sexta-feira, 21 de maio de 2010

O acordo de Teerã: diplomacia da harmonia das nações

O porta-aviões Harry Truman parte para o Golfo Pérsico em 21 de maio. Dificilmente, ameaças militares terão sucesso onde o Brasil e a Turquia estão tentando favorecer a diplomacia

Independentemente dos seus desdobramentos, a mediação do acordo sobre o programa nuclear do Irã feita pelos governos do Brasil e da Turquia, com o envolvimento direto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do premier Recep Erdogan, representa um marco histórico para a célere transformação da ordem de poder mundial em curso. De fato, ao se inserirem em um processo político até agora dirigido por um seleto clube de países, que o vêm conduzindo com base na iniquidade das relações internacionais, Brasília e Ankara demonstraram ser possível abrir caminho para a superação de divergências e impasses com uma orientação diferente, a única que historicamente se tem mostrado capaz de proporcionar uma efetiva harmonização de interesses entre as nações. Ao mesmo tempo, os dois países colocaram em xeque o sistema de "governança global" centrado nas potências nucleares do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o símbolo máximo da vetusta e discriminatória ordem estabelecida no pós-guerra.Por ironia, a própria atuação do Brasil para a consecução do acordo deixa evidente que não seria preciso integrar o Conselho de Segurança (CS), mesmo na atual condição de membro rotativo, para lograr um resultado que potências nucleares não conseguiram obter com ameaças e retórica agressiva. Assim sendo, se o Itamaraty fizer a leitura correta do episódio, encontrará bons motivos para deixar de lado de uma vez por todas o seu velho sonho de consumo do assento permanente no Conselho. A iniciativa turco-brasileira, que já havia sido antecipada na Cúpula de Segurança Nuclear, em Washington, em abril (Resenha Estratégica, 14/04/2010), puxou o tapete dos interesses que apostam as fichas na imposição de sanções ao Irã e, eventualmente, em uma escalada que acabasse resultando num conflito armado (desfecho bastante conveniente como distração da crise econômico-financeira global). Isso ficou evidenciado nas reações imediatas e pavlovianas dos governos dos EUA e Israel. Logo após o anúncio oficial do acordo, depois de acusar o Brasil e a Turquia de estarem sendo "manipulados" pelo governo iraniano, um alto funcionário não identificado do governo israelense sintetizou a grande preocupação - e perplexidade - do poder anglo-amaricano:
Vai ser muito mais difícil para os EUA ou os europeus rejeitarem esse acordo, porque nós (sic) não estaremos lidando apenas com o Irã, que é muito mais fácil de lidar, mas com potências ascendentes como o Brasil e a Turquia, com as quais as relações são bastante sensíveis (AFP, 16/05/2010).
Em um revelador artigo publicado no jornal inglês The Guardian de 17 de maio, o veterano jornalista estadunidense Stephen Kinzer, um profundo conhecedor da política de seu país referente ao Oriente Médio, também foi preciso ao destacar a relevância do acordo:
As dramáticas notícias vindas de Teerã, de que um acordo de última hora pode ter sido obtido para evitar uma crise global sobre o programa nuclear do Irã, é um acontecimento altamente positivo para todo mundo - exceto aqueles em Washington e Tel Aviv que têm buscado um pretexto para isolar ou atacar o Irã. Ele também marca a estreia de uma nova força altamente promissora no cenário global: o eixo Turquia-Brasil.
Em uma demonstração do incômodo de seu governo com o acordo, a secretária de Estado Hillary Clinton apressou-se a afirmar ao Senado, na terça-feira 18 de maio, que os EUA e os demais integrantes do grupo 5+1 haviam redigido um esboço da proposta de sanções que deverá ser encaminhada ainda esta semana ao CS (onde são precisos nove de 14 votos para aprová-las). Apesar da aparente contradição, os governos da China, França e Rússia manifestaram publicamente apoio ao acordo, considerando-o uma iniciativa positiva para a resolução do impasse.Não obstante, a reação do turco Erdogan à medida foi enfática, questionando os duplos critérios morais dos detentores de armamentos nucleares:
Quem reage a Israel?... Este é o momento de discutir se acreditamos na supremacia da lei ou na lei dos supremos e superiores. Enquanto eles têm armas nucleares, como podem ter credibilidade para pedir a outros países que não as tenham (O Estado de S. Paulo, 19/05/2010)?
Leia o editorial completo no MSIa...

Um comentário:

  1. Os EUA sabotam a paz

    O acordo com o Irã é uma vitória histórica da diplomacia brasileira, quaisquer que sejam seus desdobramentos. A mídia oposicionista sempre repetirá os jargões colonizados de sua antiga revolta contra o destaque internacional de Lula.
    O governo de Barack Obama atua nos bastidores para destruir essa conquista. É uma questão de prestígio pessoal para Obama e Hillary Clinton, que foram desafiados pela teimosia de Lula. Mas trata-se também de uma necessidade estratégica: num planeta multipolarizado e estável, com vários focos de influência, Washington perde poder. E a arrogante independência do brasileiro não pode se transformar num exemplo para que outros líderes regionais dispensem a tutela da Casa Branca.
    Em outras palavras, a paz não interessa aos EUA. E, convenhamos, ninguém leva a sério os discursos pacifistas do maior agressor militar do planeta. Será fácil para os EUA bloquear a iniciativa brasileira, utilizando a submissão das potências aliadas na ONU ou atiçando os muitos radicais de variadas bandeiras, ávidos por um punhado de dólares. Mas alguma coisa rachou na hegemonia estadunidense, que já não era lá essas coisas.

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