Eis que Sarney se torna o inimigo público número um! Ele é a vítima perfeita, pelas mesmas razões que Renan Calheiros também era uma excelente presa para os ódios midiáticos. Sarney não tem a simpatia da esquerda porque é um político conservador e tradicionalista. E desde que tornou-se um importante suporte do governo Lula, perdeu também a simpatia das direitas. Restou-lhe a tolerância morna, quase indiferença, do centro político da opinião pública. A campanha midiática contra Sarney, portanto, conseguiu ganhar corpo com imensa facilidade.
Por quê?
1) Por que a mídia tem facilidade de fazer campanha contra qualquer um, sobretudo se apoiar Lula. Se o Papa elogiar Lula, no dia seguinte, encontraremos todos os podres dele estampados nos jornais. Obama, que chamou Lula de "o cara", perdeu a graça junto a mídia. A cobertura da política obamista esfriou repentinamente.
2) Sarney pertence a uma das famílias mais enraizadas na política. Tem centenas, talvez milhares, de parentes e contraparentes e sei lá mais quem trabalhando com política. Achar um sobrinho, um apadrinhado, um amigo-do-filho de Sarney trabalhando em alguma das milhões de sinecuras de Brasília é a coisa mais fácil do mundo. Mas pelo menos a filha do Sarney, Roseana, foi pra rua e elegeu-se pelo voto popular, ao contrário da filha de FHC, que, ao ser flagrada trabalhando "em casa" para o senador Heráclito Fortes, reagiu dizendo que "o Senado é uma bagunça". Essa arrogância, de comer no prato onde se refestelou, é de lascar.
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O que está em jogo, afinal, não é o destino de Sarney, mas a cadeira de presidente do Senado num momento em que a oposição, com apoio obstinado e histérico da mídia, se prepara para iniciar a CPI da Petrobrás. A mídia está louca para trocar Sarney por outro menos comprometido com a governabilidade. Fale-se o que quiser de Sarney, mas ele tem prestado um importante apoio ao presidente Lula. O Senado é o calcanhar de aquiles do governo Lula. É onde a oposição é mais forte. Por isso, a mídia se ocupa tanto do Senado, porque sabe que é ali que pode surgir um ataque efetivo ao presidente Lula. O Senado pode votar um pedido de impeachment. Pode atrasar indefinidamente a liberação de um orçamento. Pode destruir, através de uma CPI bem orientada, a reputação de uma candidata...
Ao infernizar a vida dos senadores da base aliada, a mídia manda o seu recado: tudo bem, podem apoiar Lula, mas pagarão caro por isso! A campanha para derrubar Sarney, no entanto, não desgasta somente o Senado. Serve também para mostrar à classe política que ela não pode mais fugir à batalha ideológica travada nos meios de comunicação. Deve partir para o enfrentamento usando as armas que os eleitores deram. As armas são as leis. Se existem legisladores, é porque as leis precisam estar sendo constantemente atualizadas para dar conta de uma realidade dinâmica que muda a cada instante. A classe política precisa, portanto, votar leis que moralizem a comunicação pública no Brasil. E agora que teremos também um Parlamento do Mercosul, cumpre estabelecer parâmetros legais e democráticos comuns a todo continente americano.
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A situação de Sarney lembrou-me a República de Weimar, o breve governo republicano e democrático que vigiu na Alemanha entre as duas grandes guerras, e que foi derrubado pelo nazismo. A república era atacada duramente pela esquerda e pela direita. O país enfrentava uma severa crise econômica, em consequência da derrota militar em 1918 e agravada pela crise das bolsas em 1929, e os políticos do weimar se tornaram, de repente, símbolo de todos os males que afligiam os alemães. A república de weimar era o sarney germânico. Os sindicatos alemães, muito fortes e organizados, uniram-se à campanha das elites para desmoralizar o governo. Os objetivos eram opostos, naturalmente, mas o adversário era um só. Enfim, conseguiram derrubar a república. E daí nasceu o nazismo. A lição dessa história é que os sindicatos alemães e a inteligentzia de esquerda incorreram num imperdoável erro estratégico. Ajudaram a desestabilizar um governo sem considerar as consequências para a classe trabalhadora, para o povo alemão em geral, e para o mundo. É sempre confortável unir-se à gritaria moralista e vociferar que os políticos são todos corruptos. Mas e aí? Quid prodest? A quem beneficia a campanha? Remover Sarney da presidência do Senado às vésperas da instalação da CPI da Petrobrás me parece extremamente oportuno para a direita golpista, para essa direita que, agora vemos claramente, ainda acredita em golpes militares.
Do Blog de Miguel Rosário...
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