quinta-feira, 7 de maio de 2009

José Paulo Kupfer


Entre os pilares do neoliberalismo econômico destaca-se o protagonismo dos bancos centrais. As conseqüências relevantes desse fato estão sendo bem conhecidas agora, no cotidiano econômico, e, portanto, não é preciso perder muito tempo com a descrição do fenômeno e dos desastres que produziu.
Uma das mais esdrúxulas expressões desse protagonismo é o estilo desenvolvido pelos Bancos Centrais para comunicar suas decisões à praça. Forjou-se o mito de que a “coordenação de expectativas” a que os BCs deveriam se dedicar, incluía o recurso a uma linguagem cifrada, típica dos oráculos, presumivelmente só acessível aos iniciados.
A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), como se diria em coponês, superou as expectativas do contexto comunicativo anteriormente registrado, abrindo perspectivas relativamente ainda mais complexas do que a localizadas na mediana das atas publicadas para o entendimento de seus propósitos.
Ou seja, a ata reunião do Copom de fim de abril supera todas as outras no objetivo de complicar o entendimento do que pretende dizer.
Com a licença do colunista Zé Simão, o autodenominado esculhambador-geral da República, criador e líder da eterna campanha “Morte ao Tucanês”, estamos lançando a campanha “Morte ao Coponês”.
Começamos, gloriosamente, pelo parágrafo 24 da última ata:
“O Comitê entende que a continuidade do processo de flexibilização monetária torna premente a atualização de aspectos, resultantes do longo período de inflação elevada, que subsistem no arcabouço institucional do sistema financeiro nacional.”
Coponaram a mexida na poupança!
Olhem agora o parágrafo 19:
“A avaliação de decisões alternativas de política monetária deve concentrar-se, necessariamente, na análise do cenário prospectivo para a inflação e nos riscos a ele associados, em vez de privilegiar valores correntes observados para essa variável.”
Precisava tudo isso para dizer que a análise da conjuntura econômica deve olhar para a frente e não para o presente ou o passado?
São tão abundantes os casos de coponês na última ata do Copom que até os iniciados se confundiram.
Leiam o parágrafo 21:
“O Copom avalia que, diante dos sinais de arrefecimento do ritmo de atividade econômica, no que se refere, por exemplo, aos indicadores de produção industrial (ainda que exacerbados, em alguns setores, pela continuidade do ajuste de estoques), dados disponíveis sobre o mercado de trabalho e as taxas de utilização da capacidade na indústria, bem como sobre confiança de empresários e consumidores, e do recuo das expectativas de inflação para horizontes relevantes, continuaram se consolidando as perspectivas de concretização de um cenário inflacionário benigno, no qual o IPCA voltaria a evoluir de forma consistente com a trajetória das metas. Ainda assim, a despeito de haver margem para um processo de flexibilização, a política monetária deve manter postura cautelosa, visando assegurar a convergência da inflação para a trajetória de metas.”
E este trecho do parágrafo 17:
“O efeito líquido da desaceleração global sobre a trajetória da inflação doméstica segue sendo, até o momento, predominantemente benigno. O Copom enfatiza que o principal desafio da política monetária nesse contexto é garantir que os resultados favoráveis obtidos nos últimos anos sejam preservados.”
Entenderam? Bem, as consultorias e seus analistas de conjuntura, presumivelmente treinados para entender e traduzir o coponês, parece que, desta vez, boiaram.
A consultoria LCA, do primeiro time do ramo, distribuiu a seus clientes uma análise, a partir da ata do Copom, com o seguinte título: “Ata do Copom sugere que ciclo de redução da Selic terá continuidade”. Mas outra consultoria, a Rosenberg & Associados, também da primeira divisão, enviou a clientes, por e-mail, análise da ata do Copom com o seguinte título: “Ata sinaliza fim próximo da flexibilização monetária” [n. da r: "Flexibilização monetária" é o coponês da expressão em português "corte nos juros"]
Afinal, o BC continuará cortando os juros ou vai parar de cortar? Deu chabu no coponês.
José Paulo Kupfer
Nasceu no Rio de Janeiro em 1948. Jornalista desde 1967, foi repórter, redator, secretário de redação, editor-chefe e diretor em diversas publicações do Rio, São Paulo e Porto Alegre. Começou na revista Fatos & Fotos e trabalhou no Correio da Manhã, O Globo, Exame, Jornal do Brasil, Veja, Istoé, Estado de S. Paulo, Zero Hora, Gazeta Mercantil e Foco-Economia e Negócios.

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