terça-feira, 26 de agosto de 2008

Ives Gandra Martins*

Guetos governamentais
Jornal do Brasil

Uma das características do 2º mandato do presidente Lula é a formação de guetos intocáveis no seu governo, que o próprio presidente, por prudência ou receio, não desarma. Neste quadro, repetidas vezes, as divergências não conseguem ser abafadas.
Lembro algumas delas. O MST, com sua arrogância e métodos totalitários, continua destruindo propriedades públicas e privadas, sem que haja a menor reação por parte do Poder. Pelo contrário, financia escolas do bando, onde somente seus partidários são admitidos. O Incra é, pois, um dos guetos governamentais inatingíveis.
A Funai assegurou a 380 mil índios (população de um município médio no Brasil) mais de 100 milhões de hectares (13% do território nacional) e, nesta área, os demais brasileiros só entram se autorizados por funcionário da instituição. O inciso XV do art. 5º da Constituição Federal nada vale, nestes territórios indígenas, pois ali não se pode circular livremente. É um outro gueto governamental.
Os guerrilheiros – que, tal como os agentes de repressão do regime anterior, torturaram e mataram pessoas – fizeram excelente negócio, ao tentar impor sua ideologia pelas armas. Superados os arroubos ideológicos, conquistaram o poder pelas vias democráticas, e utilizam-no para obter para si mesmos indenizações milionárias, pagas pelos contribuintes brasileiros. O ministério, que as outorga, é constituído por alguns deles. Trata-se de outro gueto governamental, que, agora, seletivamente, pretende punir apenas os torturadores do outro lado, não os da guerrilha, hoje beneficiários das auto-outorgadas nababescas indenizações. Contam com o apoio do ministro da Justiça, nada obstante a Constituição Federal ter colocado uma pedra sobre o triste passado. É outro gueto governamental, com perfil autônomo.
Compreende-se, pois, que o ministro da Defesa, na preservação constitucional (art. 142 da C.F.) daquelas forças que têm a incumbência de proteger o país, as instituições e os três Poderes, tenha se oposto ao "gueto dos guerrilheiros". Mas, ao fazê-lo, demonstrou que seu ministério também tem luz própria, constituindo um outro gueto governamental.
A tudo isto, assiste o presidente – quando está no Brasil – impassível, apoiando os aprendizes de ditadores (Evo e Chávez) ou os próprios ditadores (Fidel e Raul Castro), assim como aliados europeus e americanos, numa tentativa de agradar a gregos e troianos, no plano internacional, de certa forma, transferindo sua ação maior para as relações externas.
Creio que o presidente Lula, durante sua vida de sindicalista – como, aliás, afirmou, quando candidato – aprendeu mesmo a conviver com as diversas correntes de pensamento, inclusive com os eleitores, de todas as ideologias, que o levaram, pela segunda vez, ao exercício da Presidência. E tal virtude tem-lhe permitido pairar sobre os guetos que se formaram, no bojo de seu governo. Temo, todavia, que esta excessiva tendência à contemporização – ao ponto de apoiar duas correntes de pensamento econômico quase conflitantes (Mantega-Meirelles) – possa, em algum momento, permitir que lhe usurpem o comando, pois de tal forma delegou-o, que reassumi-lo, agora, não será fácil.
Nunca é demais lembrar – respeitadas as devidas proporções e a violência dos métodos da época – o que ocorreu no século 3 do Império Romano. Os guetos formados entre os diversos exércitos romanos levaram a um período de tal instabilidade, que os imperadores duravam pouco no poder. Não conseguiam dominar seus comandantes e eram substituídos por aqueles que, no momento em que derrubavam o imperador anterior, adquiriam maior prestígio nos seus redutos militares.
Creio que valha a pena o presidente Lula debruçar-se mais sobre a atual realidade brasileira.



*Jurista, professor de Direito e escritor

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