O "subsídio cruzado"
Nilder Costa
(Alerta em Rede) – Uma das boas imagens para mostrar quão escandaloso é o subsídio agrícola da União Européia é o custo diário, para o contribuinte, de cada vaca que “pasta” em campos europeus: 2,50 euros (R$ 7,00). Essa e outras informações fazem parte da contundente reportagem da Deutsche Welle, agência noticiosa alemã, revelando que os milionários subsídios agrícolas na Europa prejudicam contribuintes, agricultores africanos e, o que é pior, não vão para os pequenos agricultores europeus, mas para grandes corporações. “Na União Européia, os 60% menores produtores recebem 10% do dinheiro dos subsídios, e 2% do andar de cima ficam com 25%... A imagem de pequenas propriedades rurais que a maioria dos consumidores europeus têm na cabeça quando compra alimentos no supermercado há muito não corresponde à realidade”, diz a matéria. [1] É de pasmar, mas praticamente metade do orçamento da União Européia é destinado ao pagamento de subsídios agrícolas, apesar de menos de 3% da população do bloco viver da agricultura. Em 2005, por exemplo, a insuspeita ONG britânica Oxfam já havia denunciado que, entre os beneficiários dos subsídios, se encontravam representantes da fina-flor da nobreza européia, como o príncipe Albert, do Mônaco, que recebeu mais de US$ 300 mil em apoio à produção de cereais de suas fazendas no norte da França; a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, que recebeu mais de US$ 700 mil em subsídios agrícolas, além de duques, barões e lordes de refinada estirpe. Mas o benefício foi tanto nobre quanto plebeu. Na Holanda, ainda segundo a Oxfam, os principais beneficiários da ajuda direta e subsídio à exportação (entre 1999 e 2003) foram a filial holandesa da empresa de doces Mars, a cervejaria Heineken e a empresa de tabaco americana Philip Morris. Na Espanha, os sete principais beneficiários receberam juntos o equivalente ao que foi dado a outros 12.700 pequenos agricultores. O então ministro da Agricultura da Holanda, Cees Veerman, obteve por essa via US$ 180 mil, e também figura na lista a ex-comissária da Agricultura da UE, Mariann Fische. [2] Mas o destino dos subsídios agrícolas estadunidenses também não escapou à reportagem da Deutsche Welle. Nos EUA, cerca de 60% dos fazendeiros não recebem nada do Estado – mas os 10% mais ricos do setor agrícola ficam com 72% do total de subsídios estatais. Tanto nos Estados Unidos como na Europa, é indiferente quanto é produzido: os lucros não advêm da produção, mas dos subsídios. Como a produção excedente é exportada, cria-se uma super-oferta no mercado internacional, reduzindo preços como o do algodão, por exemplo. Em 2001 e 2002, o governo americano distribuiu cerca de 4 bilhões de dólares para os produtores de algodão do país, mais do que a comercialização da produção rendeu no mercado mundial. Especialistas avaliam que subsídios como esse custem mais de 250 milhões de dólares por ano aos produtores africanos de algodão, levando muitos deles à ruína. Ocorre que, em paralelo ao recebimento de milionários subsídios agrícolas, poderosos grupos do setor pressionam a União Européia para levantar barreiras protecionistas não tarifárias, principalmente as “socioambientais”, contra a entrada de produtos concorrentes e, em especial, do Brasil. O fato é que existem relações de patrocínio – algumas nebulosas e outras abertas - entre representantes desses grupos (e até mesmo de entidades governamentais) com ONGs internacionais sediadas na Holanda e que atuam fortemente no Brasil, onde realizam um profícuo “trabalho de campo” para dar suporte às exigências protecionistas de produtores europeus. Os resultados mais recentes dessa ofensiva “socioambiental” foram sentidos diretamente pela cadeia produtiva de carne bovina brasileira made in “Amazônia”. Em tal quadro, não seria exagero cogitar que existe uma espécie de "subsídio cruzado" para as ONGs.
