terça-feira, 19 de agosto de 2008

Sucata flutuante
Por Paulo Brossard*

Um dos grandes jornais do país publicou em sua primeira página o resultado de análise de cursos superiores em precárias condições de funcionamento. Quando se fala em curso superior, supõe-se que o curso realmente seja superior, no entanto, 508 cursos superiores, numa escala de 1 a 5, estão entre as notas 1 e 2, ou seja, na metade inferior. O problema não é de hoje, mas, ao que parece, tem se agravado a preferência dada ao superior em detrimento de ensino médio e deste em relação ao primário, quando o superior será claudicante se o médio não for bom e este não poderá ser bom se o primário for mau. Ora, pelo número de cursos superiores que têm surgido pode-se imaginar a qualidade de boa parte deles. Dos 508 cursos que não chegam a ser satisfatórios, 64 são de entidades públicas, 23 das quais federais, e os restantes particulares. O quadro desenhado pela análise não me parece bom para o estudante, nem para o nível de ensino ministrado e muito menos para o país.
Mudo de assunto. A propósito da descoberta de reservas petrolíferas no Atlântico, na proximidade da costa brasileira, também foi divulgado um dado de particular seriedade. Segundo ele, se não houver reversão no orçamento, 87% dos navios da Marinha brasileira, hoje em curso, estarão desativados em 2010, ou seja, em dois anos. E hoje a nossa presença nos mares é muito modesta. Dir-se-á que existe um programa de reestruturação da nossa Marinha orçado em R$ 5,8 bilhões ao longo de sete anos. Se em 2010 o nosso déficit em tonelagem será fortemente agravado, será forçoso reconhecer que a despesa orçada para ser gasta em sete anos será exígua, mesmo se a verba for aplicada pontualmente, o que é duvidoso. Basta dizer que no ano de 2007, segundo a mesma fonte, o Tesouro Nacional reteve R$ 3,15 bilhões e que, dos R$ 2,6 bilhões para o ano em curso, apenas R$ 1 bilhão foi liberado até agora. Não preciso dizer mais para significar as preocupações existentes a respeito. As necessidades do país no setor marítimo serão decuplicadas, para ser modesto, com as descobertas do fundo do mar que nos encheram de alegria cívica.
Mas, já se disse, e não sem razão, que o orçamento é uma peça de ficção. De modo que tem de ser redobrada a vigilância das entidades públicas e privadas em relação ao tema, pois a desídia poderá ser de efeitos calamitosos.Com efeito, tem se tornado consuetudinária a prática executiva de congelar verbas públicas e salvo quando são descongeladas para facilitar a aprovação de determinadas matérias no Congresso, como tem acontecido abertamente, elas podem ficar para as calendas gregas. Ao insistir no assunto não estou prevendo o que ocorrerá, mas o que pode acontecer, até porque a omissão é fácil, segundo Padre Vieira “é um pecado que se faz não fazendo”. O que me parece é que mesmo que o congelamento não venha a ocorrer e que os R$ 5,8 bilhões venham a ser aplicados pontualmente em sete anos, o certo é que em 2010 estarão desativados 87% dos barcos atuais e a maior carência deles dar-se-á bem antes dos sete anos da projetada reestruturação.
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Tomou posse o novo presidente do Paraguai e, estimulado ou não pelos afagos do Brasil ao seu mais agressivo e insolente agressor, o presidente guarani tem uma pauta de reivindicações contra o nosso país e, o que é mais sintomático, o sota-ministro das Relações Exteriores já iniciou tratativas com o governante vizinho.A propósito, quando a solução Itaipu estava em curso, o engenheiro Octávio Marcondes Ferraz, antigo ministro de Estado e presidente da Eletrobrás, pessoa nacionalmente conhecida, falando no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, abordou o problema divergindo da solução oficial. Tanto me impressionaram as razões do profissional que ligara seu nome à Usina de Paulo Afonso, que levei ao Senado seu ponto de vista, na sessão de 4 de maio de 1976; mais tarde, quando da votação do projeto que criava a binacional, dei-lhe meu voto contrário, tão impressionado ficara sobre os riscos da solução oficial, quando havia meio menos custoso e exclusivamente nacional. Passados mais de 30 anos, o tempo não me fez mudar de convicção. Ao contrário. Os fatos estão aí. Vamos aguardar o que está por vir.

*Jurista, ministro aposentado do STF
18/08 -
ZERO HORA /RS

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