domingo, 13 de julho de 2008

Rio Antigo


A fazenda do macaco
Orestes Barbosa

A Princesa Januária, irmã de D. Pedro I, possuía várias fazendas, entre as quais a do Macaco, hoje transformada nos bairros de Andaraí, Aldeia Campista e Vila Isabel.
*
A história desses bairros fundados pelo Barão de Drummond, eu ouvi, quando menino, de uma velha carioca, e guardei na memória, onde faço, agora, esta escavação.
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Não há prosa, nenhuma escora estatística.
Reporto-me à lenda.
As lendas são verdades.
Quando urna história corre mundo, não há controvérsia de bibliógrafos capaz de apagá-la do registro da população.
Lsse é o caso da história da Aldeia Campista, do Andaraí e de Vila Isabel.
De minha parte, escrevo por conta do povo — do povo mesmo do bairro onde eu nasci.
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Era um dia a Princesa Januária, dona da fazenda do Macaco. coiio aí em cima escrevi.
Assediada, com habilidade, pelo Barão de Drummond, D. Junuária vendeu-lhe a fazenda por 600:000$000.
O Barão, porém, comprou fiado, pretendendo efetuar o pagamento com o produto do que a fazenda, retalhada, viesse a dar.
O Barão de Drummond era um homem de visão larga.
Dinâmico.
Haja vista o jôgo do bicho — invento que o imortalizou.
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Ia o Barão de Drummond iniciando o seu negócio, quando a Princesa Januária morreu.
Abriram o testamento.
Havia uma cláusula assim:
“Perdôo todos os meus devedores.”
O Barão, que era um dêles, não havia pago nenhuma prestação daqueles seiscentos contos de réis.
Ganhava, portanto, a fazenda que devia ser, mais tarde, aquêles magníficos bairros da capital.
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Radiante, o Barão dividiu a fazenda em três pedaços, e vendeu dois: Aldeia Campista e Andaraí.
Ficou com Vila Isabel.
Cedeu ruas ao Govêrno, valorizando, assim, o que era seu. A Aldeia Campista foi vendida a um português de nome Pereira Nunes — português que se dizia fluminense, natural de Campos.
Daí o “campista” da sua “aldeia”, e esta talvez uma saudade incontida do dito Pereira Nunes pelo desprezado Portugal.,..
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No pedaço de terra comprado ao Barão, Pereira Nunes abriu várias ruas, batizando-as com os nomes das matronas da família
— D. Maria, Ambrosina, ou com certo requinte: “Artistas”, “Alegre”.
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O Barão de Drummond, em cuja memória pesa a criação do jôgo do bicho, foi um progressista, a quem Vila Isabel deve a sua primeira companhia de bondes e o Jardim Zoológico, que afinal era o único da capital do país.
Foi nesse jardim, exatamente, que o referido titular cio Império fundou aquêle jôgo nefasto (3), com um quadro de madeira, onde embutia, à noite, um cartão com a gravura de um dos trinta bichos, reduzidos aos 25 atuais.
Nos bichos do Barão figuravam: o rato, a girafa, o tucano, a zêbra e o javali.
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Mais tarde, a linha dos bondes de Vila Isabel foi estendida até a estação do Engenho Nôvo, criando-se ainda as linhas de “Aldeia Campista”, “Portão Vermelho” e “Andaraí.”
O povo, à noite, distinguia êsses bondes de burro pela côr da lanterna.
“Vila Isabel” era verde.
“Aldeia Campista”, verde e amarelo.
A linha “Vila Isabel — Engenho Novo”, verde e encarnado.
A lanterna dêsses bondes apelidou um gramático — o Dr. Maximino Maciel.
Médico e advogado, o Professor Maximino usava os dois anéis simbólicos num dedo só...
O povo do lugar não perdoou...
*
A cidade dos meus brinquedos...
Ainda conheci, com esses aspectos, o meu torrão.
Os dias claros, cheios de “papagaios-luas”, “pipas” e “ar- raias”, — os de papel de sêda, coloridos, embandeirados e farfalhantes e os adoráveis “gazeteiros” cabriolando num céu japonês.
*
À noite, o trilar rouco do guarda-noturno e o trote curto da ronda.
E eu cabeceando, com sono, distribuía as minhas patrulhas, os meus soldados de chumbo, na mesa da sala de jantar...
Criança, com os olhos acesos, guardava tudo quanto via
ouvia contar.
Falavam-me do Imperador, cujo retrato me aparecia, às vêzes, numa capa de revista, ou num almanaque qualquer.
Lá um dia ganhava, de presente, um boneco dêsses de carapuça, com uma barba longa de algodão.
Ninguém me insinuava.
Mas, para mim, o boneco era o Imperador...
Criança...
*
Tudo iluminado, fantástico e veloz na minha imaginação!
*
Hoje eu ainda sou assim.
A cidade, para mim, é uma casa de brinquedos.
Dou corda nos meus bonecos de pau.
E são sempre pintadas com tinta nova as fôlhas verdes das amendoeiras e dos oitis.

(in: "Páginas Cariocas" de NÉLSON COSTA)

Orestes Barbosa
7/5/1893 - 15/8/1966

Compositor, letrista, jornalista e escritor carioca, aprendeu a tocar violão ainda na infância. Mais tarde trabalhou em redações de diversos jornais do Rio de Janeiro e publicou seu primeiro livro de poemas em 1917, "Penumbra Sagrada". Como jornalista, militou politicamente através de seus artigos, tendo sido preso por esse motivo algumas vezes. Acabou escrevendo o livro "Na Prisão", com seus relatos do cárcere. Escreveu outros livros de poesia e prosa antes de fazer suas primeiras letras para música: "Romance de Carnaval", valsa em parceria com J. Machado, e "Bangalô", com Osvaldo Santiago. Compôs também nos anos 30 o maestro J. Thomaz, Heitor dos Prazeres ("Nega, Meu Bem"), Nássara ("As Lavadeiras", "Caixa Econômica") e Noel Rosa ("Positivismo"). Outros parceiros foram Custódio Mesquita ("Flauta, Cavaquinho e Violão"), Francisco Alves ("Adeus", "Dona da Minha Vontade"), Wilson Batista ("Abigail", "Cabelo Branco"), Ataulfo Alves e Silvio Caldas, com quem compôs várias músicas, entre elas "Arranha-céu", "Suburbana", "Serenata", "Quase que Eu Disse", "Torturante Ironia" e seu maior sucesso, "Chão de Estrelas", considerado um dos hinos da MPB. Entre valsas, foxes e sambas, suas composições foram gravadas por intérpretes como Castro Barbosa, Silvio Caldas, Carlos Galhardo, Aracy de Almeida, Orlando Silva e Zezé Gonzaga. Na década de 70, Paulinho da Viola regravou sua parceria com Valzinho, "Óculos Escuros".

Para saber mais sobre Orestes Barbosa, acesse:
http://cifrantiga3.blogspot.com/2006/04/orestes-barbosa.html
Para apreciar a parceria de Orestes Barbosa com Silvio Caldas, clique nos links abaixo:

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