segunda-feira, 31 de maio de 2010

Carlos Lessa

Belo Monte e o diabo

Sistema brasileiro combina energia elétrica barata para as atividades eletrointensivas com energia extremamente cara para uso residencial e iluminação pública

O Brasil dispõe de três grandes bacias hidrográficas, cada uma regida por um calendário pluviométrico e regime climático próprio e diferenciado. Isto permitiu ao Brasil instalar a geração hidráulica como fonte prioritária de eletricidade e desenvolver um sistema integrado de usinas de geração e linhas de transmissão que possibilitou ao Brasil uma energia limpa, renovável e barata. O esquartejamento da privatização levou o país a uma situação que combina energia elétrica barata para as atividades eletrointensivas (como a produção de alumínio, cimento, papel e celulose) com energia extremamente cara para uso residencial, iluminação pública e empresas não eletrointensivas. Pelo sistema "de mercado" instalado, o consumidor brasileiro é sangrado pelo custo de energia elétrica e "subsidia" as exportações de alumínio, aço, celulose de fibra curta, ferro-silício, ferro-manganês, entre outros. As cidades brasileiras estão subabastecidas para iluminação pública, o que tem graves consequências sobre a qualidade da vida urbana. A lucratividade das concessionárias, predominantemente estrangeiras, que adquiriram as empresas privatizadas - pagando em parte com moedas podres e financiadas com créditos de banco públicos, é hoje recordista em lucratividade sobre patrimônio (superior a 20% a.a., na maioria das empresas). Os lucros anuais das elétricas (acompanhadas pela CVM) cresceram durante os oito anos do governo Lula em 230%. O investimento produtivo das elétricas, ao contrário do proclamado pelos privatizantes, foi reduzido e insuficiente. As distribuidoras de energia, nas grandes cidades, em sua maioria cortaram e comprimiram os gastos de operação e manutenção. Qualquer carioca ou paulista sabe a frequência das interrupções e oscilações de carga. Em resumo, com o sistema estatal, o Brasil construiu a melhor matriz energética renovável do planeta. Com a privatização, esta renovabilidade está sendo corroída, pois a crise de suprimento energético estimulou a instalação da termeletricidade, que consome gás, óleo, combustível e outros itens não renováveis. A termeletricidade tem custos muito elevados, é altamente poluidora, mas é implantada com relativa rapidez. Essa "solução" foi implantada devido à atrofia do investimento público em hidreletricidade e "timidez" das empresas privadas. Qualquer matriz energética deve ter termelétricas para cobrir situações ocasionais de escassez e/ou dominar a tecnologia de operação de eletricidade termonuclear. Entretanto, é uma estupidez que um país com amplo potencial hidrelétrico não lhe confira prioridade a partir de um planejamento eficiente para instalar novas usinas hidrelétricas. A pressa em privatizar, no governo FHC, não apenas desmantelou o setor elétrico estatal, como também implodiu o sistema de planejamento e financiamento do setor energético. Utilizou consultoria britânica, ou seja, de um país que não dispõe de significativa hidreletricidade. Acatou, em nome da "competição", o esquartejamento do sistema elétrico brasileiro. O governo Lula herdou uma situação caótica, cujo marco foi o grande apagão do final de FHC. Foi capaz de reduzir algumas dimensões da herança maldita, porém foi tímido em relação à restauração da presença estatal.

Leia o artigo completo do “Valor Econômico”...

Carlos Lessa é doutor em economista. Foi professor do Instituto Rio Branco do Itamaraty (1961-1964) e da UFRJ. Também presidiu o BNDES no governo Lula.

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