Em seminário, o ex-ministro chamou a atenção para os resultados negativos da valorização do câmbio e disse que “todos os bancos centrais do mundo ficam esperando o otário que primeiro vai aumentar os juros”
O ex-ministro Delfim Netto, na última segunda-feira, em seminário realizado na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, promovido pela revista “Carta Capital”, classificou de “infantil” a escalada de aumentos de juros do Banco Central: “o efeito principal dessa medida é a valorização do câmbio. A inflação vem de fora, não tem nada a ver com as taxas de juros brasileiras”.
Para Delfim, os juros altos fazem com que o país continue a ser “o último peru com farofa na mesa dos especuladores internacionais, fora o do Dia de Ação de Graças”.O Dia de Ação de Graças é o principal feriado norte-americano, caracterizado pelo peru como prato principal da refeição.
Delfim condenou os aumentos de juros por conta de uma suposta inflação futura, preconizados pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles: “todos os bancos centrais do mundo ficam esperando o otário que primeiro vai aumentar os juros”.
Polemizando com o expositor da mesa-redonda de que participou, o ministro Guido Mantega, que havia dito que os aumentos de juros não iriam “abortar o crescimento”, Delfim afirmou que “não há nenhuma garantia de que os aumentos de juros não irão abortar o crescimento como ocorreu entre 2004 e 2005”. Em setembro de 2004, com o país crescendo, o Banco Central iniciou uma série de aumentos de juros cujo resultado foi um freio no crescimento – de 5,71% em 2004, ele desceu até 3,16% no ano seguinte, só se recuperando em 2007. O país passou dois anos estagnado.
Delfim ressaltou que os empresários “são ameaçados quando ouvem o discurso de que o BC tem de reduzir as expectativas de inflação. Desenvolvimento é um estado de espírito, quando o governo convence todos a investir”.
No mesmo debate, o também ex-ministro Luís Carlos Bresser Pereira classificou a política financeira do Banco Central de “suicida e alucinada”, apontando sua contradição com a política de crescimento do governo Lula.
Abaixo, na íntegra, um recente artigo do professor Delfim Netto. A destacar, sua breve síntese do sistema de metas de inflação:
“... o sistema de ‘metas de inflação’ é apenas uma excrescência artificial inventada para extrair juros dos países periféricos, sem considerar as necessidades de crescimento e as carências do País, totalmente descolada da realidade, e exclusivamente para favorecer uma malta de especuladores, assegurando-lhes a felicidade eterna”.
Felicidade, dos banqueiros e a nossa
DELFIM NETTO
Historicamente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) foi um instrumento de aconselhamento econômico estritamente alinhado às políticas econômicas hegemônicas vigentes. Foi assim durante a ditadura e persistiu dessa forma nos anos neoliberais, especialmente nos dois governos da administração FHC.
O presidente Lula conviveu com essa situação em seu primeiro mandato, quando prevaleceram algumas dessas políticas baseadas no tripé meta de inflação, juro alto e superávit primário.
Mas, em razão de uma importante mudança nos rumos da política econômica, ao colocar o Estado e o setor privado nacional no centro do desenvolvimento do País, através do PAC, o presidente resolveu entregar a direção do IPEA, na segunda fase de seu governo, a economistas liderados pelo competente professor Márcio Pochmann, da Unicamp, cuja linha de pensamento está totalmente dissociada do conservadorismo monetário reinante no Banco Central.
Os monetaristas de plantão e seus porta-vozes instalados na mídia não tardaram a chiar contra a mudança e a reforçar, agora, o coro histérico contra Pochmann e sua equipe, que resolveram, acertadamente, suspender a divulgação sistemática da Carta de Conjuntura daquele órgão, cuja linha editorial está muito mais alinhada à política do BC do que com o novo IPEA.
Quem mais estrebuchou foi o colunista Elio Gaspari, da Folha de S. Paulo, que chegou a acusar a nova direção do órgão a praticar a “grosseria” de um “comissariado bolchevique”. Um preconceito atroz contra os responsáveis por um dos fatos mais marcantes da história contemporânea, que foi a Revolução Russa de 1917, para ele, certamente, muito mais grave que a política antes praticada pelos tsares.
