. Evidentemente, tenho que pagar o preço disso. Sendo eu o maior defensor da aliança com Lula, ao me desestabilizar evidentemente desestabilizaria a possibilidade da aliança com Lula do PMDB.

    Valor: E o fato de Lula ter cobrado do PT que o defendesse fortaleceu essa aliança? Sarney: O problema do PT é que realmente tem uma ala do partido que nunca viu com bons olhos o meu apoio ao Presidente Lula.

    Valor: Que ala do PT?

    Sarney: Ah, minha filha! Eu não vou identificar nem fulanizar. É mais de simpatia pessoal.

    Valor: Voltando à pergunta, o senhor acha que a aliança se fortaleceu depois desse episódio?

    Sarney: Eu acho que sim, porque o PT sentiu que o presidente Lula quer a aliança com o PMDB, ele deseja a aliança com o PMDB.

    Valor: E do lado do PMDB?

    Sarney: Eu sempre defendi manter a aliança com Lula. Ele está fazendo um excelente governo. O PMDB tem crescido durante o governo do Lula como partido e na opinião pública. É hoje o maior partido do Brasil, com maior número de deputados, senadores e votos. Então devemos manter a aliança, sobretudo porque não estamos fazendo outra coisa senão cumprir o Estatuto do PMDB, que é o partido das causas sociais.

    Valor: Só o fato de Dilma representar a continuidade do Lula faz dela uma boa candidata?

    Sarney: Eu acho que ela é uma mulher experiente, competente, inteligente. Hoje ela tem um conhecimento profundo dos problemas nacionais e do próprio governo Lula. E eu acho que nesse momento a continuidade do que o Lula está fazendo é importante para o Brasil, porque o Lula levou o povo brasileiro a ter a consciência de que ele faz parte do Governo. Nós deixamos de ser só o governo das elites. Hoje há realmente um governo que tem uma grande solidez a nível da população brasileira.

    Valor: A Dilma vai dar essa sensação ao povo?

    Sarney: É claro. Se ela é candidata do presidente Lula e tendo esse conhecimento. E, evidentemente, sendo mulher, é um grande avanço para o Brasil.

    Valor: O senhor costuma dizer que os cem anos da República começaram com os barões do café e terminam com um operário na presidência. A eleição de uma mulher faria parte desse avanço?

    Sarney: Eu acho que completa esse avanço. Uma mulher no poder completa esse avanço.

    Valor: A candidatura de Marina Silva (PT-sem partido) desestabilizaria a candidatura da Dilma?

    Sarney: Não, não. A Marina mesma disse que está cumprindo um ideal da sua utopia pessoal. Olha, eu convivi muito com a Marina aqui, gosto muito dela, ela tem muitas virtudes, mas, sob o ponto de vista eleitoral, não vejo que ela possa prejudicar a eleição.

    Valor: E o deputado Ciro Gomes (PSB-CE)?

    Sarney: Ciro é um homem de liderança nacional forte e tem demonstrado espírito público e grande capacidade, grandes virtudes. É um grande nome. Não quero examinar nomes.

    Valor: E quanto ao caráter plebiscitário que o Lula quer dar à sucessão? É uma boa estratégia?

    Sarney: Minha experiência política me leva a concluir que nenhuma sucessão é previsível. Ninguém pode chegar hoje e dizer como vai ser, porque ela tem sua própria dinâmica.Valor: Dentro dessa imprevisibilidade, tudo pode acontecer?

    Sarney: Acho que o Lula faz seu sucessor. Por ele e pelo que ele representa. O Lula conseguiu representar uma forma de visão de um Brasil diferente.

    Valor: O PMDB ficou associado a uma série de crises, a fisiologismo e corrupção. O partido vai sofrer com isso em 2010?

    Sarney: Acho que não. Tudo na sociedade tem momentos contraditórios. Você vê na medicina, na politica, no judiciário, nos clubes de futebol, nas escolas de samba. Faz parte da sociedade. Eu acho que o PMDB vai continuar sendo o maior partido do Brasil, ele tem uma tradição da vida política.

    Valor: Nessa negociação com Lula para manter a aliança com o PT, a vaga de vice-presidente tem que ser do PMDB?

    Sarney: Seria o lógico.

    Valor: Isso seria capaz de levar o PMDB unido?

    Sarney: Nelson Rodrigues já dizia que a unanimidade é burra. Mas em política ela é impossível. Tem unidade, mas unanimidade é diferente.

    Valor: Começa a tramitar na Câmara o marco regulatório da exploração do petróleo na camada pré-sal. Como o Senado participará?

    Sarney: O Senado não vai ficar à margem da discussão do pré-sal durante a tramitação na Câmara. Já estou pensando em qual solução poderíamos adotar para participar. Tivemos um grande êxito quando, na crise internacional, fizemos a comissão presidida pelo (Francisco) Dornelles. Talvez a gente possa pensar numa coisa dessa natureza.

    Valor: Senadores começam a se mobilizar para dar andamento aos projetos sobre royalties. O senhor tem proposta para a destinação dos recursos do pré-sal?

    Sarney: Essa riqueza deve ser dividida pelo país inteiro. Quem fez a lei dos royalties foi o doutor José Sarney, para os Estados produtores. Mas o pré-sal, a 300 km da costa, ninguém pode chegar e achar que é seu território. O subsolo é da União. Se 50% das expectativas (com a riqueza) derem certo, muda o Brasil de forma extraordinária. Não é para uma geração, é para muitas gerações. O país passa a ter um desafio, que é ser uma potência petrolífera. O tempo fez com que fosse presidente o Lula, que, por suas raízes populares, suas concepções políticas, tem condição de resistir às pressões internacionais dos grandes grupos para manter o regime de concessão. Esse marco regulatório que ele está estabelecendo atende às necessidades do Brasil. O governo já manteve as concessões, mas daqui pra frente deve ser mantido o monopólio estatal.

    Valor: Discussão polêmica do Senado nesta semana será a da regulamentação da internet em campanha eleitoral. O que acha?

    Sarney: Acho que não se deve discutir isso, porque a internet já se usa e é avassaladora. A própria concepção de rede leva a isso. Cada um se agrega, não há o centro gerador. Ninguém controla a rede. Não vai funcionar porque a internet é a liberdade absoluta.

    Valor: O seu mandato vai até 2015. O senhor pretende disputar a reeleição na presidência da Casa?

    Sarney: Não vou ser candidato a nada. Com 80 anos, quem pensar que vai ser eterno está dando uma cota de imbecilidade muito grande. Fico até o fim do mandato pelo Amapá.

    Valor: O PT vai disputar a presidência sem Lula como candidato pela primeira vez, depois de quatro eleições. O PT sobrevive a Lula?

    Sarney: O Lula é o PT. Enquanto o Lula existir , existirá o PT.

    Valor: Então o PT sobrevive "com" o Lula?

    Sarney: Sobrevive com o Lula. Ponha na minha boca esta frase. Sobrevive com o Lula.

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