Bolívia e Chile, conflito histórico
"As questões de limites na América Latina não foram resolvidas no momento certo e viraram um problema crônico. São temas que ficaram latentes e, de repente, por uma razão qualquer, uma disputa eleitoral, um presidente nacionalista ou a expectativa da exploração de alguma riqueza, voltam à tona. É como um bacilo incubado." (Rubens Ricupero - Jurista e diplomata)
Acordo de Defesa
“Bolívia e Chile firmaram ontem um histórico acordo de defesa - o primeiro desde o fim da Guerra do Pacífico (1879-1883). O acordo foi discutido num encontro entre o ministro de Defesa chileno, José Goñi, e seu colega boliviano, Walker San Miguel, em La Paz. Num memorando de entendimento, os representantes dos dois países se comprometeram a ‘trocar informações em matéria de defesa e de operações de paz’, desenvolver uma cooperação ‘de interesse mútuo’ na indústria bélica e de manter canais oficiais de diálogo sobre o tema.” (Fonte: O Estado de S. Paulo - Reuters e Associated Press - 17/06/2008)
É interessante como uma notícia dessa natureza tenha passado quase despercebida, sem ter recebido o merecido destaque pela mídia brasileira e Sul-americana. As desavenças históricas merecem ser rememoradas para que se tenha a exata noção da importância do Acordo de Defesa nas relações internacionais entre os países envolvidos.
Guerra do Pacífico (1879/1883)
A Guerra do Pacífico, um dos mais importantes conflitos da América do Sul, teve suas origens no comércio de guano e salitre na região do Deserto do Atacama. O guano, oriundo de dejetos de aves marinhas, acumulados por centenas de anos, era usado como adubo natural no continente europeu, principalmente pela Inglaterra e o salitre, por sua vez, na fabricação de explosivos.
Com a independência, as ex-colônias de Espanha, herdaram demarcações de fronteiras que careciam de definições mais precisas e as riquezas advindas do comércio internacional serviram de catalisador para exacerbar as disputas entre os países envolvidos na sua produção. O conflito foi deflagrado quando a Bolívia tentou aumentar o controle sobre o salitre explorado em seu território, cujo processo de produção, extração, beneficiamento e transporte era, exclusivamente, controlado por empresas chilenas que, por sua vez, mantinham acordos com companhias européias, especialmente as inglesas. O Chile, para manter seu domínio sobre o salitre, invadiu o território boliviano e tomou o porto de Antofagasta, cortando o acesso da Bolívia ao mar.
O Peru tinha um ‘Tratado de Cooperação Militar’ com a Bolívia e, por isso, tentou encontrar uma saída diplomática para a crise, pois temia, também, um controle maior das jazidas de salitre e do guano pelo Chile. Sem chegar a um acordo o Peru foi envolvido no conflito. Com a guerra, o Chile ocupou parte do litoral Peruano e todo o litoral da Bolívia, assumindo o controle das jazidas de guano e salitre.
O Chile, em 20 de outubro de 1883, assinou um acordo de Paz com o Peru, firmado através do Tratado de Ancón, e com a Bolívia, em 1884, uma trégua que lhe deu total controle do litoral boliviano com suas valiosas reservas de cobre e nitratos. O Chile foi o único beneficiado com a guerra, acrescendo ao seu território ricas jazidas de guano e salitre. Os Bolivianos jamais aceitaram a perda da sua costa o que tem gerado, ao longo dos tempos, diversos atritos diplomáticos com os chilenos.
Rio Silala
O rio Silala atravessa a fronteira, da Bolívia com o Chile, quatro quilômetros ao sul do monte Inacaliri, aproximadamente a trezentos quilômetros de Antofagasta, e depois de percorrer uma extensão de cinco quilômetros em território chileno, une-se ao rio Inacaliri passando a ter uma vazão média de 250 litros por segundo. Hoje, as águas do rio são coletadas e canalizadas para o sistema de água potável da ‘Codelco-Chuquicamata’ e da ‘Empresa de Serviços Sanitários de Antofagasta’ (ESSAN).
Em 21 de Junho de 1908, a empresa inglesa ‘Antofagasta Chili & Bolivian Railway Company Limited’ solicitou à prefeitura do departamento de Potosí a concessão do uso das águas do rio Silala para uso exclusivo nas caldeiras das locomotivas a vapor da ferrovia no ramal ‘Antofagasta-Oruro’. O monopólio foi concedido, em 07 de setembro de 1908, pelo Prefeito interino de Potosí, René Calvo Arana, à empresa ferroviária anglo-chilena conforme está registrado no nº 3 do livro 2° da província Sud Lípes. Em 1961, a companhia substituiu suas máquinas a vapor por locomotivas à Diesel levando-a a transferir o uso da água para o estado chileno que as aproveitou no abastecimento da região do deserto de Atacama.