Gaspari insurgiu-se contra a correta e oportuna decisão tomada pelo IPEA de suspender a divulgação de projeções macroeconômicas que, todos sabemos, são produzidas artificialmente pelo chamado mercado, leia-se, bancos, notadamente os estrangeiros, para, mais do que justificar, mitificar a política de juros altos do BC que, sob o surrado e combalido pretexto de combater a inflação, conspira abertamente contra o PAC, o desenvolvimento do País e, conseqüentemente, a manutenção das políticas de inclusão social tão bem sucedidas no governo Lula.
Em quase meia página de jornal, o colunista faz questão de não esconder sua preferência por Pedro Malan e Edmar Bacha, entre outros responsáveis pela desastrosa política econômica adotada nos anos FHC, quando o País, literalmente, andou para trás em matéria de crescimento econômico e de distribuição de renda.
E escancarou sua admiração pelos boletins do BC, que, segundo ele, “produz e divulga análises de boa qualidade” e que o que o “comissariado”, agora chamado de “petista”, quer é “brincar de felicidade”. Suas pérolas foram mais longe ao escrever que “o mercado”, essa santidade invisível que continua (des)governando tudo e todos, “é uma coisa essencialmente boa” e que “os países que seguiram sua dinâmica prosperaram”, enquanto os outros “arruinaram-se”.
Não por acaso, o articulista fugiu do risco de citar um único exemplo, nem de prosperidade, nem de ruína. Sua dificuldade em encontrar nos seus alfarrábios uma única nação que tivesse conseguido se desenvolver sob o rígido figurino do FMI e do atual BC não foi gratuita. Todavia, poderíamos citar muitos países, em várias partes do mundo, o salto em cujo processo de desenvolvimento só foi possível graças a uma política de juros baixos e fortes investimentos, e sem a radicalidade dos superávits primários que aqui ainda verificamos e o uso da ameaça inflacionária como instrumento de terror e de chantagem para manter as medidas vigentes, os mesmos expedientes utilizados para alardear uma suposta crise alimentar e, assim, manter o País refém dos ditames das notas técnicas do BC e tímido na tentativa de buscar uma nova matriz energética.
Recorremos a um único e ilustrativo caso, exatamente sobre as conseqüências dessa política no País que mais glorifica o mercado, a meca do capitalismo, os EUA. Durante os 19 anos (1987-2006) em que ocupou a presidência do banco central norte-americano, Alan Greenspan se lixou para as metas de inflação. Então, perguntamos: onde foi que tal sistema foi “consagrado”, nas palavras do xerife-mor dessa política em nosso país, Henrique Meirelles?
“todos os bancos centrais do mundo ficam esperando o otário que primeiro vai aumentar os juros”.
O exemplo confirma apenas que esse modelo só serve para nós, pobres mortais, países subdesenvolvidos, mas não para eles, sacramentando definitivamente a máxima adotada por outros motivos no tempo da guerra fria de que “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil”. Pelo jeito, o presidente do BC não concorda com isso e continua anunciando e pregando aos quatro ventos que os juros continuarão subindo… por causa da inflação. Diga-se de passagem que Meirelles foi mais longe, chegando a inventar uma nova teoria: a de que não basta atingir a meta de inflação, isto é, ficar dentro da banda, mas atingir o centro da meta (4,5%) -se não, é o fim do mundo.
Voltemos a Gaspari, que acusa a atual direção do IPEA de promover um tal “patrulhamento intelectual”, seguramente porque considera que o que era produzido antes pelo órgão e, hoje, pelo BC, sob o eficiente comando do mercado, nada tinha de ideológico. Tratava-se, apenas, de análises técnicas isentas, comprometidas com a economia nacional e com o País. Acorda, Gaspari! Estamos no século XXI e, pelo jeito, o dileto colunista continua acreditando em cegonha e Papai Noel.
O fato é que o sistema de “metas de inflação” é apenas uma excrescência artificial inventada para extrair juros dos países periféricos, sem considerar as necessidades de crescimento e as carências do País, totalmente descolada da realidade, e exclusivamente para favorecer uma malta de especuladores, assegurando-lhes a felicidade eterna, aquela de que Gaspari reclama que o “comissariado petista” do IPEA pretende estender a 180 milhões de brasileiros.
O artigo foi reproduzido do site Desemprego Zero e publicado originalmente no DCI
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Matéria do "HORA DO POVO"
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