sexta-feira, 29 de maio de 2009

Geopolítica da ecopilantragem

Londres quer "carbonizar" soberania nacional

A semana passada, o jornal The Guardian noticiou sobre o mais recente estudo comissionado pelo governo britânico visando a criação de medidas de força para combater o suposto aquecimento global antropogênico. O estudo, elaborado Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID) em parceria com a Universidade de Nova York, se intitula “Uma arquitetura institucional para as mudanças climáticas” e propõe a criação de uma agência internacional com poderes policiais para controlar o consumo de combustíveis fósseis. [1]A divulgação do estudo obedece ao propósito de influenciar a Conferência das Partes (COP15) que se realizará em Copenhague, em dezembro próximo, na qual deverá ser estabelecido o arranjo institucional que substituirá o Protocolo de Kyoto após o término do seu mandato, em 2012.De fato, o estudo do DFID é uma das mais elaboradas propostas já feitas para a implementação de um sistema internacional de limitação e controle coercitivo das emissões de carbono de cada país, que, na prática, estabeleceria um “padrão-carbono” (denominado “produtividade de carbono”) para determinar o desenvolvimento socioeconômico e o progresso da humanidade e, não menos, funcionar como uma das pedras angulares das relações internacionais no século XXI. O documento estabelece a “produtividade de carbono” como o índice-chave para a economia mundial nas décadas vindouras, definindo-o como a quantidade de gases de efeito estufa necessária para produzir uma unidade de PIB. Tal índice deverá quadruplicar até 2030, para que se possa lograr uma estabilização das emissões de carbono. Até lá, o estudo projeta um aumento de 20% da população mundial e admite que:
* A desigualdade aumentará inevitavelmente, dado que quase todo o crescimento populacional ocorrerá em países em desenvolvimento, com os países menos desenvolvidos experimentando o aumento mais rápido.* O suprimento de recursos-chave será limitado – com demandas insatisfeitas por terra, água, alimentos e o direito de emitir gases de efeito estufa.
Observe-se que o “direito de emitir gases de efeito estufa” já é considerado um recurso natural em pé de igualdade como os demais. Um dos cenários mais delirantes do estudo determina que “as permissões de [emissões de] carbono se tornam o sangue do sistema financeiro mundial: a nova moeda de reserva do mundo”.O cerne do esquema proposto é o estabelecimento de uma meta de emissões globais a ser atingida em um certo prazo e de adesão obrigatória para todas as nações, sob pena de severas punições para as não-aderentes. A partir desse número seriam estabelecidas cotas de emissões para cada país, baseadas em critérios a serem negociados, que variam desde as “responsabilidades históricas” (as emissões pretéritas dos países industrializados) ao PIB per capita – devendo, a longo prazo, convergir para emissões per capita.Para tanto, será necessário criar mecanismos de aplicação forçada. Segundo o texto:
Qualquer arquitetura institucional necessitará de sistemas para assegurar que os compromissos sejam cumpridos e, em particular, impedir que os países de fora do sistema se beneficiem com os esforços dos outros. Isto implica em um significativo compartilhamento de soberania, maiores poderes coercitivos em âmbito internacional e investimentos significativos em vigilância e pesquisa. (...)
Alguns argumentos citados atentam diretamente contra a soberania nacional:
Parece inevitável que, em última análise, um acordo climático de longo prazo irá requerer uma abordagem “tudo ou nada” no que tange à participação internacional. Ou os países tomam parte ativa no sistema (e, assim, têm acesso aos arranjos internacionais sobre finanças, comércio, desenvolvimento, energia e outros recursos e, talvez, até mesmo segurança), ou ficam de fora do sistema internacional e são efetivamente barrados de todas as formas de cooperação internacional.Em outras palavras, as inadimplências de carbono [carbon defaults] se tornariam um assunto de peso tão grande como as inadimplências [financeiras] soberanas ou o não-cumprimento de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas... Não obstante, mesmo os participantes voluntários no arcabouço climático são passíveis de enfrentar um regime coercitivo de inspeções, inclusive inspeções não anunciadas, e responsabilidades legais, tanto para as suas permissões de emissões como para quaisquer permissões que comprem por intermédio dos mercados (a assim chamada “responsabilidade dos compradores”). Na prática, o resultado não diferiria muito do processo de inspeções intrusivas da Agência Internacional de Energia Atômica em países suspeitos de desenvolver programas ilegais de armas nucleares.
Para implementar semelhante regime , o estudo propõe duas medidas:
* Proteger e, se possível, ampliar a independência e a autoridade do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, inclusive, “respondendo em particular às críticas de cientistas climáticos e a quaisquer desafios à sua independência”.* Criar uma “robusta” entidade de vigilância global do desempenho no controle das emissões, “um Comitê Internacional de Controle Climático” (ICCC, em inglês), que funcionaria “como um banco central independente, com poderes para estabelecer taxas de juros para atingir uma meta ou banda de inflação”.
Como se percebe, os autores do documento pretendem estender à área energética o mesmo modelo de controle majoritariamente privado do sistema financeiro por meio de bancos centrais “independentes”, que está na raiz da presente crise global. Se tal esquema de pesadelo for efetivamente implementado, contra todas as evidências de que o impacto das emissões de carbono de origem humana na dinâmica climática global é irrisório, os supertecnocratas não-eleitos do IPCC e do ICCC assumirão poderes verdadeiramente ditatoriais sobre as políticas de desenvolvimento de todos os países do planeta, as quais ficarão igualmente condicionadas aos apetites dos mercados de “créditos de carbono”. Além de uma nova fonte de recursos para a preservação do cassino financeiro global, trata-se de um perfeito arreglo de “governo mundial” estabelecido sobre as soberanias nacionais.

Notas:
[1] UK GOVERNMENT REPORT WARNS CHINA, INDIA: YOU MAY FACE PARIAH STATUS, The Guardian, 10/05/2009
“Alerta em Rede”...

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