Raimundos e Marias do Brasil
Um domingo à tarde inesquecível. Uma experiência gratificante, dessas que nos deixa a meditar por dias a fio nessa busca incessante de compreender a existência neste enigma chamado Brasil. Foi um encontro fortuito e despretensioso, regado por uma prosa agradável e inconseqüente, e nutrida pela sagrada e nobre costela de ""tambaqui", num cenário paradisíaco e radicalmente amazônico às margens do Rio Negro, num sítio amigo da Vivenda Verde. Ali fiquei a tarde com o seo Raimundo Machado, uma dessas figuras carismáticas que aparecem em nossas vidas quando a mente se abre para aprender e fazer pensar no rumo que as pessoas dão á própria vida e no heroísmo anônimo de tantos irmãos. Com a experiência de vida que beira os 80 (ele não revela a idade) com muita estória pra contar e energia a contagiar e repartir, este parintinense, morador de meio século da Rua Jonathas Pedrosa, na Praça 14, constituiu e manteve com dignidade uma família, hoje formada de esposa, duas filhas e um filho, além dos netos e os que se juntaram numa história do parentesco familiar, ao mesmo tempo peculiar e universal.
Prá começo da prosa, seo Raimundo falou da sua tristeza por ter que sair daquela casa, onde viveu 49 anos de sua vida e onde educou seus filhos, por causa do Projeto Prosamin, que entende ser importante e necessário, mas que poderia ser desnecessário se governos passados tivessem contido as invasões nem liberado este contingente tão numeroso às margens dos igarapés da cidade. Contou-me que depois de um “respeitoso namoro de 4 anos” com a Dona Lucy, resolveu casar-se e foi morar nessa casa de aluguel, onde pagava muitos cruzeiros a cada mês. Só depois de alguns anos e muita economia e trabalho ele conseguiu comprar o imóvel. O primeiro emprego foi no DER-AM, o Departamento de Estrada de Rodagem, no início dos anos 60, quando era governador o lendário Gilberto Mestrinho. Ele participou com certeza da abertura da estrada da Ponta Negra, que o Boto autorizou num traçado que começava onde é hoje o calçadão da praia em direção ao Centro. Tudo para surpreender a população e dar-lhe esta opção especial de lazer...
Com o salário do DER-AM, “...onde trabalhavam técnicos de elevada qualificação”, ele conseguiu comprar um táxi, no qual trabalhava a partir das 5 da tarde até as 10 da noite, para completar a receita e dar educação de qualidade e melhor padrão de vida para os filhos. “Hoje, infelizmente, ainda tenho que correr atrás para completar o salário de aposentado - que mal dá pra comprar remédios - e a poupança guardada por tantos anos”. Mas o esforço compensa, na avaliação direta e objetiva deste operário da construção da identidade nacional. Ele fez questão de exaltar o papel da família, uma referência essencial “para fazer dos nossos filhos, homens e mulheres de bem”.
E na grandeza daquele instante mágico, seo Raimundo foi dedilhando com simplicidade e descontração o rosário de suas convicções, descrevendo sem perceber nem doutrinar como se materializa - na rotina de luta e de crenças – os avanços da conquista cotidiana de um Brasil melhor, fruto da obstinação criativa de sua gente, do bom humor, da cumplicidade a que as pessoas recorrem para compartilhar a dor e a benção de existir, de co-existir e fazer acontecer. No enfrentamento das adversidades e na escalada da consolidação familiar, Seo Raimundo e Dona Lucy, a companheira de toda a vida, não são heróis por acaso, são protagonistas principais de um país que tem a cara de todos aqueles que acreditamos que, como diz o poeta, tudo pode ser melhor e será. Muito obrigado e vida longa, seo Raimundo para o senhor e todos os seus!
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· Jéferson Peres – Justa e eloqüente a homenagem prestada ao senador Jéferson Peres pelo Congresso nacional nesta terça-feira. Eis um amazonense que honra as tradições políticas do Estado e cujo exemplo deveria sacudir a conduta de alguns representantes da classe política que anda comprometendo a reputação dessa relevante e necessária categoria.
· UFAM – a Universidade Federal do Amazonas na celebração de seus 100 anos vai prestar homenagens a alguns políticos que fazem parte da história de sua reconstrução nos anos 60, entre eles, o próprio senador Jéferson, seu não menos ilustre contemporâneo no Senado, Gilberto Mestrinho, e Artur Virgílio Filho, in memoriam, além de Almino Afonso.
· Crise centenária – Mas nem tudo é festa na academia. Recentemente, o MEC ameaçou descredenciar o Curso de Medicina da UFAM, pelas crises na gestão desta área vital e essencial do conhecimento e da vida das pessoas. Em outras áreas, as dificuldades se acumulam e se agravam na expectativa de uma intervenção ampla e corajosa com a participação de todos os entes sociais envolvidos.
· Zona Franca Comercial – Passadas mais de 4 décadas da instalação do modelo ZFM, onde o braço comercial ocupou um papel inicial decisivo na consolidação do projeto de desenvolvimento, alguns companheiros que meditam e militam na atividade comercial começam a repensar essa memória e sua participação na consolidação da economia regional, na geração de emprego, oportunidades e renda para a região.
Belmiro Vianez Filho é empresário e membro do Conselho Superior da Associação Comercial do Amazonas.
belmirofilho@belmiros.com.br
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