quarta-feira, 11 de março de 2009

De Saci a Crédito de Carbono

Com essa Lei Florestal nem Curupira Escapa
Sebastião Renato Valverde


Lamentavelmente, meio ambiente tornou-se prostíbulo. Apesar de seu caráter multi-disciplinar, profissionais das mais diversas áreas, sem quaisquer afinidades com a questão, no entanto, mais pela persuasividade eloqüente da verborragia ambiental, do que por conhecimentos técnicos e científicos, não só opinam, como participam de órgãos do sistema de gestão ambiental, criando regras e ferramentas de (in) gestão estapafúrdias a serem cumpridas no meio rural, sem sequer avaliar a eficácia e a legitimidade delas.
(...)
A meu ver, a própria existência de um cipoal de leis e instrumentos de Comando e Controle na área ambiental e florestal que se inflaciona diariamente, é a clarividência de que o sistema de proteção florestal está eivado de incoerências que se devem à raiz do problema, Lei 4771 de 1965 (II Código Florestal), no tocante à incompatibilidade dos institutos das áreas de preservação permanente (APP) e de reserva legal (RL) com a realidade rural.
Reina nesta arena uma verdadeira heresia ideológica, sem que se chegue a um menor consenso que possa melhorar esta legislação. Pelo contrário, o que se vê é a predominância da ditadura do aparato estatal em criar tantas atrocidades aos produtores e comunidades rurais além de dificuldades burocráticas para o desenvolvimento econômico. De um lado os que querem a todo o custo a defesa do meio ambiente e do outro, os que não querem a sua destruição, mas querem defender seus interesses e necessidades. Tangente a isso tudo se depara a Suprema Corte se esquivando em julgar o mérito constitucional da lei, ou se dissimulando nestas antinomias, assistindo de camarote o conflito entre ruralistas e ambientalistas por conta de uma legislação florestal anacrônica.
(...) Quais países têm modelos legais melhores? Quais têm piores ou semelhantes e, se sim, eles convivem com os mesmos problemas, ou a lei é seguida à risca? Se tiver viés, onde e o que fazer para corrigir? Quais diretrizes são necessárias para elaborar uma nova que garanta a sustentabilidade das florestas e das áreas que necessitam de proteção específica?
(...) A sociedade precisa saber que há uma situação insustentável, um conflito latente entre os preceitos constitucionais da Função Social da Propriedade (FSP) com o da Função de Proteção Ambiental (FPA) na aplicação desta legislação. Não há e nunca haverá propriedade rural que venha cumprir FSP e FPA simultaneamente. Ou seja, se cumprir a FSP, quer seja nas regiões sob domínio de Mata Atlântica onde o problema é o excesso da APP, ou quer na Amazônia onde é o da RL, não seria possível cumprir a FPA conforme os ditames da lei. E vice-versa, não é possível cumprir ao mesmo tempo a FPA, pois se inviabilizaria a FSP. Eis que temos que decidir. Se optarmos pela FPA, teríamos que fechar as porteiras e retirar todos do campo e mandá-los para as favelas. No caso das regiões montanhosas onde quase toda produção de hortifrutigranjeiros, leite, café e madeira encontra-se nas APPs, dela teria que ser retirada.
Outra opção é fazer “vista grossa” e deixar como está. O que também não é o ideal, sustentável. Precisamos sim encarar o desafio pela busca de um modelo em que seja possível a convivência harmônica da produção com as garantias das funções hidrológicas e ecológicas das áreas de maior sensibilidade ambiental e, ou, de função protetora. O que não pode, em hipótese alguma, é a imposição ditatorial que o Poder Público tem feito desta legislação florestal com tanto preciosismo que tem inviabilizado a produção no campo ou o manejo florestal, vide o caso do município de Tailândia, Pará.
De uma coisa podem ter certeza, inviabilizando estas regiões, para algum lugar a produção terá que ir, pois deixar de consumir, ninguém deixará. Eis que se pergunte, para onde? Se sair da região da Floresta Atlântica e não podendo ir para a da Amazônica, só se sobra, tecnicamente, a do Cerrado. Daí que, se desde a sua criação, a lei tivesse sido aplicada, no mínimo o cerrado já teria se enCERRADO e a Floresta Amazônica seria apenas um detalhe. Detalhe oposto do que é hoje, ou seja, se hoje temos 20% dela desmatado, com a aplicação da lei só a teríamos em 20%.