Ao longo dos anos, diversas denúncias foram feitas a respeito do uso das águas do Silala para finalidades diferentes dos estabelecido na Concessão de 1908. Em junho de 1997, o governo do presidente Gonzalo Sánchez de Losada revogou a concessão existente desde 1908 por considerar que a água não era usada para os fins definidos pela outorga. O governo boliviano achou que os chilenos deviam pagar pelo uso da água. O Chile refutou afirmando que a concessão havia sido outorgada a título gratuito e sem limitações, salvo reservar um terço da água para Bolívia, terço que nunca foi reclamado, por não existirem povoados importantes num raio de 70 quilômetros.
Questões legais
O Silala é um curso d’água internacional perene e portanto um recurso hídrico que deve ser compartilhado entre o Chile e a Bolívia, tendo ambos direito a uma proporção eqüitativa de suas águas. Conforme preconiza o direito internacional, nenhum dos estados atravessados pelo rio pode realizar, em seu território, obras que causem danos ao país vizinho. Qualquer projeto boliviano que pretenda fazer uso das águas do Silala deverá ser encaminhado ao Chile, acompanhado de todos detalhes técnicos, permitindo, a este país, sugerir as modificações que julgar pertinentes.
Conclusão
“... a geografia e a geopolítica continuam vivas nas (re)definições de novos ‘espaços vitais’ e pela dinâmica político-militar dos Territórios (territorializações, desterritorializações e reterritorializações) e por um fato eminentemente humano, a produção do espaço geográfico.” (Orlando Albani de Carvalho)
Apesar do acordo de defesa firmado, a Bolívia continua insistindo, juntamente com o Peru, em redesenhar suas fronteiras com o Chile, mantendo uma hostilidade permanente entre os três países e desnudando os conflitos de um continente cuja geografia política ainda se encontra em formação.
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
"As questões de limites na América Latina não foram resolvidas no momento certo e viraram um problema crônico. São temas que ficaram latentes e, de repente, por uma razão qualquer, uma disputa eleitoral, um presidente nacionalista ou a expectativa da exploração de alguma riqueza, voltam à tona. É como um bacilo incubado." (Rubens Ricupero - Jurista e diplomata)
Acordo de Defesa
“Bolívia e Chile firmaram ontem um histórico acordo de defesa - o primeiro desde o fim da Guerra do Pacífico (1879-1883). O acordo foi discutido num encontro entre o ministro de Defesa chileno, José Goñi, e seu colega boliviano, Walker San Miguel, em La Paz. Num memorando de entendimento, os representantes dos dois países se comprometeram a ‘trocar informações em matéria de defesa e de operações de paz’, desenvolver uma cooperação ‘de interesse mútuo’ na indústria bélica e de manter canais oficiais de diálogo sobre o tema.” (Fonte: O Estado de S. Paulo - Reuters e Associated Press - 17/06/2008)
É interessante como uma notícia dessa natureza tenha passado quase despercebida, sem ter recebido o merecido destaque pela mídia brasileira e Sul-americana. As desavenças históricas merecem ser rememoradas para que se tenha a exata noção da importância do Acordo de Defesa nas relações internacionais entre os países envolvidos.
Guerra do Pacífico (1879/1883)
A Guerra do Pacífico, um dos mais importantes conflitos da América do Sul, teve suas origens no comércio de guano e salitre na região do Deserto do Atacama. O guano, oriundo de dejetos de aves marinhas, acumulados por centenas de anos, era usado como adubo natural no continente europeu, principalmente pela Inglaterra e o salitre, por sua vez, na fabricação de explosivos.
Com a independência, as ex-colônias de Espanha, herdaram demarcações de fronteiras que careciam de definições mais precisas e as riquezas advindas do comércio internacional serviram de catalisador para exacerbar as disputas entre os países envolvidos na sua produção. O conflito foi deflagrado quando a Bolívia tentou aumentar o controle sobre o salitre explorado em seu território, cujo processo de produção, extração, beneficiamento e transporte era, exclusivamente, controlado por empresas chilenas que, por sua vez, mantinham acordos com companhias européias, especialmente as inglesas. O Chile, para manter seu domínio sobre o salitre, invadiu o território boliviano e tomou o porto de Antofagasta, cortando o acesso da Bolívia ao mar.
