Gilberto Mestrinho: uma homenagem deste Blog a um grande brasileiro...

Em dias bicudos de falta inexplicável de patriotismo e respeito às lideranças políticas e às instituições, tempos de um ambientalismo malthusianismo sinistro que permeia cada vez mais as discussões sobre ecologia, o Amazonas, o Brasil e a Humanidade perdem um grande homem: o meu amigo Gilberto Mestrinho, carinhosamente chamado de "boto tucuxi" pelos amazonenses. Foram 81 anos de uma vida vitoriosa, batalhadora, competente e honrada, de amor às causas impossíveis e ao interesse público, grande parte dedicada aos caboclinhos ribeirinhos da Amazônia e à Soberania do Brasil na região. Tive o prazer de conhecê-lo através do meu melhor amigo, o jornalista Vicente Limongi Netto. Mestrinho, através do Limongi, leu um artigo meu publicado na Revista Pangea Mundo, intitulado A Amazônia é deles. A publicação foi do dia 1º de março de 2002. Uma semana depois, o senador me mandou um bilhete elogiando o artigo.

Como eu conhecia a história e o trabalho dele, fiquei realmente orgulhoso. Fui visitá-lo. Conversamos muito. O assunto, claro!, a Amazônia. Realmente aprendi muito. A partir daí, a admiração mútua foi uma constante. Eu havia acompanhado o trabalho dele e de outro grande amazônida, o senador Mozarildo Cavalcanti, na CPI das ONGs. Escrevi a respeito. O trabalho deles foi excelente, embora a grande mídia não tenha dado o devido valor, como era de se esperar. Mas, faço questão de lembrar, o mais importante para mim foi o livro sobre a Amazônia - “Amazônia: Terra verde, sonho da Humanidade” - que ele me deu com a dedicatória: “Ao brilhante articulista Said Barbosa Dib, com a admiração do Gilberto Mestrinho”.
Mas, no Senado, a fama do boto de ser um parlamentar de destaque não se restringia às questões amazônidas. Ele se destacava – e era muito respeitado – quando o assunto era finanças públicas. Sua formação contábil lhe permitiu ser conhecido como um dos que mais conheciam os difíceis trâmites do Orçamento Federal. Quer dizer, no Senado, onde brilhou, além das aulas que dava sobre a realidade amazônida, era reconhecido também pelo profundo conhecimento da questão orçamentária. Destacou-se por comandar a Comissão Mista de Orçamento por três anos seguidos (entre 1999 e 2007), algo que nunca havia acontecido; fato que mostra como os seus pares o admiravam. Tinha a confiança de todos os líderes, independente de cor partidária. Por essas e outras, foi, com justiça, recentemente homenageado pela Câmara Municipal de Manaus pelos relevantes serviços prestados à cidade de Manaus e ao Estado do Amazonas.

Fernando Collyer, ilustre jornalista, no magnífico livro “A farsa da preservação da Amazônia”, assim descreveu o “boto tucuxi”:

"Gilberto Mestrinho não é desses tipos necessariamente emocionais, mesmo defendendo uma causa apaixonante. De uma consciência amazônica muito forte, fruto talvez de sua genética indígena, defende a Amazônia, os índios e os caboclos, qual um gladiador ribeirinho, sem aspirar ao heroísmo provinciano, nem solfejar uma sinfonia amazônica na base da emoção, que mais seria uma opereta-bufa em reedição melhorada. Ao contrário, é um homem forte, corajoso e competente (...) Foi o precursor de um novo conceito de Amazônia, conseguindo despertar uma consciência nacional e mesmo internacional sobre a verdade amazônica. Não a que vinha sendo difundida, de desmatamento, queimadas, matanças de índios, como se a região estivesse sendo flagelada por irresponsáveis, ignorando que são esses mesmos cablocos que a mantém intocada e brasileira, a maior floresta contínua do planeta. O governador Mestrinho, além de demonstrar grande conhecimento do assunto, tem a coragem de indentificar e denunciar o que está por trás de toda essa campanha difamatória contra a região amazônica, hoje, na lista das dez palavras mais publicadas na imprensa internacional. (...)
Sempre abordando com paciência questões da campanha contra a Amazônia; do propalado buraco de ozônio provocado pelas queimadas; das continentais reservas de terras destinadas aos índios; da vocação florestal da região; da potencialidade econômica e dos interesses de grandes grupos internacionais nas ricas jazidas de minérios, o governador Mestrinho soube desmistificar, com a autoridade de quem sempre viveu na região, muita coisa errada que se fala sobre o assunto...”.