Notas:
[1]Subsídios agrícolas da UE prejudicam contribuintes europeus e agricultores africanos, Agência Deutsche Welle, 09/07/2009
[2]Sobre subsídios agrícolas e as barreiras socioambientais, Alerta Científico e Ambiental, 13/11/2005
(Alerta em Rede) – Uma das boas imagens para mostrar quão escandaloso é o subsídio agrícola da União Européia é o custo diário, para o contribuinte, de cada vaca que “pasta” em campos europeus: 2,50 euros (R$ 7,00). Essa e outras informações fazem parte da contundente reportagem da Deutsche Welle, agência noticiosa alemã, revelando que os milionários subsídios agrícolas na Europa prejudicam contribuintes, agricultores africanos e, o que é pior, não vão para os pequenos agricultores europeus, mas para grandes corporações. “Na União Européia, os 60% menores produtores recebem 10% do dinheiro dos subsídios, e 2% do andar de cima ficam com 25%... A imagem de pequenas propriedades rurais que a maioria dos consumidores europeus têm na cabeça quando compra alimentos no supermercado há muito não corresponde à realidade”, diz a matéria. [1] É de pasmar, mas praticamente metade do orçamento da União Européia é destinado ao pagamento de subsídios agrícolas, apesar de menos de 3% da população do bloco viver da agricultura. Em 2005, por exemplo, a insuspeita ONG britânica Oxfam já havia denunciado que, entre os beneficiários dos subsídios, se encontravam representantes da fina-flor da nobreza européia, como o príncipe Albert, do Mônaco, que recebeu mais de US$ 300 mil em apoio à produção de cereais de suas fazendas no norte da França; a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, que recebeu mais de US$ 700 mil em subsídios agrícolas, além de duques, barões e lordes de refinada estirpe. Mas o benefício foi tanto nobre quanto plebeu. Na Holanda, ainda segundo a Oxfam, os principais beneficiários da ajuda direta e subsídio à exportação (entre 1999 e 2003) foram a filial holandesa da empresa de doces Mars, a cervejaria Heineken e a empresa de tabaco americana Philip Morris. Na Espanha, os sete principais beneficiários receberam juntos o equivalente ao que foi dado a outros 12.700 pequenos agricultores. O então ministro da Agricultura da Holanda, Cees Veerman, obteve por essa via US$ 180 mil, e também figura na lista a ex-comissária da Agricultura da UE, Mariann Fische. [2] Mas o destino dos subsídios agrícolas estadunidenses também não escapou à reportagem da Deutsche Welle. Nos EUA, cerca de 60% dos fazendeiros não recebem nada do Estado – mas os 10% mais ricos do setor agrícola ficam com 72% do total de subsídios estatais. Tanto nos Estados Unidos como na Europa, é indiferente quanto é produzido: os lucros não advêm da produção, mas dos subsídios. Como a produção excedente é exportada, cria-se uma super-oferta no mercado internacional, reduzindo preços como o do algodão, por exemplo. Em 2001 e 2002, o governo americano distribuiu cerca de 4 bilhões de dólares para os produtores de algodão do país, mais do que a comercialização da produção rendeu no mercado mundial. Especialistas avaliam que subsídios como esse custem mais de 250 milhões de dólares por ano aos produtores africanos de algodão, levando muitos deles à ruína. Ocorre que, em paralelo ao recebimento de milionários subsídios agrícolas, poderosos grupos do setor pressionam a União Européia para levantar barreiras protecionistas não tarifárias, principalmente as “socioambientais”, contra a entrada de produtos concorrentes e, em especial, do Brasil. O fato é que existem relações de patrocínio – algumas nebulosas e outras abertas - entre representantes desses grupos (e até mesmo de entidades governamentais) com ONGs internacionais sediadas na Holanda e que atuam fortemente no Brasil, onde realizam um profícuo “trabalho de campo” para dar suporte às exigências protecionistas de produtores europeus. Os resultados mais recentes dessa ofensiva “socioambiental” foram sentidos diretamente pela cadeia produtiva de carne bovina brasileira made in “Amazônia”. Em tal quadro, não seria exagero cogitar que existe uma espécie de "subsídio cruzado" para as ONGs.
Notas:
[1]Subsídios agrícolas da UE prejudicam contribuintes europeus e agricultores africanos, Agência Deutsche Welle, 09/07/2009
[2]Sobre subsídios agrícolas e as barreiras socioambientais, Alerta Científico e Ambiental, 13/11/2005
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