“As questões de limites na América Latina não foram resolvidas no momento certo e viraram um problema crônico. São temas que ficaram latentes e, de repente, por uma razão qualquer, uma disputa eleitoral, um presidente nacionalista ou a expectativa da exploração de alguma riqueza, voltam à tona. É como um bacilo incubado.”
Guerra do Pacífico (1879/1883)
A Guerra do Pacífico, um dos mais importantes conflitos da América do Sul, teve suas origens no comércio de guano e salitre na região do Deserto do Atacama. O guano, oriundo de dejetos de aves marinhas, acumulados por centenas de anos, era usado como adubo natural no continente europeu, principalmente pela Inglaterra, e o salitre, por sua vez, na fabricação de explosivos.
Com a independência, as ex-colônias de Espanha herdaram demarcações de fronteiras que careciam de definições mais precisas e as riquezas advindas do comércio internacional serviram de catalisador para exacerbar as disputas entre os países envolvidos na sua produção. As companhias chilenas exploravam, com exclusividade, o salitre boliviano e controlavam todo o processo de produção, extração, beneficiamento, transporte e comércio.
O conflito foi deflagrado quando, em 1878, o governo boliviano resolveu cobrar um aumento de impostos, retroativo a 1874, provocando protestos por parte do governo chileno. A empresa chilena ‘Antofagasta Nitrate & Railway Company’, por sua vez, se recusou a pagar a sobretaxa e o governo boliviano ameaçou confiscar suas propriedades. O Chile, provocativamente, deslocou um navio de guerra para a fronteira boliviana, em dezembro de 1878, e a Bolívia reagiu decretando o seqüestro dos bens da empresa, marcando o leilão para 14 de fevereiro de 1878. No dia do leilão, as tropas chilenas ocuparam a cidade portuária de Antofagasta. Em 1º de março de 1879, a Bolívia declarou guerra ao Chile invocando o Tratado de Defesa, de 1873, que mantinha com o Peru. O Peru tentou encontrar uma saída diplomática para a crise, pois temia um controle maior das jazidas de salitre e do guano pelo Chile e reconhecia que as forças aliadas não eram páreo para enfrentar os chilenos. Sem chegar a um acordo o Peru foi envolvido no conflito. Com a guerra, o Chile ocupou parte do litoral Peruano e todo o litoral da Bolívia, assumindo o controle das ricas jazidas de guano e salitre.
Tratados
O Chile, em 20 de outubro de 1883, assinou um acordo de Paz com o Peru, firmado através do Tratado de Ancón que estabeleceu a ocupação chilena nas províncias de Arica e Tacna durante 10 anos. No final deste prazo, seria feito um referendo para a escolha da nacionalidade da região, mas nunca chegaram a um acordo sobre a consulta popular. Em 1929, com a intermediação do presidente dos EUA, Herbert Hoover, foi assinado o Tratado de Lima que fixou o chamado ‘Marco da Concórdia’ como referência para as fronteiras terrestres e definia que o Chile ficaria com Arica e o Peru manteria Tacna sob o seu domínio recebendo, ainda, 6 milhões de dólares em indenizações.
Tratados celebrados em 1952 (Declaração de Santiago) e 1954 ( Convênio sobre Zona Especial Fronteiriça Marítima) permitiram que o Chile conseguisse que sua fronteira marítima com o Peru fosse delimitada por uma linha paralela ao Equador, prejudicando o Peru, cuja costa, no local, faz uma sensível curva para o ocidente.
Linhas de Base do Domínio Marítimo do Peru (03/11/2005)
A lei de ‘Linhas de Base do Domínio Marítimo do Peru’ foi aprovada, em 3 de novembro de 2005, pelo Governo do presidente Alejandro Toledo (2001-2006). A norma determina o limite exterior - setor sul do domínio marítimo do Peru traçado de acordo com o disposto nos artigos 4º e 5º da Lei 28.621 e do Direito Internacional, considerando peruanos mais de 38 mil quilômetros quadrados no Pacífico sobre os quais o Chile exerce soberania e, ainda, estabelece que a largura do domínio marítimo é até 200 milhas marítimas, considerado alto mar pelo país vizinho.
