quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Estratégia Nacional de Defesa e parceria com França


"Desmilitarização" em xeque?

Lorenzo Carrasco


(Alerta em Rede) No início de outubro, a convite da editora argentina Taeda, que publica a revista Def - Desarrollo y defesa, energía y medio ambiente, o ministro da Defesa Nelson Jobim visitou Buenos Aires, para proferir uma conferência sobre os delineamentos e desdobramentos da Estratégia Nacional de Defesa (END) brasileira e esclarecer as múltiplas questões suscitadas no país vizinho pela então recém-assinada parceria estratégica com a França. Na oportunidade, foi possível constatar o marcante contraste com que os dois governos estão tratando das questões referentes às Forças Armadas, aí incluídas as suas necessidades de adestramento e reequipamento e, não menos relevante, o tratamento político dos integrantes dos regimes militares do final do século passado, que, como assinalou o próprio Jobim, está prejudicando seriamente os esforços de cooperação militar bilateral.

Pela importância do visitante e a relevância do assunto, esperar-se-ia que a conferência atraísse o interesse do governo e da cúpula militar argentinas, mas o que se viu foi o oposto. Por instruções diretas da Casa Rosada, nenhum integrante do governo argentino se encontrou com Jobim (que só foi recebido pelo governador de Buenos Aires, Daniel Scioli), tendo a ministra da Defesa Nilda Garré simplesmente proibido a participação de qualquer militar da ativa no evento. Como se sabe, Garré é uma veterana ativista de direitos humanos e foi nomeada em 2005 pelo então presidente Néstor Kirchner, como elemento-chave da política antimilitarista deste, mantida em suas linhas básicas por sua mulher e sucessora Cristina. De fato, sob o regime do casal K, as Forças Armadas argentinas não apenas têm sido mantidas a pão e água, sob pesadas restrições orçamentárias que têm comprometido seriamente a sua capacidade operacional (para não mencionar os programas de modernização), como também têm sido submetidas a sucessivas iniciativas revanchistas, parte de uma agenda "desmilitarizadora" estabelecida ainda na década de 1980 pelo Establishment anglo-americano e da qual numerosas lideranças políticas, na Argentina e nos demais países da região, têm sido cúmplices conscientes.

Na conferência, dando a sua opinião pessoal, Jobim observou que os julgamentos pelas violações de direitos humanos durante o regime militar constituem um fator que impede a Argentina de levar adiante uma política de Defesa com visão de futuro, situação que tem prejudicado a cooperação com o Brasil. Segundo ele, todos os programas militares binacionais estão suspensos por iniciativa argentina.

Dias antes da visita, o governo argentino cancelou a participação na Operação Fraterno, exercício naval que se realiza anualmente desde 1978 entre as duas marinhas. O pretexto "oficial" foi a falta de aprovação em tempo da mobilização naval pelo Congresso, como é requerido pela lei argentina. Nos meios militares argentinos, comenta-se que a Casa Rosada teria retardado deliberadamente o envio do pedido de autorização. O episódio causou grandes constrangimentos nos dois países, pois a flotilha brasileira já navegava na altura do Rio Grande do Sul quando recebeu a notícia do cancelamento do exercício (Infobae, 8/10/09).

Em um artigo publicado no La Nación de 29 de outubro ("Por que o Brasil terá três submarinos nucleares"), o analista Rosendo Fraga, do sítio Nueva Mayoría, comentou de forma bastante positiva a estratégia brasileira, lamentando que não haja da parte do governo argentino "uma vocação de cooperação no plano militar com o Brasil". Fraga deu grande destaque ao projeto do submarino nuclear:

[Jobim] informou que o projeto do submarino nuclear... contempla a produção de três submersíveis deste tipo, destinados a proteger o litoral marítimo do país e dar segurança ao Atlântico Sul, incluindo para isto acordos com países da África que têm costa pare esse oceano... Que os submarinos nucleares brasileiros sejam três, e não um, como parecia, só implica que a Marinha desse país aplica um princípio básico de tal sistema de armas. Para poder operar de forma permanente, se necessitam três, já que um estará em operações, outro em reparos, manutenção ou descanso, e o terceiro em estação, ou seja, pronto para operar a qualquer momento ou substituir o que está em operações. Quer dizer que o Brasil não procura ter um submarino nuclear para integrar o seleto grupo de países do mundo que possuem este tipo de armamento, mas pretende dar-lhe um uso concreto e efetivo e, por esta razão, necessita que sejam três e não um.

Fraga finaliza enfatizando que "o Brasil é a relação mais importante para a Argentina na América Latina e, por esta razão, a cooperação e harmonia com esse país devem ser prioridades para a política exterior argentina".

Embora seja cedo para qualquer avaliação, o fato é que as iniciativas brasileiras representaram um ponto de inflexão nas estratégias de defesa em uma região onde, com as exceções do Chile e da Colômbia, por razões distintas, as questões de defesa têm sido historicamente relegadas a plano secundário pelas lideranças políticas. No próprio Brasil, a despeito de concessões pontuais aos setores ditos "progressistas" que gravitam ao redor do governo, quanto à persistência de um certo impulso revanchista contra os militares, a elaboração da END e os ambiciosos planos de reequipamento em curso têm um grande potencial para sepultar definitivamente tal perturbação e a agenda "desmilitarizadora". E não se pode desprezar a perspectiva de que tais efeitos se espalhem além das fronteiras nacionais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário