quarta-feira, 5 de maio de 2010

Argemiro Ferreira

Os jornalões, a energia nuclear e os interesses de fora

A primeira reação de muitos leitores que viram as manchetes idênticas (ao lado, à esquerda, e abaixo, à direita) no dia 14 de abril, na Folha de S.Paulo e no Estadão (a primeira página de O Globo, mesmo sem a manchete, coincidiu no enfoque e na foto) foi recordar a peça de propaganda do tucano Geraldo Alckmin na campanha eleitoral de 2006 – o pacote de dinheiro nas primeiras páginas, exposto de norte a sul do Brasil, na obsessão de derrotar Lula.

Daquela vez o truque sujo conseguiu apenas adiar a decisão do eleitorado para o 2˚ turno – no qual Alckmin acabaria com menos votos do que tivera no 1˚. Agora a “coincidência” funciona como alerta para truques futuros. Mas a aliança dos jornalões não é só com os tucanos. É também contra o país: no debate nuclear, como em outros, o governo Lula defende nossos interesses (do Brasil), enquanto a mídia se atrela aos de fora.

Jornalões, revistonas e penduricalhos (Rede Globo à frente) apoiam-se no estereótipoiraniano fabricado por eles próprios. O presidente Ahmadinejad é baixo, magrelo e feio. Não está em questão a aparência dele e nem o holocausto – que reconheceu ter ocorrido, mesmo lembrando que os mortos na II Guerra foram 60 milhões e não apenas os 6 milhões de judeus.

O expediente de produzir o vilão e a partir dele demonizar um país inteiro para invadi-lo e tomar-lhe o petróleo – como foi em 1953 no próprio Irã (de Mossadegh) e em 2003 no Iraque (de Saddam) – começa com difamação e sanções. Armas de destruição em massa foram o pretexto dos EUA para invadir o Iraque. Armas que sequer existiam, como não existe a bomba-A do Irã.

Negociação em vez de sanções

Ao invés de sanções a política externa do Brasil prefere o apelo sensato à negociação. Afinal, o Iraque foi arrasado pelas bombas dos EUA e viu um milhão de civis (segundo estimativas) serem mortos. E lá as sanções, que puniram mais as crianças do que o governo, foram o capítulo inicial. Hoje a acusação dos EUA é que o Irã pode vir a ter uma bomba – em cinco anos.

Seria situação menos ameaçadora do que o arsenal nuclear de 100 bombas que o estado de Israel já tem, sem nunca ter assinado o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear). A exemplo dos israelenses, Índia e Paquistão negaram-se a aderir ao TNP e já têm armas nucleares – não tantas como Israel, mas prontas para serem usadas numa guerra entre os dois.

E onde entra o Brasil nesse quadro? Assinou e cumpre o TNP, não tenta desenvolver a bomba (mesmo tendo condições para isso), proclama em sua Constituição que não o fará e ainda assinou pactos nesse sentido (um bilateral, com a Argentina; e outro regional, com a América Latina). Mas sofre cobrança dos EUA, que descumprem o TNP e se arvoram em xerife nuclear.

O TNP não lhe confere tal autoridade. Ao contrário: manda os detentores de armas atômicas reduzirem os arsenais até sua eliminação completa. Os acordos EUA-Rússia só aposentam armas obsoletas, logo substituídas pelas modernas, sofisticadas e portáteis, que tornam mais provável o uso. (Até hoje um único país usou a bomba-A – duas, em Hiroshima e Nagasaki, contra populações civis e não instalações militares).

O vilão sem bomba e os amigos com bombas

Nas primeiras páginas da Folha, Estadão e O Globo a foto de ministro brasileiro presenteando o vilão Ahmadinejad com a camisa da seleção encantou os editorialistas. Como desprezam os interesses nacionais, eles festejam as leis extraterritoriais criadas nos EUA para intimidar e punir países que divergem de suas posições, como Cuba e Irã.

Em janeiro do ano passado a mídia corporativa já criticava o destaque dado na Estratégia Nacional de Defesa (leia o documento AQUI), anunciada então pelo governo Lula, ao desenvolvimento da energia nuclear. Os jornalões prestavam-se claramente ao papel de veículo da pressão do governo Bush em fim de mandato – um “pato manco” agonizante, golpeado ainda pela derrota eleitoral humilhante.

Os mesmos veículos ansiosos para anistiar os crimes da ditadura (de que foram cúmplices e beneficiários) viam – e ainda vêem – com suspeita o compromisso dos militares brasileiros com a democracia e a defesa dos interesses nacionais. O faroeste midiático na época ainda buscava legitimar a superpotência invasora do Iraque no papel insólito de guardiã da paz e do desarmamento.

Essa mídia não costuma ter dúvidas, só certezas. Condena a resistência do Brasil em assinar o protocolo adicional ao Acordo de Salvaguardas do TNP (mais sobre os dois AQUI) e atribui a culpa a militares brasileiros supostamente obcecados em ter a bomba-A. Não leva em conta que a questão do desenvolvimento nuclear está longe de ser simplista como sugere o cacoete desse jornalismo aliado a interesses externos.

Países sem armas nucleares sofrem restrições nas pesquisas – punidos por terem aderido ao TNP. Índia, Paquistão e Israel, como ignoraram o TNP, têm suas bombas-A e são paparicados e privilegiados com acordos especiais até pelo presidente Bush (mais AQUI, AQUI e AQUI), que na Índia firmou acordo nuclear com o premier Manmohan Singh (foto acima). Em 1997-98 essa mesma mídia aplaudiu FHC por sujeitar-se à pressão dos EUA e abraçar o TNP (leia-o AQUI), enquanto o Iraque sob sanções era acusado de ter a bomba – sem tê-la – e depois ainda foi invadido e arrasado, sem armas para se defender (comparem a tragédia do Iraque, sem bomba, com o garbo de Bush na foto abaixo, passando em revista as tropas da Índia, detentora de arsenal nuclear por negar-se a assinar o TNP).

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