(Alerta em Rede) - Em entrevista concedida à BBC Brasil, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, declarou que não adianta discutir a compatibilidade da produção agropecuária com a proteção ambiental quando à mesa de discussões estão pessoas representando ONGs que são financiadas por “interesses outros”. [1]
Sobre a Amazônia, o ministro voltou a afirmar que não é necessário “tocar em nenhuma árvore para aumentarmos a produção brasileira” e menciona “pressões externas” que acabam por contaminar as discussões sobre o tema. A esse respeito, reconheceu que ainda temos um “pouquinho do complexo do subdesenvolvimento”: “Se eu for, como ministro da Agricultura, à Holanda, à Alemanha ou aos Estados Unidos, e der um palpite sobre meio ambiente, corro o risco de ser mandado de volta”.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Ao longo do ano, agricultura e meio ambiente ficaram em lados opostos. Um projeto de meio ambiente é incompatível com a produção agrícola?
Reinhold Stephanes - É compatível desde que se aja com racionalidade. Desde que tenhamos na mesa, discutindo, pessoas que conheçam o meio ambiente. Não adianta colocar na mesa pessoas que são financiadas por interesses outros. Algumas grandes ONGs são financiadas, inclusive, pela indústria do petróleo. Outras têm visão ideológica, outras têm visão política. Eu acho muito interessante como uma ONG financiada com recursos, por exemplo, da Holanda – um país onde cada pessoa polui 16 vezes mais do que um brasileiro – essa ONG está aqui e não está lá. ONGs financiadas pela Alemanha que não tem uma árvore à beira do rio Reno. E a Europa, que desmatou 99,9% de suas matas nativas. E o Brasil, por outro lado, detém 32% das matas nativas do mundo hoje. É preciso discutir com racionalidade, sem visão política e ideológica. Não podemos discutir com pessoas que não conhecem a realidade brasileira, ou que nem conhecem as questões ambientais, no sentido de terem estudado ou ser formado. Eu, aqui no Ministério, tenho pelo menos 20 pessoas que têm doutorado e pós-doutorado em meio ambiente. E gostaria que a discussão se desse nesse nível.
BBC Brasil - A discussão não está se dando nesse nível?
Reinhold Stephanes - Não está, infelizmente. O objetivo nosso é produzir e proteger e isso é compatível, desde que seja feito dentro de um processo de racionalidade. Eu poderia citar dezenas de exemplos que estão sendo conduzidos de forma errada.
BBC Brasil - O senhor poderia dar um desses exemplos?
Reinhold Stephanes - Há 100 anos nós plantamos uvas nas encostas e nos topos de morro no Rio Grande do Sul e no mundo inteiro se faz isso. Eu não posso proibir isso de repente, com uma legislação de quem não conhece o assunto. Planta-se arroz na várzea há anos e de repente surge alguém e proíbe. Se aplicarmos esse Código Ambiental (o assunto aguarda votação na Câmara), 1 milhão de agricultores vão perder propriedade. Se essa for a decisão brasileira, e se tivermos consciência disso, tudo bem. Mas vamos pensar então em como vamos indenizar essas pessoas, pois estamos tirando (o agricultor) da casa dele. Não estamos tirando nenhum ambientalista do apartamento dele.
BBC Brasil - O mesmo se aplicaria à região amazônica? Digo, é preciso desmatar para plantar?
Reinhold Stephanes - Veja bem, são coisas muito distintas. O bioma amazônico, na nossa visão, tem que ser intocável. Não precisamos tocar em nenhuma árvore para aumentarmos a produção brasileira. O que está acontecendo é que estão derrubando árvore na Amazônia por incapacidade de rastrear, em tempo real, de saber quem está derrubando... Não sabemos sequer quem são os proprietários. Por isso, toda hora adotamos medidas genéricas que atingem o Brasil inteiro. Ou como a tal da Portaria 96 (restrição ao crédito para produtores que desmatarem), que prejudicou milhares e milhares de produtores que estão produzindo corretamente há 20, 30 anos, pois não tivemos capacidade de localizar quem são os desmatadores. E aí nós simplesmente congelamos uma região de quase 30 milhões de hectares. São alguns exemplos de coisas que são, na minha visão, mal conduzidas e que poderiam ser discutidas dentro de um processo de racionalidade, de discussão objetiva, sem emocionalismo. Sem as chamadas pressões externas. Parece que ainda temos um pouquinho do complexo do subdesenvolvimento. Se eu for, como ministro da Agricultura, à Holanda, à Alemanha ou ao Estados Unidos, e der um palpite sobre meio ambiente, corro o risco de ser mandado de volta.
Notas:
[1] 'Bioma amazônico deve ser intocável', diz Stephanes, BBC Brasil, 29/12/2008
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