(...) Este assunto de proteção florestal é muito complexo. Na maioria das vezes o tiro sai pela culatra, ou seja, o efeito colateral de uma lei pode ser pior que o que ela objetiva. Para se ter uma idéia, procure saber onde estão as regiões com maior cobertura florestal de MG ou, quem sabe, até mesmo do Brasil, e verá que são aquelas que tem ou tiveram como uma das principais atividades econômicas a produção de carvão vegetal ou outra atividade madeireira. Ai vem a legislação proibindo estas atividades. Ora, como se a produção de carvão ou a atividade florestal fosse culpada pelos desmatamentos no Brasil. Não é, nunca foi e nunca será. Pelo contrário, apesar da carbonização ser, talvez, a atividade florestal que extrai o maior volume de madeira por unidade de área, ela é responsável pela existência da floresta. E tem mais, ninguém faz carvão porque quer, faz mais como forma de sobrevivência. Nestas regiões onde a carbonização prevalece, podem ter certeza, não há nada que gere renda, pois as adversidades naturais são tantas, que o que sobra é fazer carvão.
(...) Existe um círculo vicioso no sistema que, quanto menos nossa lei é eficiente, inócua, mais se proliferam legislações infraconstitucionais e instrumentos de controle. Exemplos disso são as Resoluções 302, 303, 369, Medidas Provisórias, etc. e as GCA, ATPF, DCC, DOF e agora querem criar a rastreabilidade dos caminhões. Triste é saber que este círculo só tem servido para transformar empreendedores em burladores, ou até mesmo para beneficiar o mau caráter, dado que quanto mais dificultam, mais pessoas vão para a informalidade, daí todos são tratados como bandidos. Não há a presunção da inocência neste sistema. Os desiguais são tratados iguais. Os bons são tratados como bandidos. Onde vamos parar com isso? Na verdade, neste modelo, isto nunca pára. Temos que nos desvencilhar deste modelo.
Para mim, isso é uma conseqüência da nossa doutrina sob Civil Law. Para ela, o nosso ambiente teria que ser estático. A insistência de tentar transcrever os fenômenos da natureza para uma lei é um esforço em vão, desperdício de tempo, recurso (dinheiro publico) e neurônios. Achar que podemos fazer com a área ambiental uma assimetria com o Código de Processo Civil (CPC) é humanamente impossível. Ë fácil autuar um delito no trânsito, por exemplo. Existem instrumentos para medir o delito e dosar a pena, como os radares para a polícia rodoviária e o velocímetro para o motorista saber se está numa velocidade não permitida. Outra coisa totalmente diferente é a realidade florestal. Não há radares e nem velocímetro para saber a medida exata do que está e onde se excedendo. Nem há necessidade disso, cabe apenas estabelecer as diretrizes e delegar poderes ao profissional que responsabilizará pela execução de um plano de manejo, como é nas demais engenharias.
Os que defendem a lei estão sempre procurando uma forma de viabilizar economicamente o cumprimento dela para o produtor. Tem os que sugerem dinheiro de Crédito de Carbono, bolsa verde, etc. Lógico que aparecerão alguns projetos de recuperação florestal pontuais até para justificar as esmolas que chegam dos países ricos para proteger a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, mas isso só serve para encher os cofres e os bolsos de alguns órgãos, ong’s e porta-vozes ambientais. Neste mercado de commodities ambientais o produtor não verá a cor do dinheiro, até porque tem tanta gente nesta cadeia de negócio que não sobrará migalhas para o produtor. Para mim, acreditar que bolsa, mercado de carbono, pagamento pela água como formas de gerar rendas para o produtor proteger suas APP como quer a lei é acreditar em Saci. Não é por ai e nem precisa ser. Temos que ser mais pragmáticos.
Enfim, tudo isto demonstra que não podemos nos orgulhar dizendo que temos uma lei ambiental e florestal dita modelo no mundo, pois na verdade ela é inócua, inaplicável e complacente com uma dinâmica de destruição destas áreas vitais para a população. Prefiro condenar a lei, que termos que aceitar artimanhas inconstitucionais e ilegais que visam driblar as amarras da mesma, como as mudanças em legislações estaduais que fazem “vistas grossas” a realidade das propriedades rurais que destruíram tudo. Exemplo disso é o absurdo de aceitar a manutenção do uso e ocupação das áreas de APP seja lá com pastagens ou culturas e considerar isto como “antropizado de uso consolidado...”.
Temos que mudar esta legislação e toda a política baseada nela, pois com ela até Curupira seria condenado à forca por proteger as florestas sem nunca ter pedido licença ambiental. Muda Brasil. Desburocratização e Reforma Legal já.


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