Ozier Muhammad/The New York Times
Revistas que definiam agenda noticiosa dos EUA perdem relevância; Com perda de leitores e prejuízos, "Newsweek" é posta à venda
Durante gerações, as revistas "Time" e "Newsweek" competiram para definir a agenda noticiosa nacional toda segunda-feira nas bancas. Antes da internet, dos canais noticiosos a cabo e da revista "People" o que importava era o que as revistas semanais estampavam em suas capas.
Agora que ficou mais difícil resumir o debate americano apenas numa capa aquela era parece estar chegando ao fim. Washington Post Company anunciou na quarta-feira que venderá a "Newsweek", suscitando questões sobre o futuro da revista semanal publicada pela primeira vez 77 anos atrás.
Donald E. Graham, presidente e executivo-chefe da Washington Post Co., disse em entrevista que a decisão foi puramente econômica. "Eu não queria fazer isso, mas trata-se de um negócio", disse. A revista deverá perder dinheiro em 2010, afirmou ele, e "nós não vemos um caminho sustentável para a lucratividade da 'Newsweek'".
Foto: The New York Times Ampliar
Capa das principais revistas semanais com imagem do presidente americano Barack Obama: perda de audiência, redução de anunciantes e prejuízos
A decisão acontece no momento em que as editoras vêm cortando pessoal e reestruturando outras revistas de massa. A "TV Guide" foi vendida por US$ 1 para um fundo de investidores privados; a "Businessweek" foi vendida por US$ 5 milhões em dinheiro para a Bloomberg L.P e a "Reader’s Digest" ("Seleções") sofreu uma reformulação editorial e reduziu sua circulação.
As circulações da "Time" e da "Newsweek" estão agora aproximadamente nos volumes de 1966, segundo o Audit Bureau of Circulations, órgão que mede a circulação de publicações nos EUA.
"Essas revistas tinham muito mais estatura naquela época", diz Edward Kosner, que começou a trabalhar na "Newsweek" em 1963 e foi seu editor no fim da década de 1970. "Era realmente muito importante o que aparecia na capa da "Newsweek" e o que era exibido na capa da "Time", porque eram o que se considerava a imprensa nacional. Elas ajudavam a definir a agenda, elas contribuiam para construir reputações ".
"Sob alguns aspectos, a era de massas acabou", diz Charles Whitaker, presidente de pesquisas sobre jornalismo de revistas na Faculdade de Jornalismo da Northwestern University. "Por muito tempo, as revistas semanais tentaram ser tudo para todo mundo, e isso simplesmente não vai funcionar mais nesse ambiente extremamente de nicho, politicamente polarizado e de mídia estratificada em que vivemos hoje."
Jon Meacham, editor da "Newsweek" desde 2006, disse que o comunicado não foi uma surpresa. "No sentido de que todos nós estamos em uma crise existencial, não é o que eu chamaria de decisão supreendente", afirmou. "Seria preciso alguém incorrigivelmente sonhador para não suspeitar que havia mudanças fundamentais a caminho". Mas, disse ele: "Recuso-me a aceitar que, de alguma forma, a Newsweek não tenha um papel a desempenhar no futuro".
Não há clareza sobre quais seriam os possíveis interessados. A Bloomberg LP não está analisando se deseja comprar (a "Newsweek"), disse a porta-voz Judith Czelusniak. Meacham, disse estar pensando em reunir investidores para comprar a revista e que tinha recebido mensagens de voz de dois bilionários após o anúncio da venda.
A "Newsweek" teve prejuízos operacionais de US$ 28,1 milhões em 2009, 82,5% superior ao prejuízo de US$ 15,4 milhões no ano anterior. Sua receita caiu 27,2%, para US$ 165,5 milhões, em 2009, ante US$ 227,4 milhões em 2008, impactada por quedas na publicidade e receitas de assinaturas.
Fundada em 1933, a "Newsweek" foi adquirida pelo The Washington Post em 1961, depois que Benjamin C. Bradlee, à época editor da "Newsweek", e posteriormente editor executivo do Washington Post, persuadiu Philip L. Graham, presidente da Washington Post Co., a adquirir a revista.
