Geraldo Luís Lino
A Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer) completou 40 anos nesta quarta-feira 19 de agosto. Criada como empresa de economia mista controlada pela União e privatizada em 1994, a Embraer é indiscutivelmente um dos símbolos dos avanços econômicos e tecnológicos conquistados pelo País nesse período. Quando surgiu, o café ainda representava mais de 45% da pauta de exportações nacionais em valor, contra os 2,49% registrados no primeiro semestre de 2009, atrás dos aviões da Embraer, que responderam por 2,75% do total (embora a participação de produtos industrializados na pauta de exportações esteja em queda acentuada desde 2000). Na ocasião, nem os mais delirantemente otimistas poderiam imaginar que ela viria a tornar-se uma das maiores empresas aeronáuticas do mundo, atrás apenas das gigantes Boeing e Airbus e disputando o terceiro posto com a canadense Bombardier (resultante da fusão das empresas Canadair, DeHavilland Canada e Avro Canada).
A criação da Embraer, com os objetivos de produzir aeronaves adequadas às necessidades brasileiras e prover capacitação tecnológica a todo um segmento industrial estabelecido ao seu redor, foi a culminância de um processo iniciado em 1947, com o estabelecimento do complexo Centro Técnico Aeroespacial-Instituto Tecnológico da Aeronáutica (CTA-ITA). Por sua vez, o CTA-ITA foi fruto da visão estratégica e da determinação do marechal-do-ar Casimiro Montenegro Filho para dotar o Brasil de um centro de formação de engenheiros e pesquisa tecnológica no setor aeroespacial - iniciativa para a qual contou com o entusiasmado apoio do Prof. Richard Harbart Smith, chefe do Departamento de Engenharia Aeronáutica do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT), que se licenciou do cargo e veio para o Brasil ajudar a criar o CTA-ITA. A criação do ITA revolucionou o ensino tecnológico no País e proporcionou a formação de uma massa crítica de engenheiros de alto nível, que se revelaria crucial para a modernização econômica e industrial ocorrida no último meio século.
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A trajetória iniciada com o CTA-ITA, passando pela criação da Embraer e da pletora de empresas de alta tecnologia que converteu São José dos Campos (SP) na equivalente nacional do Vale do Silício, constitui uma – infelizmente rara – demonstração da capacidade brasileira de realizar façanhas à altura das nações mais avançadas, quando a visão estratégica e a vontade política se juntam para colocar políticas e iniciativas públicas em sintonia com a iniciativa individual e as necessidades da sociedade em geral.
Diga-se de passagem que a própria Embraer nem sempre correspondeu a essa expectativa em sua fase privatizada, como ocorreu por ocasião da primeira versão do Projeto FX da Força Aérea Brasileira (FAB). Na época, no final do Governo Fernando Henrique, a empresa se associou precipitadamente à Dassault francesa para disputar a concorrência para o fornecimento de caças avançados para a FAB com o Mirage 2000-5, inviabilizando a pretensão da Aeronáutica de que ela pudesse atuar como receptora obrigatória de um acordo de transferência tecnológica que seria acertado com a empresa vencedora da seleção.
A falta de entrosamento entre governo e empresa decorreu, em grande medida, de um processo de privatização que deixou o Estado sem possibilidade de maior ingerência em uma empresa de alcance estratégico para o País, resultante da visão caolha de que a mera interação das "forças de mercado" seria suficiente para orientar os interesses gerais da sociedade no rumo mais positivo.
A mesma desarmonia se manifestou na ausência de mecanismos fiscais que, até há pouco, praticamente inviabilizava a aquisição dos jatos da Embraer por empresas de aviação nacionais. De fato, até a recente entrada da Azul no setor, apenas a extinta Rio-Sul havia utilizado os E-Jets, dos quais mais de 1.200 voam em empresas de dúzias de países.
Outra lacuna é a inexistência de uma fábrica de motores no País, que já se justificaria pelo volume de produção da empresa. Quando dirigiu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o economista Carlos Lessa chamou a atenção para o problema e fez algumas gestões no sentido de trazer para o Brasil a Pratt & Whitney Canada ou a General Electric, mas a iniciativa não prosperou. É hora de retomá-la.
Felizmente, o entendimento que faltou no Projeto FX possibilitou dois dos projetos mais brilhantes da Embraer, o avião de treinamento avançado e ataque leve A-29 Supertucano e os aviões de alerta antecipado e inteligência eletrônica R-99, baseados no jato de passageiros ERJ-145. Mais recentemente, o amadurecimento dessa imprescindível parceria Estado-empresa viabilizou outro projeto ambicioso e de grande alcance, o transporte militar KC-390, que está sendo desenvolvido com a participação ativa da FAB nas especificações da aeronave e com um investimento de 1,3 bilhão de dólares para o desenvolvimento de dois protótipos. Com início da produção em série previsto para 2015, o KC-390 deverá substituir os veteranos Lockheed C-130 da FAB e tem um grande potencial para disputar a substituição da mesma aeronave no mercado internacional.
A decisão de implementar o projeto KC-390 como um programa de Estado deveria servir de exemplo para outras iniciativas no âmbito do reequipamento das Forças Armadas, de modo a maximizar os benefícios de projetos de tecnologia avançada, não apenas para as próprias F.As, mas para a indústria e a capacitação da força de trabalho nacionais em geral. Além de consolidar a Embraer como uma "empresa do Brasil" - e não apenas de seus acionistas -, ela sinaliza também o caminho para a imprescindível harmonia de interesses que deve orientar as relações entre o setor público e a iniciativa privada em uma sociedade moderna.
MSIA
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