O Peru tinha um ‘Tratado de Cooperação Militar’ com a Bolívia e, por isso, tentou encontrar uma saída diplomática para a crise, pois temia, também, um controle maior das jazidas de salitre e do guano pelo Chile. Sem chegar a um acordo o Peru foi envolvido no conflito. Com a guerra, o Chile ocupou parte do litoral Peruano e todo o litoral da Bolívia, assumindo o controle das jazidas de guano e salitre.
O Chile, em 20 de outubro de 1883, assinou um acordo de Paz com o Peru, firmado através do Tratado de Ancón, e com a Bolívia, em 1884, uma trégua que lhe deu total controle do litoral boliviano com suas valiosas reservas de cobre e nitratos. O Chile foi o único beneficiado com a guerra, acrescendo ao seu território ricas jazidas de guano e salitre. Os Bolivianos jamais aceitaram a perda da sua costa o que tem gerado, ao longo dos tempos, diversos atritos diplomáticos com os chilenos.
Rio Silala
O rio Silala atravessa a fronteira, da Bolívia com o Chile, quatro quilômetros ao sul do monte Inacaliri, aproximadamente a trezentos quilômetros de Antofagasta, e depois de percorrer uma extensão de cinco quilômetros em território chileno, une-se ao rio Inacaliri passando a ter uma vazão média de 250 litros por segundo. Hoje, as águas do rio são coletadas e canalizadas para o sistema de água potável da ‘Codelco-Chuquicamata’ e da ‘Empresa de Serviços Sanitários de Antofagasta’ (ESSAN).
Em 21 de Junho de 1908, a empresa inglesa ‘Antofagasta Chili & Bolivian Railway Company Limited’ solicitou à prefeitura do departamento de Potosí a concessão do uso das águas do rio Silala para uso exclusivo nas caldeiras das locomotivas a vapor da ferrovia no ramal ‘Antofagasta-Oruro’. O monopólio foi concedido, em 07 de setembro de 1908, pelo Prefeito interino de Potosí, René Calvo Arana, à empresa ferroviária anglo-chilena conforme está registrado no nº 3 do livro 2° da província Sud Lípes. Em 1961, a companhia substituiu suas máquinas a vapor por locomotivas à Diesel levando-a a transferir o uso da água para o estado chileno que as aproveitou no abastecimento da região do deserto de Atacama.
Ao longo dos anos, diversas denúncias foram feitas a respeito do uso das águas do Silala para finalidades diferentes dos estabelecido na Concessão de 1908. Em junho de 1997, o governo do presidente Gonzalo Sánchez de Losada revogou a concessão existente desde 1908 por considerar que a água não era usada para os fins definidos pela outorga. O governo boliviano achou que os chilenos deviam pagar pelo uso da água. O Chile refutou afirmando que a concessão havia sido outorgada a título gratuito e sem limitações, salvo reservar um terço da água para Bolívia, terço que nunca foi reclamado, por não existirem povoados importantes num raio de 70 quilômetros.
Questões legais
O Silala é um curso d’água internacional perene e portanto um recurso hídrico que deve ser compartilhado entre o Chile e a Bolívia, tendo ambos direito a uma proporção eqüitativa de suas águas. Conforme preconiza o direito internacional, nenhum dos estados atravessados pelo rio pode realizar, em seu território, obras que causem danos ao país vizinho. Qualquer projeto boliviano que pretenda fazer uso das águas do Silala deverá ser encaminhado ao Chile, acompanhado de todos detalhes técnicos, permitindo, a este país, sugerir as modificações que julgar pertinentes.
Conclusão
“... a geografia e a geopolítica continuam vivas nas (re)definições de novos ‘espaços vitais’ e pela dinâmica político-militar dos Territórios (territorializações, desterritorializações e reterritorializações) e por um fato eminentemente humano, a produção do espaço geográfico.” (Orlando Albani de Carvalho)
Apesar do acordo de defesa firmado, a Bolívia continua insistindo, juntamente com o Peru, em redesenhar suas fronteiras com o Chile, mantendo uma hostilidade permanente entre os três países e desnudando os conflitos de um continente cuja geografia política ainda se encontra em formação.
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227 Petrópolis - Porto Alegre - RS - 90630 150
Telefone:- (51) 3331 6265
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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