Mapa oficial Peruano define limite marítimo (12/08/2007)
A ‘Carta del Límite Exterior - Sector Sur - del dominio marítimo del Perú’ foi publicada no diário oficial do Peru, considerando que sua fronteira marítima com o Chile, região rica em recursos hidrobiológicos, não está definida. O Peru considera que a linha de fronteira marítima se inicia na região conhecida como ‘Marco da Concórdia’, segundo o Tratado de Lima. O Chile, por sua vez, considera que o limite no mar começa a aproximadamente 180 metros terra adentro, no ‘Marco n° 1’, de acordo com pactos firmados em 1952 e 1954.
Alejandro Foxley, chanceler chileno, qualificou o novo mapa peruano de “altamente inaceitável” e afirmou que o Chile está “preparado para qualquer cenário” e que o documento não tem base jurídica. “Vamos continuar exercendo plenamente nossos direitos na região. Queremos deixar bem claro que não vamos aceitar nenhuma interferência em uma zona que é território marítimo chileno”, acrescentou.
As cicatrizes da Guerra
“A disputa entre Chile e Peru é um retrato da principal contradição da América Latina, um continente que fala em integração, mas ainda não definiu questões básicas como as fronteiras de seus Estados”
Ximena Fuente Torrijo - professora de direito internacional da Universidade do Chile
O Peru apresentou, no dia 16 de janeiro deste ano, um requerimento à Corte Internacional de Haia para solucionar a histórica controvérsia sobre seus limites marítimos com o Chile. O documento foi entregue pelo ex-chanceler peruano e ex-secretário-geral da Comunidade Andina Allan Wagner, líder da equipe diplomática que vai representar o Peru no caso.
Aspectos legais
O embaixador Rubens Ricupero, mediador de vários acordos entre países latino-americanos, explica que existem duas correntes no direito internacional. Uma defende que a linha de fronteira deva ser perpendicular à costa; como quer o Chile e outra, que a fronteira seja uma mediana; como exige o Peru.
“A Convenção da ONU sobre Direito do Mar recomenda a negociação. Não existe uma doutrina única no direito internacional e não dá para saber como a Corte vai agir. Tudo vai depender da opinião individual de cada juiz e da documentação apresentada pelos dois países”, afirmou Ricupero. Em 2007, a Corte de Haia, julgou um caso semelhante ao peruano, envolvendo Honduras e Nicarágua. A disputa era a mesma, entre linhas perpendiculares defendida por Honduras e medianas pela Nicarágua. A decisão de que a fronteira marítima deveria ser traçada a partir de uma mediana abre, certamente, um precedente jurídico favorável aos peruanos.
A Corte Internacional de Haia determinou que Lima apresente suas memórias documentais até 20/03/2009 e que Santiago sua contra-memória até 09/03/2010.
Manipulação chilena
O governo chileno, procurando usar as pretensões bolivianas como forma de pressão aos peruanos, afirma que a cartografia marítima proposta pelo Peru acabaria com qualquer tentativa de atender à reivindicação boliviana de acesso ao mar. O Chile e a Bolívia negociam um acordo que permitiria o acesso ao mar para os bolivianos por uma faixa próxima da fronteira com o Peru incluindo o porto de Arica.
Conclusão
“... a geografia e a geopolítica continuam vivas nas (re)definições de novos ‘espaços vitais’ e pela dinâmica político-militar dos Territórios (territorializações, desterritorializações e reterritorializações) e por um fato eminentemente humano, a produção do espaço geográfico.”
O Peru continua insistindo, juntamente com a Bolívia, em redesenhar suas fronteiras com o Chile, mantendo uma hostilidade permanente entre os três países e desnudando os conflitos de um continente cuja geografia política ainda se encontra em formação.
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva, professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Telefone:- (51) 3331 6265
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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