Sob a Washington Post Co., a Newsweek tornou-se um contrapeso político ao republicanismo da "Time" comandada por Henry Luce. Enquanto a "Time" assumiu uma posição conservadora frente à Guerra no Vietnã e a cultura americana, a "Newsweek" publicou capas mais alinhadas com as posições dos jovens sobre a guerra, sobre os direitos civis e destacando estrelas da cultura pop, como os Beatles (embora "musicalmente eles sejam quase um desastre", disse a revista.)
Kosner, seu ex-editor, recordou surtos semanais de "nervosismo controlado" sobre o que a "Time" iria colocar em sua capa. "Nas manhãs de segunda-feira, na página de anúncios do "The Times", a "Time" e a "Newsweek" exibiam anúncios de um quarto de página mostrando suas capas e todo mundo abria aquela página nas manhãs de segunda-feira para ver o que cada uma delas tinha escolhido", disse Kosner.
Aos poucos, porém, os programas noticiosos via cabo cresceram em número e popularidade, e as notícias instantâneas via internet tornaram, quase por definição, velhos os resumos semanais. E a noção da existência de um terreno cultural comum que todos os americanos poderiam compartilhar foi mudando.
A circulação da "Newsweek" foi 3,14 milhões de exemplares na primeira metade de 2000. No segundo semestre de 2009, o número caiu para 1,97 milhão. A circulação da "Time" baixou de 4,07 milhões de exemplares para 3,33 milhões no mesmo período. Em 2008, a "US News & World Report", uma concorrente inofensiva, abandonou sua frequência de publicação semanal e tornou-se mensal.
Simultaneamente, “The Economist”, que oferecia artigos com um toque britânico sobre negócios e noticiário econômico, e “The Week”, um resumo explicitamente semi-intelectualizado do noticiário semanal que começou a ser publicada nos EUA em 2001, estavam em ascensão.
Tanto a "Time" como a "Newsweek" foram agressivamente redesenhadas. Em 2007, a "Time" mudou de segunda para sexta-feira sua data de publicação e passou a incluir mais análises. Em 2009, a "Newsweek" praticamente deixou de publicar reportagens originais sobre os acontecimentos da semana e, em vez disso, passou a apresentar análises de colunistas como Fareed Zakaria e análises opinativas.
Whitaker, da Universidade Northwestern, disse que, editorialmente, as reinvenções das revistas "não funcionaram bem". "Não creio que, nessa transformação, a "Time" e a "Newsweek" tivessem voz suficientemente distinta para capturar o interesse de alguém num ambiente político incrivelmente polarizado", disse ele.
Richard Stengel, secretário de redação da "Time", discorda da caracterização de Whitaker. "Nosso público alvo é maior do que a audiência dos canais a cabo", disse ele. "O que abraçamos é o jornalismo que apresenta pontos de vista". Stengel disse que a "Time" foi "bastante lucrativa no ano passado, e seremos ainda mais lucrativos neste ano".
Ambas as revistas aumentaram seus preços: nas bancas, a "Newsweek" agora é vendida por US$ 5,95 e a "Time" por US$ 4,95. Mas os assinantes pagam apenas cerca de US$ 0,50 por exemplar de cada uma das revista. As duas também reduziram a circulação auditada: a "Time" garante uma circulação de 3,25 milhões de exemplares e a "Newsweek" assegura apenas 1,5 milhão.
Em 2009, à medida que a queda da publicidade impactou as revistas, o número de páginas de anúncios na "Newsweek" caiu 25,9%, aproximadamente a média no setor, ao passo que a "Time" se saiu melhor, caindo 17,4%.
"O fator que pesa é simplesmente a erosão da base publicitária — a perda de anúncios dos setores automobilístico, financeiro e de tecnologia", diz George Janson, sócio-gerente da subsidiária de compra de espaço em mídia da GroupM Print. "A publicidade não reverterá tão cedo aos patamares anteriores". Segundo ele muitos anunciantes preferem inserções em publicações de nicho, e não nas de público mais diversificado.
"Há crescentes desafios em ser uma empresa que possui apenas única revista, especialmente uma revista focada em áreas de interesse geral", disse Jonathan A. Knee, que coordenou a venda da "Businessweek" na posição de diretor-gerente sênior da Evercore Partners. Mas Meacham disse que coerência nacional ainda é um objetivo que vale a pena perseguir. "Em minha opinião, a fragmentação da mídia torna um espaço como a "Newsweek" ainda mais importante", disse. "Não sobraram muitos denominadores comuns".
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