O amigo de longos anos, o jornalista Vicente Limongi Netto, hoje mesmo escreveu com emoção sobre Mestrinho:

“Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo, os Deuses e as estrelas te saúdam! Mestrinho honrou a vida. Foi grande em tudo. No amor, na bondade, no carinho com seus semelhantes, na competência a serviço do Amazonas e do Brasil, na firmeza de suas ações, na defesa dos pleitos dos amazonenses. Honrado, honroso e digno em todas suas ações. Sabia ouvir, ponderava com sólida argumentação, exigia e trabalhava sempre por tudo que o cidadão merece, emprego, segurança, moradia e escola. Conhecia e discutia todos os assuntos com invulgar sabedoria. Otimista, tinha sempre uma palavra de carinho com todos que o procuravam. Poucos, raros, tiveram como Gilberto Mestrinho uma vida inteira dedicada ao homem humilde do Amazonas. Em todos seus gestos havia sinceridade, firmeza de atitude e caráter. O Brasil desde já sente falta de um homem da estirpe de Mestrinho. Descanse em paz, querido amigo.”

A verdade é que nos dias de hoje nos falta a valorização devida de homens como Mestrinho. Passamos a desconsiderar os nossos heróis. O que Mestrinho fez, o que escreveu e o que pregou é um canto de advertência às novas gerações. Um canto que merece ser ouvido e refletido sempre. Hoje, com a postura apátrida e as incompetências sucessivas de figurinhas oportunistas como a da santinha- do-pau-ôco, Marina Silva, e do maconheiro Minc, na condução da questão da criação de Unidades de Conservação e da necessidade de regulamentação fundiária da Amazônia, por exemplo, é oportuno lembrar das admoestações de Mestrinho, um caboclo que sabe tudo do assunto de forma empírica. Sem teorias importadas. Apenas convivendo com o povo da Amazônia. Lembro-me, por exemplo, do pronunciamento que fez no Plenário do Senado Federal, no dia 11 de maio de 2006, falando justamente do tema. Vale a pena conferir novamente o pronunciamento. Num trecho ele diz: "A precipitação sintomática na criação das reservas acaba criando problemas em lugar de evitá-los. Não há demarcação efetiva para evitar problemas fundiários. Além da inexistência dos Planos de Manejo, o Poder Público não disponibiliza qualquer tipo de infra-estrutura, não há estímulo à pesquisa científica nem qualquer equipamento de monitoramento e controle e praticamente inexistem opções de inserção da Unidade em projetos de desenvolvimento da região. Um preservacionismo maroto que tenta camuflar negligências e propósitos escusos. Um patrimônio imenso a serviço de quem?"
Para conferir o discurso completo de Gilberto Mestrinho, clique aqui.

Mas, ainda em homenagem ao amigo, publico a introdução do seu fabuloso livro “Amazônia: Terra verde, sonho da Humanidade”. Eu até pretendia escrever sobre o assunto. Mas as palavras de Mestrinho dizem tudo o que realmente importa. Confiram:

“Até certo tempo, alguns ambientalistas atribuíam-me o papel de anti-herói do que eles definem como pensamento preservacionista do Brasil. No espalhar dos eco-fanáticos, eu seria o inimigo número um da ecologia. Quem sabe, o incômodo nativo, seguidamente eleito por seu povo, que aprendeu as lições do passado, conheceu todas as florestas do mundo e ousou contestar as teorias pseudocientífuicas sobre a Amazônia? Nas platéias mais acirradas – e na esfera política , por assim dizer – convivi com a intolerância e o preconceito, a falta de informação em o despreparo.
Mas tenho a alegria de dizer que encontrei em número crescente neste país, e fora de suas fronteiras, pessoas realmente interessadas no reaprendizado e na solução da problemática amazônica. Pessoas que taziam nos olhos a esperança contida no verde de seu Eldorado, o entusiasmo e a vontade de decifrar este enigma da humanidade. Com a racionalização do debate, em lugar do emocionalismo, muita coisa mudou. O mito da Amazômia intocada caiu por terra. Até a imprensa transformou sua charge a meu respeito. De anti-heroi passei a ser o boto retumbante. Muitas das minhas teses, extraídas do conhecimento empírico, acabaram por se incorporar ao discurso e à prática agrícola de países do Primeiro Mundo. Helmut Khol bateu-me no ombro impressionado com a conservação de nosso ecossistema, quase 500 anos depois da ocupação européia.
Como outros estadistas, ele viu a Amazônia intacta, com seu banco genético aberto à exploração de suas potencialidades, sem xenofobia e sem ingenuidades, naturalmente. À espera, apenas, que a tecnologia que hoje desemprega milhões de operários possa ter efeito inverso em nossa região, mediante o aproveitamento da fantástica biodiversidade da floresta de terra firme e de sua incomensurável riqueza hídrica na produção de proteínas...
É isto que o mundo quer saber na atualidade. Em meu habitat, entre rios e a floresta, tenho sido visitado por jornais de vários idiomas e sempre me sobra a curiosidade de ver como minhas idéias foram recebidas por seus leitores. A ansiedade de atingir diretamente o público cada vez mais amplo e a necessidade de fundamentar de modo mais claro e consistente minhas teses, para que sejam um dia compreendidas e assimiladas até pelos mais radicais, sobre o que todos nós consideramos o objetivo comum da humanidade, levaram-me à eleboração deste livro:
- A Amazônia, segundo minha visão, a partir de sua origem e do relato que lhe deu o nome.
Gilberto Mestrinho
1994

Frases que sintetizam as idéias básicas do Livro:

Aos que entendem que a espécie mais nobre da natureza é o ser humano.

Ou assumimos o desafio de decifrar nossos mistérios e possibilidades ou seremos devorados pelos equívocos e distorções divulgados hoje sobre a Amazônia.

Pode falar com mais autoridade sobre a Amazônia quem nela vive, ou viveu, e por ela se deixou envolver.

O tesouro das Icamiabas não naufragou. Ele existe, está no meio de nós, e cumpre-nos encontrá-lo com perseverança e competência.

O homem se aprimora na exata proporção de sua capacidade de conviver com o meio ambiente.

A pobreza depreda e polui

Selo verde: uma nova investida contra nossa matéria-prima
É inconcebível discutir a questão amazônica sem questionar a ordem econômica internacional calcada na desigualdade crescente entre nações.

Deverá o futuro sempre ameaçar o presente?

A questão não é simplesmente quebrar o caroço do qual provém a luz. O que importa é saber como, por que e para quem quebrá-lo

Sob o discurso da preservação, a tetativa do imobilismo

A Amazônia está à disposição do mundo. Não podia ser diferente. Sem xenofobia, mas também sem ingenuidades.

É isso. O corpo se vai. Natural como as águas do Amazonas que fluem há milênios. Faz parte da vida. Mas, a obra de um homem como Mestrinho transcende, fica na História para as gerações futuras. É eterna. O corpo será velado a partir deste domingo às 15 horas, no Palácio Rio Negro, antiga sede do governo do Amazonas, de onde Mestrinho governou o Amazonas por três vezes. O enterro está marcado para as 10 horas da terça-feira (21) no cemitério São João Batista. Mestrinho deixa a esposa, Maria Emília Mestrinho, e nove filhos. Mas, a obra e o exemplo de vida, ficam para sempre nos corações e mentes de quem ama o Brasil.